Leasing anulado

STJ descaracteriza contrato de leasing entre a GM e empresas

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17 de novembro de 2001, 11h16

O Superior Tribunal de Justiça descaracterizou contrato de leasing entre a GM e duas empresas. Os contratos passaram a ser considerados de compra e venda à prestação. As ações foram impetradas pelo escritório Aguinaldo Biffi Sociedade de Advogados, com sede em Ribeirão Preto.

Os ministros do STJ descaracterizaram o contrato de leasing porque os compradores foram obrigados por cláusula contratual a pagar o valor residual mensalmente. O pagamento descaracteriza o aluguel e torna a relação de compra e venda, de acordo com o escritório.

Veja decisão do STJ

Recurso Especial N° 247.293 São Paulo (2000/00099821-1)

Relator : Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Relatora P/ : Ministra Nancy Andrighi

Acórdão

Recte: Cerealista Balsamo Ltda – Micro Empresa

Advogado : Nelson Marques da Silva e Outro

Recdo: GM Leasing S/A Arrendamento Mercantil

Advogado: Nathanael Ramos de Oliveira e Outro

Ementa

Civil. Arrendamento Mercantil. “Leasing ” Financeiro. Ação de Reintegração de Posse Ajuizada pelo Arrendante. Demudação do Contrato pelo Pagamento Antecipado do Valor Residual Garantido. Compra E Venda a Prestações. Art. 11, § 1° Da Lei N. 6.099/74. Impossibilidade Jurídica do Pedido de Reintegração.

I – A antecipação do VRG ou o adiantamento ” da parcela paga a título de preço de aquisição ” faz infletir sobre o contrato o disposto no § 1° do art. 11, da Lei 6.099/74, operando demudação, ” ope legis ” , no contrato de arrendamento mercantil para uma operação comum de compra e venda a prestação. Há o desaparecimento da figura da promessa unilateral de venda e da respectiva opção, porque imposta a obrigação de compra desde o inicio da execução do contrato ao arrendatário.

II – A ausência da justa causa para expedição de mandado de reintegração de posse é a abusividade da cláusula – e que pode ser objeto de controle judicial “ex officio” – que faculta a opção da aquisição do bem “tendo a arrendatária cumprido todas as suas obrigações”, se o valor residual – com valor e vencimento já discriminados no frontispício do contrato padrão -, é exigido desde o início da sua execução, e não só no momento da opção. Se esta opção é predefinida pelas partes, pelo pagamento antecipado e continuado do VRG, não há mais que se falar em tríplice opção (adquirir os bens mediante o pagamento do Valor Residual corrigido; renovar o arrendamento pelo prazo e condições que as partes ajustarem, tendo como base o Valor Residual corrigido; restituir os bens à arrendante com o pagamento do valor residual corrigido).

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Pádua Ribeiro e Waldemar Zveiter. Votaram vencidos os Srs. Ministros Relator e Ari Pargendler.

Brasília, 06 de fevereiro de 2001. (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministra Nancy Andrighi, Relatora P/ Acórdão

Relatório

O Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito:

” Cerealista Bálsamo Ltda – Micro Empresa interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas a) e c) do permissivo constitucional, contra Acórdão da 11ª Câmara Civil do 2° Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, assim ementado:

“Arrendamento Mercantil – Leasing – Reintegração de posse – Preliminar de cerceamento de defesa por não realização de prova pericial contábil afastada – Inaplicabilidade do Código de Defesa da Consumidor e do artigo 192 da CF e da Lei de Usura – Não caracterização de compra e venda – Causa de pedir é a mora. não havendo possibilidade de declaração de nulidade de cláusulas contratuais em ação de Reintegração de Posse – Sucumbência devida pelo vencido – Recurso improvido. ” (fls. 108)

Oposto embargos de declaração (fls. 112/113), foram rejeitados (fls. 115).

“Alega a recorrente, preliminarmente, contrariedade aos artigos 458, inciso II e 535 do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo persistiu na omissão alegada nos embargos de declaração.

No mérito, sustenta violação aos seguintes dispositivos:

a) art. 145 do Código de Processo Civil, pois o Acórdão recorrido indeferiu prova pericial indispensável para a análise dos cálculos financeiros; b) artigos 11, parágrafo 1°. da Lei n° 6.099/74, e 53 do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a antecipação do resíduo descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil para compra e venda, sendo ilícita a ação de reintegração de posse com a retenção integral da importância paga; c) artigos 1.062 do Código Civil, 1° e 5° do Decreto n° 22.626/33 e 173, parágrafo 4°. alínea b. da Lei n° 1.521/51, pois é vedada a cobrança de juros capitalizados acima do limite legal: d) artigos 1.061 do Código. Civil e 52 do Código de Defesa do Consumidor, dispositivo que reduziu a multa contratual de 10% para 2%, sendo de aplicação obrigatória, independente da época de celebração do contrato; e) artigos 115 do Código Civil e 51 inciso II do Código de Defesa do Consumidor, face a potestatividade da cobrança de comissão de permanência; f) art. 21 do Código de Processo Civil. pois a rejeição do recebimento das parcelas vincendas pela recorrido implica em sucumbência recíproca compensando-se as custas processuais e honorários advocatícios.


