Relações trabalhistas

Falta de exame demissional é infração administrativa e gera multa

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17 de novembro de 2001, 20h55

Trataremos no presente artigo de caso apreciado em grau de Recurso Ordinário pelo E. Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (Aracaju-Sergipe) RO nº 1871/99, Acórdão nº 33/00, publicado aos 18.1.2000, do qual foi o relator, o juiz João Bosco de Santana Moraes.

Referido Recurso Ordinário foi interposto da r. sentença de 1ª Instância que julgou procedente pedido efetivado em Reclamação Trabalhista interposta por ex-empregado (Reclamante) com vistas à reintegração no emprego, sob alegação de nulidade da dispensa por falta de exame médico demissional previsto no artigo 168, inciso II da CLT.

Outrossim, temos que a sentença do 1ª instância como já dito foi no sentido de julgar procedente pedido efetivado pelo ex-empregado de reintegração no emprego para condenar a ex-empregadora (Reclamada) à “reintegração do Reclamante com o pagamento em dobro de seus salários vencidos, até a efetiva reintegração, recolhimento do FGTS e contribuição previdenciária”.

E assim decidiu o MM. Juízo de 1ª instância por entender “tal dispensa arbitrária, pelo fato do Reclamante encontrar-se enfermo à época, não tendo sido efetivado o competente exame médico demissional previsto no artigo 168, inciso II da CLT.”

Ao que recorreu de tal sentença de 1ª Instância a ex-empregadora (Reclamada) através de Recurso Ordinário sob a alegação de que “a Constituição Federal somente garante a estabilidade para os cipeiros, empregada doméstica e os dirigentes sindicais, não sendo o caso do reclamante. Alega, ainda, que a Lei nº 8.213/91 confere direito à estabilidade provisória àquele que sofra acidente ou adquira doença profissional durante o trabalho, também não sendo aplicável ao caso em tela. Por fim, aduz que a falta do exame médico demissional não teria o condão de gerar a nulidade da despedida, por tratar de uma irregularidade administrativa, gerando apenas efeitos administrativos”.

No que veio o E. TRT da 20ª Região quando do Julgamento de tal Recurso Ordinário a reformar a sentença de 1ª Instância, para absolvê-la do pedido de reintegração no emprego por entender que: “a falta do exame médico demissional prevista no artigo 168, inciso II da CLT não implica em nulidade da despedida, pois trata-se de mera infração administrativa”.

Decisão esta do E. Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, a qual foi baseada nas seguintes razões: A) O ex-empregado em referência não se enquadra nos casos específicos de estabilidade provisória admitidos em Lei; B) A dispensa de tal ex-empregado foi efetivada mediante pagamento de verbas rescisórias, indenização cabível, e homologação pelo sindicato de categoria pelo que totalmente regular; C) Que o artigo 7º, inciso I da Constituição Federal invocado pelo MM. Juiz de origem para considerar a dispensa do ex-empregado como arbitrária, não serve como respaldo a tanto pois que depende de regulamentação através de lei complementar; D) Que a ausência de exame médico demissional previsto no artigo 168, inciso II da CLT constitui-se em mera infração administrativa, acorde o artigo 201 da CLT, tudo conforme se verifica do v. acórdão do E. TRT da 20ª Região, em abaixo em parte, ou seja:

“Ausência De Exame Médico Demissional – Infração Administrativa – Despedida Válida – A falta do exame médico demissional previsto no art. 168, II, da CLT não implica nulidade da despedida, pois trata-se de mera infração administrativa, merecendo reforma a sentença que deferiu a reintegração do reclamante sob tal fundamento (TRT – 20ª Região; RO nº 1871/99 – Aracaju-SE; ac nº 33/00; Rel. Juiz João Bosco Santana de Moraes; j. 18/1/2000; v.u.).

……

Voto

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso.

No caso dos autos infere-se que o reclamante foi despedido sem justa causa, tendo sido paga a indenização cabível (fl. 28), com rescisão homologada pelo sindicato da categoria, não havendo qualquer irregularidade a ser sanada.

Fundamentou-se o Colegiado na Constituição Federal para imprimir à despedida caráter arbitrário, no entanto equivocou-se em seu entendimento, por prever o citado diploma legal, em seu artigo 7º, inciso I, o seguinte:

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I-relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”. (grifo nosso)

Portanto, trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, dependente de lei complementar que a regule para sua aplicação plena. Vejamos a elucidativa explanação sobre o assunto dos ilustres doutrinadores Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, em obra intitulada Comentários à Constituição do Brasil, 1º volume, editora Saraiva, escrita em conjunto com o também ilustre jurista sergipano Carlos Ayres de Brito:

“(…) De revés, se a matéria que se põe como conteúdo da norma é deficientemente plasmada, de modo a que tal defeito da conformação intercorra por qualquer um dos seus elementos lógico-estruturais – que são a hipótese, o mandamento e a conseqüência -aí se torna necessária a expedição de um comando complementar da vontade constitucional. Dá-se, então, o reclamo de interposta lei, para suprir a insuficiência da norma, completar as suas prescrições e tornar sua incidência possível, em termos de plenitude eficacial”.

