'Ovelhas negras'

Juiz que não desempenhar bem a função deve renunciar na China

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14 de novembro de 2001, 17h24

Uma nova ordem disciplinar para o judiciário chinês foi aprovada. O juiz que praticar o mau exercício da jurisdição em nome do Estado poderá receber um convite para renunciar ao cargo. Se não assumir o erro, então a instância superior pedirá seu posto.

O presidente da Suprema Corte do Povo, Xiao Yang foi ao Congresso Nacional da China e solicitou uma “compreensível” aprovação das normas ao plenário, pois ele próprio queria comandar a caça às “ovelhas negras” do judiciário nacional.

“A confiança pública no judiciário e o respeito às suas autoridades é proporcional a atuação de seus membros. Devemos atuar com vigor em relação aos nossos juizes para restabelecer a autoridade judicial no país”, disse Xiao, presidente da Suprema Corte chinesa. As estatísticas demonstram que mais de 1.200 juizes foram advertidos e 46 deles processados por abuso de poder e práticas jurídicas ilegais no ano passado.

O termo principal utilizado foi a “má aplicação das leis” e inclui os

julgamentos que causaram perdas materiais, más influências políticas e sociais, e omissão de informações nos processos de investigação no

judiciário. O vice-presidente da Suprema Corte do Povo, Liu Jiachen declarou que foram criadas para que os presidentes e vice-presidentes dos tribunais chineses possam controlar as falhas de seus subordinados e corrigi-los quando necessário.

Nos casos comprovados de arbitrariedade, descumprimento de norma ou contravenção, segundo Liu, o juiz deve renunciar ao cargo, e no caso de não assumir seu erro, uma corte superior pode solicitar sua remoção.

Os presidentes das cortes são eleitos e removidos pelo congresso regional de cada província, o equivalente às Assembléias Legislativas brasileiras. O procedimento de fiscalização de juizes entrou em voga há poucos anos no país. Em 1998, uma campanha nacional foi lançada com o objetivo de diminuir drasticamente a corrupção no judiciário.

A China tem 1,297 bilhão de pessoas, 82% alfabetizadas e com 71% delas nas zonas rurais. O acesso à justiça ainda é um privilégio de poucos. Para que uma família do interior tenha acesso a um advogado deve conhecer uma pessoa importante, ter um contato, ou na linguagem chinesa, um “guanxi”.

Os milhões de trabalhadores das pequenas e médias empresas particulares estão sujeitos aos humores dos patrões. Os milhares de trabalhadores da construção civil, que apesar de terem obrigação legal de darem assistência aos seus empregados, sofrem com a herança cultural da semi-escravidão, da subserviência e da submissão.

O caso jamais pode chegar a qualquer órgão de imprensa, pois seus jornalistas estão ávidos para divulgar casos de abuso de poder, corrupção ou descumprimento das leis, principalmente se a arbitrariedade for contra um pobre. As punições normalmente são exemplares. O medo de uma denúncia alimenta o submundo. Suborno, corrupção e finais trágicos alimentam noticiários de toda a China.

A Província de Fujian, com 32,8 milhões de habitantes, no litoral sudeste, é uma das províncias economicamente desenvolvidas e o número de crimes econômicos é relativamente alto em relação a outras no interior do país.

Dentre os 6.400 procuradores da justiça, apenas mil têm nível superior, representando 16% do total e apenas a metade é formada em ciências jurídicas. A falta de profissionais despertou a atenção das autoridades, que recentemente emitiram uma circular sobre a seleção de procuradores, segundo a qual, somente com nível superior podem trabalhar nas procuradorias das zonas economicamente desenvolvidas.

Os não-formados serão transferidos às regiões remotas do país. Para aumentar a transparência, a justiça de Fujian aplica o sistema de “processo aberto”, publicando na imprensa o caso, colocando-o sob a supervisão pública. No ano passado, procuradorias de diversos níveis da província receberam mais de 21 mil cartas de denúncia, resolveram 6.500, e 29 dos casos envolviam procuradores transgredindo leis.

Advogados estrangeiros e a China

Após a proclamação da República Popular da China, quando ocorria o julgamento de um famoso ou grande caso envolvendo questões jurídicas, então um tribunal superior indicava um advogado para o réu.

