Meta descumprida

TJ-PE proíbe corte de energia de consumidora que não cumpriu meta

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9 de novembro de 2001, 11h55

O Tribunal de Justiça de Pernambuco proibiu corte de energia elétrica de uma consumidora que não conseguiu cumprir meta de redução imposta pelo governo. Se a concessionária desobedecer a ordem, deverá pagar multa diária de R$ 10 mil.

A decisão é do desembargador Jones Figueirêdo Alves. Segundo o desembargador “é extremamente perverso que o prestador do serviço, imponha unilateralmente as regras – quando a relação jurídica subjacente entre a empresa distribuidora de energia e o usuário do serviço exige uma realidade interativa mais abrangente”

Veja a decisão

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça de Pernambuco

Gabinete Des. Jones Figueirêdo Alves

4ª Câmara Cível

Agravo de Instrumento nº 0077058-5 – Recife – 9ª Vara Cível por Distribuição

Agravante: Herplan Ltda

Advogado: Bel. Eduardo Porangaba Teixeira e outros

Agravada: Companhia Elétrica de Pernambuco – CELPE (Grupo Iberdrola)

Relator: Des. Jones Figueirêdo Alves

Decisão Interlocutória:

Herplan Ltda., pessoa jurídica de direito privado sediada nesta cidade, qualificada à exordial de fl. 02, por advogado legalmente constituído, interpõe o presente Agravo de Instrumento, com desiderato de suspensividade, investindo contra interlocutória tomada pelo Juízo da 9ª Vara Cível da Capital, que, nos autos da Ação Cautelar Inominada (Processo n.º 001.2001.031085-2), movida contra a ora agravada, indeferiu o provimento liminar perseguido, considerando legítimo o procedimento por esta última efetuado, no tocante à suspensão de energia elétrica nas instalações físicas dela agravante (fl. 31).

Verbera a agravante, de início, que, por encontrar-se, mesmo antes do advento da crise energética, reformando suas instalações, fez-se premente, em determinados períodos, a demanda de carga de energia em patamares superiores àqueles exigidos pela agravada, inclusive porque tal reestruturação afigurava-se essencial ao desenvolvimento de seu mister, qual seja, a comercialização de produtos veterinários, herbicidas e congêneres.

Segundo a agravante, “a reformação de sua estrutura pressupõe, como cediço, dispêndio extra de energia através da utilização de maquinaria específica, o que acarretou a impossibilidade de cumprimento da meta estabelecida pela parte infensa”, para concluir, diante da anunciada e peculiar hipótese justificadora, pela irregularidade da suspensão no fornecimento de energia elétrica, imposta pela agravada em obediência à Resolução n.º 22 da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGE), ainda que ultrapassada a meta de consumo mensal.

Assim se manifesta, apontando para a inobservância do comando insculpido no inc. I do art. 4º da mencionada Resolução, que exige, de modo inexorável, para a suspensão do fornecimento de energia elétrica, a interpelação premonitória escrita a ser remetida ao suposto infrator, até como forma de garantir-lhe a oportunidade de impugnar o pretenso descumprimento de meta, respeitando-se, via oblíqua, os mais comezinhos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Por via deste recurso, pretende a agravante seja concedido efeito suspensivo “ativo” à decisão, de conteúdo negativo, asseverando incidir, plenamente, na hipótese a previsão do art. 558 do Código de Processo Civil.

Assim exposta, de forma abreviada, a questão recursal, examino :

01. Impõe-se, de proêmio, o reconhecimento pela competência do juízo “a quo”, a permitir, de conseguinte, a manifestação da Justiça Estadual, inclusive em segundo grau de jurisdição.

É que não mais se apresenta imperativa a instituição do litisconsorte necessário em favor da União, na qualidade de poder concedente e da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – em todas as ações judiciais em que se pretenda obstar ou impedir, em razão da aplicação da Medida Provisória nº 2.152-2, de 01 de junho de 2001, a suspensão ou interrupção do fornecimento de energia elétrica, a cobrança de tarifas ou a aquisição de energia ao preço praticado no MAE, tal como prevista no art. 24 da mencionada MP, a saber que o reportado dispositivo teve a sua eficácia suspensa, desde 13 de setembro último, por medida liminar deferida, em votação majoritária, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2473-6.

A litisconsorciação necessária imporia a competência da Justiça Federal, dificultando, sobremaneira, a defesa do consumidor.