Pautou-se, ainda, o decisum “a quo” no fato de que a não realização do exame médico demissional impediria o empregador de despedir o reclamante, posto ser regra obrigatória prevista no artigo 168 da Consolidação das Leis Trabalhistas. No entanto, mais uma vez não prospera os argumentos lançados pelo Juízo de primeiro grau, posto que o descumprimento de tal regra caracteriza apenas infração administrativa como dispõe o artigo 201 da CLT, “in verbis”:

“As infrações ao disposto neste Capítulo relativas à medicina do trabalho serão (trezentas) vezes o valor-de-referência previsto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975,e as concernentes à segurança do trabalho com multa de 50 (cinqüenta) a 500 (quinhentas) vezes o mesmo valor.”

Posto isto há que se dizer que também concorreram para o decidido em tal v. acórdão, além do disposto no artigo 201 da CLT, os seguintes motivos de fato: A) Inexistência de prova nos autos, no sentido de que teria o ex-empregado adquirido doença profissional na Empresa; B) Por não se enquadrar o ex-empregado na situação prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91, pois que não sofreu acidente de trabalho ou evento a ele equiparável (doença profissional) quando do transcurso do Contrato de trabalho firmado entre as partes, conforme se constata do v. acórdão abaixo:

“Quanto ao fato de alegar o reclamante ter adquirido tais doenças enquanto laborava para a reclamada, imputando-lhe caráter ocupacional, não se desincumbiu do ônus de prová-lo. Pelos documentos acostados aos autos infere-se que houve uma atuação por parte do Ministério do Trabalho em inspeção feita na empresa reclamada, onde verificou-se algumas irregularidades, entre elas a falta do exame médico demissional quando da despedida do reclamante. No entanto, como já explicitado anteriormente, trata-se de infração administrativa, não havendo como acatar a reintegração por este motivo. Com relação aos exames colacionados aos autos, não foram os mesmos suficientes para provar que o reclamante adquiriu aquelas doenças enquanto laborava para a reclamada.

Por fim, não se enquadra, também, o reclamante na Lei nº 8.213/91, que prevê os casos de acidente considerados de trabalho, quando reza em seu artigo 20, “in verbis”:

……

“Considera-se acidente de trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social; II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no item I.”

Ainda, no artigo 118 do mesmo diploma legal tem-se que:

“O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário,independentemente da percepção de auxílio-acidente”.

Reforçando a tese já esposada, em qualquer momento em todo o iter processual logrou êxito o reclamante em provar ter sido acometido de doenças no exercício do labor, não tendo provado, inclusive, que estava de licença médica quando da sua dispensa, estando, portanto, regular a sua demissão, não havendo previsão legal para a sua reintegração.

Desse modo, em razão do exposto, merece ser provido o apelo patronal, a fim de que seja indeferida a integração do reclamante aos seus quadros”.

Sendo que tal entendimento do E. TRT da 20ª Região, também foi esposado pelo E. TRT da 4ª Região, ao que se constata de jurisprudência citada no acórdão em referência, ou seja:

“Exame Médico Demissional – Ausência – Nulidade Da Despedida – Infração Administrativa. O descumprimento da regra inserida no inciso II do art. 168 da CLT não implica nulidade da despedida, mas caracteriza apenas infração administrativa, consoante o art. 201 da mesma Consolidação (TRT – 4ª Região; RO 00531.020/97-5 – Ac. 5ª T., 4.3.99. Rel. Juiz Ricardo Genhling)”.

De nossa parte, enfocamos o acórdão em referência do E. TRT da 20ª Região no presente artigo, dado ao interesse que possam as Empresas ter quanto ao mesmo, quando da análise de caso concreto, em que às vezes se vêem as mesmas ao cumprir tal formalidade legal (exame médico demissional) correndo os seguintes riscos: A) ter de plano, obstada a dispensa pretendida, com o encaminhamento do trabalhador ao INSS, face às supostas queixas do mesmo ao médico do trabalho; B) ou ainda ver colocado no atestado médico ocupacional demissional situação que nem sempre corresponde à realidade, pois que é comum o empregado quando de sua dispensa simular dores que não existem.

Entendemos que o melhor seria realizar perícia médica por ocasião de eventual Reclamação Trabalhista com vistas a reintegração no emprego, pois que o Perito Judicial não estará como o médico do trabalho compelido a encaminhar o trabalhador ao INSS, ante a supostas queixas de dores do mesmo por ocasião da dispensa, obstando assim a rescisão sem justa causa pretendida pela Empresa.

E isto notadamente em casos de queixas de sintomas de doença profissional como por exemplo as “DORT” (distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, atual denominação dada pelo Ministério do Trabalho às “LER”, lesões por esforços repetitivos) em que o diagnóstico é efetivado principalmente pelo exame físico do ex-empregado, baseado no que este reporta ao médico no momento da dispensa, momento em que está desesperado para manter o emprego, não hesitando em simular dores.

Pelo que fica aqui o alerta às Empresas, de que há decisões de nossos tribunais, no sentido de que, caso não efetivado o exame médico demissional previsto no artigo 168, inciso II da CLT, tal importará apenas em infração administrativa sujeita à multa prevista no artigo 201 da CLT, sem maiores implicações ao empregador.

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