Durante a revolução cultural, entre 1966 e 1976, muitos juristas foram espancados em praça pública. Não existia naquele conturbado período a possibilidade de julgamento com defesa. No caso do julgamento do Bando dos Quatro, um deles, Zhang Chun Qiao recusou ter um advogado indicado pelo tribunal, ainda motivo de comentário por membros do partido comunista, e mesmo fazendo autodefesa pegou prisão perpétua.

Após 20 anos do início da aplicação da política de reforma e abertura, já abriram no país mais de 9 mil escritórios, onde trabalham 110 mil advogados. O primeiro regulamento para o setor foi aprovado na última terça-feira (6/11). A China retomou o sistema de utilização de advogados na justiça comum em 1979.


Estatísticas mostram que em 30 de junho de 2001, em Pequim haviam

registrados 417 escritórios de advocacia, com 5.268 advogados diplomados nas áreas da política, da cultura e economia, e atuando na proteção dos interesses e direitos da população, assim como incentivando “governantes a atuarem dentro das leis”, segundo Wu Xiaoji, diretor da Associação Municipal dos Advogados de Pequim. Ele afirmou que estes novos regulamentos vão servir para reajustar a emissão de diplomas e promover um padrão de competência jurídica.

O regulamento possui 12 capítulos com 82 artigos. Terá uma grande influência no âmbito das leis chinesas, segundo o Ministério da Justiça e a Associação dos Advogados de toda a China.

Os advogados particulares custam caro. Cerca de 50 reais por hora. Em um país que o salário de uma professora da escola secundária, é equivalente a 550 reais, e morando sozinha viveria muito bem. Wang Li, (54) não queria divorciar-se de Shu Wei (56). Viveram juntos por 26 anos. Ele arrumou uma amante, mais jovem, e não quis continuar com a esposa. Inicialmente, Wang foi consultar o advogado para ver como seria a divisão dos bens, em caso de divórcio. Eles tinham dois filhos, uma menina de 24 anos, já casada e um rapaz de 21 anos, solteiro.

Ela ficou no apartamento, de propriedade do casal, e ele teve que se mudar para um apartamento no mesmo prédio. Hoje mora com a nova esposa. Ela não agüentou a tristeza da separação, deu o apartamento para a filha morar e mudou-se para longe, comprando em prestações um novo apartamento de um quarto. Normalmente o casal divide os bens igualitariamente. Tendo prole, a mãe tem o direito de escolher se os quer ou não, se não, ficam com o pai. Isto decidido por um tribunal distrital. O tribunal dá um documento legalizando o divórcio quando decidem em paz.

Se estão em litígio, primeiro recebem um conselho, para levar em consideração os filhos, que a família vai ser destruída, etc. Seguindo na briga, devem justificar o porque da vontade de divórcio. Então após algumas reuniões, sem advogado, apenas na frente do juiz, eles recebem um certificado de que após várias tentativas de conciliação, não foi possível reatar o casal. Estão divorciados. Um ditado chinês diz que “mesmo para um magistrado inteligente é difícil dar sentença sobre assuntos de família”.

Um sistema de assistência jurídica gratuita está sendo implantado em todo o país. Mais de 600 mil pessoas, 0,05% da população, foram atendidas nos últimos cinco anos, segundo declarações na imprensa do Ministro da Justiça, Zhang Fusen, há alguns dias. Foram estabelecidos nas 31 províncias, regiões autônomas e municípios centrais da China continental. Com 83% das cidades e 65% dos distritos possuindo seus departamentos de assistência jurídica gratuita, afirmou Zhang.

O sistema foi montado em 1994, objetivando oferecer defesa jurídica aos cidadãos com dificuldades financeiras. O número de casos de assistência jurídica passou de 40 mil em 1997 para 170 mil no ano 2000. O sistema legal ainda vai enfrentar muitas pressões, devido à restrições econômicas, novas situações e problemas advindos da entrada na Organização Mundial do Comércio e da assinatura da Convenção de direitos civil e políticos das Nações Unidas. A área de direitos políticos ainda não possui jurisprudência na China.

A advocacia já se tornou uma profissão com ampla influência sobre a

sociedade chinesa. Nas atuais circunstâncias, para se adaptar às

necessidades do desenvolvimento social, estão sendo realizadas reformas. Com a entrada da China na OMC, o ramo vai encontrar campo para crescer. As bancas são estatais, mistas e particulares. Além disso, ainda se estimula a forma de sociedade, para estabelecer grandes e influentes escritórios de advocacia.