Esclarece, por fim, que as atividades das instituições financeiras configuram relação de consumo, nos temos dos artigos 2° e 3°. parágrafo 2° do Código de Defesa do Consumidor. sendo a recorrente hipossuficiente na relação. Assim, o presente contrato deve ser revisto com conseqüente inversão do ônus da prova (cf art. 6°, inciso VIII, da Lei n° 8.078/90).

Aponta dissídio jurisprudencial. trazendo à colação julgados desta Corte, bem como a Súmula n° 596/STF.

Contra-arrazoado (fls. 141 a 151). o recurso especial foi inadmitido (fls. 158 a 160), tendo seguimento por força de despacho proferido em agravo de instrumento (fls. 176).

Houve recurso extraordinário (fls. 132 a 139), inadmitido (fls. 161 a 163), tendo sido interposto agravo de instrumento dessa decisão (fls. 170).

É o relatório.

Voto Vogal

Ministra Nancy Andrighi

Cuida-se de Recurso Especial interposto com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, por alegada afronta aos arts. 21, 145, 458, II 535 do CPC, arts. 51, II, 52 e 53 do CDC, e art. 11 da Lei n. 6.099/74, arts. 115, 1061 e 1062, CC, arts. 1° e 5° do Decreto n. 22.626/33, art. 173, parágrafo 4°, “b” da Lei n. 1.521/51, em face de v. acórdão que teve por cabível a ação de reintegração de posse de bem objeto de contrato de arrendamento mercantil, com cobrança antecipada de VRG.

Inicialmente, rejeito as preliminares de cerceamento de defesa e omissão, porque o acórdão recorrido está fundamentado e não houve prejuízo para o réu, mostrando-se desnecessária a realização de prova pericial porque suficiente a prova documental contratual.

De primeira ordem cabe situar-se acerca da natureza contratual do pacto de “leasing”, nas hipóteses de o arrendatário pagar o “valor residual garantido – VRG” antecipadamente, passando o respectivo valor a integrar a prestação mensal. A questão foi amplamente debatida pelas Turmas de Direito Privado desta Corte, pacificado o entendimento na e. 4ª Turma que este modo de proceder gera a demudação do contrato de “leasing”. Entre nós, integrantes da 3ª Turma, o julgamento ainda não está pacificado.

A doutrina é unânime em afirmar que o contrato que pactua “leasing” tem aparência miscigenada de contrato de locação, compra e venda e financiamento (para alguns, também haveria um “mandato”), mas que consiste, efetivamente “no negócio jurídico bilateral pelo qual uma das partes, necessitando utilizar um determinado bem, procura uma instituição financeira para que promova a compra do mesmo para si e, posteriormente, lhe entregue em locação, mediante uma remuneração periódica, em geral, no seu somatório, superior ao seu preço de aquisição. Ao final do prazo contratual, via de regra, surgem três opções para o locatário: a de tornar-se proprietário mediante o pagamento de um quantia, a de renovar a locação por um valor inferior ao primeiro período locativo ou a de devolver a coisa locada”.

Os contratos de arrendamento mercantil, além dos requisitos comuns a todos os contratos devem conter, de acordo com o disposto no art. 5°, alínea “c” da Lei n. 6.099/74, dentre outros requisitos específicos, a “opção de compra ou renovação de contrato, como faculdade do arrendatário”, de substancial importância, porque é a cláusula que o diferencia de outros contratos e o caracteriza como contrato de arrendamento mercantil. Para completar este raciocínio deve-se acrescer a inteligência do disposto no parágrafo 1°, do art. 11, o qual define como simples operação de compra e venda a prestação, toda vez que o arrendatário formalizar contrato em desacordo com as exigências estabelecidas na referida Lei.

Com fundamento nessas disposições legais, forçoso é concluir que o pagamento adiantado “da parcela paga a título de preço de aquisição” (art. 11, parágrafo 2° da Lei n. 6.099/74)G), seja sob a rubrica equivocada de “valor residual garantido”, ou como “valor residual”, retira do contrato de arrendamento mercantil a sua principal característica que é a opção de compra.

Cobrar precipitadamente o “VRG” retira do arrendatário a possibilidade de decidir pela compra ou não do bem arrendado, passando a ser a aquisição um fato impositivo, porque esse procedimento da arrendadora gera uma única conseqüência ao final do contrato, qual seja, o arrendatário, obrigatoriamente, terá que adquirir o bem arrendado, considerando que o pagou integralmente. Portanto, é subtraída a opção de adquirir ou não o bem arrendado, ou – em outra hipótese remota de o arrendatário não querer adquirir o bem arrendado – é submetido ao pagamento de uma prestação pecuniária onerada, principalmente na eventualidade de ocorrer a mora ou mesmo em caso de inadimplemento.

