Decisão unânime

Ministério Público pode quebrar sigilo bancário sem ordem judicial

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12 de novembro de 2001, 11h54

O Ministério Público pode quebrar o sigilo fiscal e bancário de suspeitos, sem autorização judicial. A decisão, por unanimidade, é da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região ao julgar habeas corpus impetrado por um suspeito de sonegação de impostos que responde inquérito na Polícia Federal do Espírito Santo.

Os integrantes da Turma acompanharam o voto do relator, juiz Paulo Espírito Santo, que negou o pedido para o trancamento do inquérito. Segundo o juiz, o MPF não precisa de autorização judicial para esse tipo de investigação.

De acordo com informações do processo, o acusado teria se declarado como isento no Imposto de Renda. Entretanto, teria movimentado em contas bancárias mais de R$ 2 milhões apenas no ano de 1998.

A descoberta foi feita pela Receita Federal através do cruzamento entre valores descontados a título de CPMF e sua declaração de renda. No Espírito Santo, mais de cem pessoas físicas e jurídicas são investigadas pelo MPF por terem tido movimentação bancária incompatíveis com suas declarações de renda.

Em 1999, a mídia divulgou que diversas pessoas físicas e jurídicas, apesar de pagarem altos valores de CPMF, não declaravam imposto de renda ou se diziam isentas e em faixas de contribuição muito abaixo da real movimentação financeira. Então, o Ministério Público solicitou à Receita Federal informações sobre pessoas físicas que teriam movimentado, em 1998, mais de R$ 2 milhões em suas contas bancárias e das pessoas jurídicas que optaram pelo “Simples” e em cujas contas circularam mais de R$ 20 milhões.

O Simples é uma opção de declaração para as microempresas que faturam até R$ 120 mil ou para as pequenas empresas que ganham até R$ 1,2 milhão anualmente. As pessoas físicas para serem isentas devem receber menos de R$ 900,00 por mês.

A Receita informou ao MPF, na ocasião do pedido, que estaria impedida de prestar as informações em virtude da Lei 9.611/96, que lhe vedava o uso da CPMF para verificar a existência de outros créditos tributários que não a própria CPMF. O parágrafo 3º do artigo 11 desta lei só este ano (2001) foi modificado pela Lei 10.174/01, permitindo as verificações. Diante disso, o MPF solicitou à Justiça Federal a quebra do sigilo fiscal de todas as pessoas. A quebra de sigilo foi autorizada pela 5ª Vara Federal de Vitória.

A Receita informou que 106 pessoas físicas no Estado encaixavam-se naquele caso de movimentações financeiras de mais de R$ 2 milhões. Quanto às empresas que movimentaram mais R$ 20 milhões em 1998, uma declarou pelo Simples, cinco isentas, uma inativa e quatro se disseram imunes.

No pedido de habeas corpus, a defesa alegou que seu cliente sofreu constrangimento quando foi depor na Polícia Federal e descobriu que seu sigilo fiscal havia sido quebrado. Argumentou que a Receita não poderia ter prestado as informações. Como o fato ocorreu em 1998, a Receita estaria vedada de fazer a verificação de outros débitos tributários que não a própria CPMF, de acordo com a Lei 9311/96, que vigia na época. A defesa até anexou a uma liminar concedida em Mandado de Segurança que garantia o direito ao cliente.

Para a defesa, o fato era atípico e não poderia haver inquérito policial antes de a questão ser resolvida cível e administrativamente. Afirmou, ainda, que os direitos constitucionais de intimidade e privacidade não poderiam ter sido violados.

O MPF informou no processo que diversas decisões judiciais dos órgãos superiores já declararam que os sigilos fiscal e bancário “não têm todo esse caráter absoluto”. Segundo o MPF, a matéria já teria sido discutida na CPI do Narcotráfico em que foi possível descobrir a lavagem de dinheiro proveniente de tráfico de drogas e outros atos ilícitos durante as investigações.

O procurador do Ministério Público, Tigre Maia, estava presente na sessão que julgou o processo. Ele deu um parecer oral em que destacou as conseqüências do que iria ser julgado naquele momento. A decisão iria repercutir em centenas de processos análogos no Espírito Santo. Segundo o promotor, a decisão poderia repercutir ainda no Rio de Janeiro, onde há um caso de movimentação de mais de R$ 1 bilhão sem declaração de renda.

De acordo com o procurador, não se poderia “matar no nascedouro” uma investigação dessa natureza. Lembrou que em casos semelhantes é que se pode descobrir lavagem de dinheiro proveniente do crime organizado e até do terrorismo. E considerou até tímidos os parâmetros de investigação, com valores muito altos para se começar a caracterizar e investigar os ilícitos.

O relator do processo afirmou que considerava este um dos mais importantes casos em tramitação, atualmente, no Judiciário. Informou que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o Ministério Público pode pedir a quebra do sigilo sem necessidade de autorização judicial.

“O Ministério Público tem que ser poderoso sim, principalmente porque o Brasil é um dos países em que há mais desequilíbrio entre os ditos interesses públicos e o real interesse da sociedade; um país onde muitos que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo não cumprem a lei. Diante disso, como não se vai investigar?”, disse o juiz.

Ele entendeu que o MPF foi cuidadoso ao pedir a autorização judicial havendo, inclusive, excesso de zelo porque já há leis e agora jurisprudência, que lhe permite proceder com independência. Segundo o relator, “a lei tem que ser razoável e se adaptar ao mais importante no Direito, que é o bom senso”. No caso, esta seria a única maneira de se chegar à descoberta dos ilícitos.

Processo: 2001.02.01.033100-1

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