Nos últimos anos, o sistema do apoio jurídico está sendo aperfeiçoado, afim de que milhares de chineses comuns tenham o apoio gratuito de advogados. A população utiliza mais estes serviços para casos de acidentes de trânsito, erros médicos e direitos do consumidor. O setor ainda está fora das grandes bancas internacionais.

Os 120 escritórios internacionais hoje estabelecidos só podem ter um escritório no país. A norma possivelmente cai em breve, segundo estimativa da Coudert Brothers, com escritório no país desde 1992. A entrada da China na OMC está apressando muitas modificações para agilizar os contratos. O poderoso MOFTEC, Ministério chinês das Relações Econômicas e Comerciais com o Exterior, aboliu 573 dos 1.413 regulamentos existentes, e ainda estuda a reformulação de mais 120 normas visualizando a OMC. Grandes empresas chinesas devido a falta de advogados chineses especializados em direito internacional estão contratando estrangeiros para resolver as pendências.

Televisão e jornal para divulgar as leis chinesas


Durante o primeiro semestre deste ano 6.340 advogados, entre 23 e 54 anos, no mínimo com título de bacharel, participaram na televisão de um grande debate sobre leis. Realizado na forma de disputa de “quem sabe mais, fica”. Após 32 programas, ficaram 196 para a final. O objetivo era esclarecer para a população os direitos nas áreas cível e criminal. Os espectadores perguntavam e os advogados respondiam. O programa foi organizado pela Associação dos Advogados de toda a China, a All-China Lawyers Association, (ACLA), Ministério da Justiça e a Televisão Central da China – CCTV.

Outro programa na televisão de Beijing, a BTV-3, também faz diariamente um debate com temas variados. Questões polêmicas como casos de vizinhos, atropelamentos, separação de casais, filhos e direitos do consumidor aumentam a audiência do meio dia. Um dos programas apresentou o caso de um assassino. Alguém matou um indivíduo em um apartamento. Ligou para sua secretária e pediu que ela trouxesse alguns arames para ele poder amarrar o defunto, já enrolado em um tapete.

Ela com medo, deixou na porta e do celular ligou dizendo onde estava o arame. Sua amante também soube, pois assim que deixou o corpo em um lugar isolado foi à casa dela para esconder-se. Pediu um dinheiro, comprou uma carteira de identidade falsa, mudou de nome e fugiu. Quando foi pego pela polícia, todos foram presos. O caso bem relatado, explicava aos telespectadores quais haviam sido as transgressões e de quais leis.

Frisaram muito sobre o erro das mulheres não terem delatado o homem para a polícia. E elas não o fizeram por pura ignorância, segundo a apresentadora. O jornal diário da Juventude de Pequim, o “Beijing Youth Daily”, possui um caderno “o Semanário jurídico”.

Relatando histórias jurídicas, mostrando quais as leis que não foram respeitadas, e ensinando à população a legislação. No caso do dia 23 de outubro, Wang Ling (56) ajudou durante 20 anos meninos de ruas em Hangzhou. Mais de 200 crianças foram para escolas, e tiveram assistência material de Wang. Quatro deles ele criou, e por falta de conhecimento das novas leis não solicitou a adoção dos meninos. O caso foi parar na justiça.

Sua ação foi considerada benevolente, e foi defendido pela Professora Xia Yinlan da Universidade de Direito da China e Secretária Geral do Instituto das Leis de Casamento.

Há 10 anos poucos governantes consultavam advogados. Um professor da Universidade de Jilin, província no nordeste da China, com 27,2 milhões de habitantes, é um dos 15 consultores legais da Província. Com 43 anos, ele e seus colegas são um marco na história jurídica do país. Foi o primeiro grupo contratado por uma província chinesa para supervisionar as normas da administração do governo.

Na época era raro ver um governo de uma província ou cidade consultar advogados em questões locais, segundo Du Zhaoqing, diretor do Departamento de Justiça da Província de Jinlin em entrevista ao Diário do Povo.

Hoje cerca de 70 governos locais possuem seus consultores jurídicos, e por toda a China mais e mais administradores públicos procuram advogados antes de tomarem suas decisões nas áreas de comércio, finanças, seguros e alta tecnologia.

Jia Wuquang, diretor do Departamento de Registro de Advogados do Ministério da Justiça disse que cerca de 4 mil cidades em todo o país possuem departamento jurídico, e 8 mil funcionários estatais contratam conselheiros jurídicos constantemente.

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