Há que se insistir na interpretação sistemática da Lei n. 6.099/74, sempre no sentido de privilegiar a idéia de harmonia no ordenamento jurídico, para permitir a ilação de que o parágrafo primeiro, do art. 11 apregoa a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil em contrato de compra e venda a prestações, quando fracionado o valor residual garantido em forma de prestações periódicas de vencimento mensal.


Muito embora, a Lei n. 6.099/74, na sua ementa, afirme que “Dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, e dá outras providencias” veicula no seu contexto norma de natureza civil, com previsão de cláusulas contratuais obrigatórias (art. 5°), e cominação por descumprimento dos fins da lei (art. 11, parágrafo 1 °), que pode ser trazida no âmbito das relações entre particulares, sem interesse direto do Estado.

Para Antônio Carlos Efing: “A legislação que trata especificamente do ‘leasing’, prevê diversas situações em que ocorre a desnaturação do arrendamento mercantil e caracterização de compra e venda. Uma destas situações é justamente o pagamento do valor residual ou a realização da opção de compra dos bens antes de terminado o prazo contratual ajustado. É o que prescreve o art. 11, parágrafo I °, da Lei n. 6.099/74: … No mesmo sentido dispõe o art. 11 da Resolução n. 980 do BACEN:…

Também de forma idêntica é a previsão da Resolução 351/75 do Conselho Monetário Nacional, que, em seu art. 10, parágrafo único prescreve: ‘A operação será considerada de compra e venda à prestação, se a opção de compra for exercida em desacordo com o disposto neste art. ou seja, antes do término da vigência do contrato de arrendamento’.

Não importa a forma ou nome que se dê para amparar a cobrança antecipada de qualquer valor relativo à aquisição (opção de compra) dos bens arrendados – em todos os casos estar-se-á desvirtuando o arrendamento mercantil e caracterizando a operação como simples compra e venda financiada”.

A Portaria nº 3, de 19/03/1999, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, em aditamento ao rol de cláusulas abusivas, relativas ao fornecimento de produtos e serviços, do art. 51 do CDC, dispôs, no seu item 15, quanto à abusividade da exigência de pagamento antecipado do VRG:

“15. estabeleçam, em contrato de arrendamento mercantil (“leasing”) a exigência do pagamento antecipado do Valor Residual Garantido (VRG), sem previsão de devolução desse montante, corrigido monetariamente, se não exercida a opção de compra do bem”.

Dessume-se, alicerçada nos argumentos acima expostos, que a cobrança precipitada do valor residual garantido faz infletir sobre o contrato o disposto no parágrafo 1º do art. 11, da Lei 6.099/74, operando transmutação, “ope legis”, no contrato de arrendamento mercantil para uma operação comum de compra e venda a prestação.

Confirmam a dicção legal o art. 10 e art. 6º,I da Resolução n. 2.309/BACEN, este último que determina a limitação do total dos pagamentos, pela disponibilização do objeto do arrendamento mercantil, a 75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrendado, ou seja, o pagamento integral do custo do bem arrendado, com o valor residual diluído nas prestações mensais, implica em compra e venda pelo valor total do bem.

A ausência da justa causa para expedição de mandado de reintegração de posse é a abusividade da cláusula – e que pode ser objeto de controle judicial “ex officio” – que faculta a opção da aquisição do bem “tendo a arrendatária cumprido todas as suas obrigações”, se o valor residual – com valor e vencimento já discriminados no frontispício do contrato padrão -, é exigido desde o início da sua execução, e não só no momento da opção. Se esta opção é predefinida pelas partes, pelo pagamento antecipado e continuado do VRG, não há mais que se falar em tríplice opção que já foi exercida.

Embora não se possa exigir a transferência de propriedade do bem, de imediato pela aquiescência do arrendatário no pagamento do VRG incorporado ao valor da prestação mensal, porque também o arrendatário não adimpliu totalmente sua obrigação, não é certo que, já exteriorizada a vontade na aquisição do bem, com o consentimento da instituição financeira, possam ser, legitimamente manejados os interditos proibitórios, sob o aval do Poder Judiciário, espoliando o arrendatário de um bem que, na maioria das vezes, está vinculado às suas atividades comerciais.

Está autorizado o magistrado, no exame das condições específicas da ação de reintegração de posse – ao reconhecer a caducidade de cláusula que posterga a opção de compra do bem, quando já exercida essa por meio de pagamento fracionado e continuado de VRG -, extinguir o processo sem exame de mérito, uma vez que a demissão da posse do arrendante ocorrera por ato próprio e espontâneo com a instrumentalização da opção antecipada de compra do bem, e não por ato do arrendatário, que não se torna esbulhador pela inadimplência parcial, de compra e venda a prestações.

Forte nestas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso, para extinguir a ação de reintegração de posse sem julgamento de mérito, com espeque no art. 267, VI do CPC.

Arcará a autora com custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), verificado o grau de zelo profissional e a simplicidade da causa, sem incidentes processuais.

É o voto.

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