Bem a propósito, durante o IX Encontro Nacional do Fórum Permanente de Juizados Especiais, realizado em Belo Horizonte, MG (04-07/06/01), defendemos, por iniciativa da representação de Pernambuco, a inconstitucionalidade do art. 24 da Medida Provisória nº 2.152-2, de 01 de junho de 2001, havendo o colegiado pronunciado-se, nos seguintes termos :


” IX Encontro do Fórum Permanente de Coordenadores dos Juizados Especiais

Comissão Legislativa Sobre Medida Provisória nº 2.152-2/2001

Proposição – O art. 24 da MP número 2152-2/2001 ao estabelecer um litisconsórcio necessário em todas as ações judiciais em que se pretenda obstar os efeitos das normas governamentais relativas à crise de energia elétrica, fere o poder-dever do juiz natural de dizer o direito sobre competência e de decidir sobre restrição à defesa do consumidor, garantida pelo art. 5o, inc. XXXII da CF, impedindo o seu acesso aos Juizados Especiais, principal instrumento de execução da política nacional das relações de consumo (art. 5º, inc. IV, do CDC). Aprovado

Enunciados sobre o Tema:

1. Não se aplica o litisconsórcio necessário previsto no art. 24 da MP 2152-2/2001 aos casos de abuso, por ação ou omissão, das concessionárias distribuidoras de energia elétrica. Aprovado (grifo nosso)

2. Os Juizados Especiais são competentes para dirimir as controvérsias sobre os casos de consumidores residenciais sujeitos às situações excepcionais (parágrafo 5º, do art. 15, da MP 2152-2/2001). Aprovado

3. O disposto no artigo 25 da MP 2152-2/2001, não exclui a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Aprovado“.

(…)

( Relatório do Fórum Permanente de Juizados Especiais, Diário do Poder Judiciário de Pernambuco, em 20 de junho de 2001 ).

02. Assentada essa questão prefacial, tenho o presente Agravo de Instrumento tempestivo e devidamente instruído, razão pela qual o conheço e passo a processá-lo na forma da lei, analisando o desejado pedido de efeito suspensivo “ativo”.

03. É bem verdade que a nova sistemática do agravo, instituída pela Lei n.º 9.139/95, não veda ao Relator a possibilidade de conceder liminar substitutiva, em reforma provisória do conteúdo de decisão que a nega, porque essa é “a única interpretação possível do novo remédio jurídico que, na prática, veio a substituir o mandado de segurança no combate às prescrições feitas em decisões judiciais” (TJDF, AG n.º 874.697, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Getúlio Moraes Oliveira, j. em 16.02.98).

Daí por que comungo pela interpretação mais elástica do comando estatuído no art. 558, do C.P.C, sob pena de prejudicar o composto recursal e, em última análise, o próprio princípio do Duplo Grau de Jurisdição, também aplicável em sede de agravo instrumental, donde se permite ao Relator conceder, em determinadas hipóteses, a medida anteriormente denegada.

É justamente o caso.

04. A questão nuclear posta em sede do pretendido efeito suspensivo ativo recursal diz respeito à possibilidade ou não de a suspensão do fornecimento de energia elétrica para os consumidores que descumprirem as metas fixadas de racionamento de consumo operar-se, no plano temporal, em quarenta e oito (48) horas, quando não oportunizada, antes, a esses consumidores, a defesa administrativa.

Aponta a agravante, ademais, não lhe haver a agravada ofertado a possibilidade de exercício de direitos legalmente reconhecidos através da notificação premonitória escrita, como prevista pelo inciso I do art. 4º da Resolução nº 22, editada pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Tal comunicado de conhecimento objetivaria ao consumidor não apenas o exercício de contestar ou retificar assentamentos incorretos, como o de justificar o descumprimento.

Considera, então, que “vergastadas tais garantias instituídas pela própria Câmara de Gestão, suprimidos os procedimentos prefaciais e obrigatórios, resta o ato administrativo de suspensão de fornecimento de energia ora em exame maculado de eiva irremediável pelo que se faz como imperativo de ordem a sua desconstituição”.

Impõe-se reconhecer, de logo, constituir a garantia prevista pelo inciso I do art. 4º da Resolução nº 22 da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica corolário lógico da dicção constitucional do inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.

Mas não é só:

Essa garantia não alcança, apenas, determinado tipo de consumidor e vinculado a grupo específico. Todo consumidor ou insumidor de energia elétrica tem o direito constitucional ao contencioso administrativo ou, mais precisamente, às garantias ao exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

E, ainda:

Reiterada que seja a inobservância da meta, a entrega da conta que caracterizar o descumprimento da meta e contiver o aviso respectivo da suspensão do fornecimento de energia elétrica, deverá corresponder a uma nova notificação premonitória, a ensejar a constituição do contencioso administrativo.

Interessante é que o prazo de quarenta e oito (48) horas assinalado na “notificação” do inciso II dos reportados parágrafo e artigo da malsinada Resolução é no sentido de operar-se, em seu termo final, o corte no fornecimento do bem essencial e não o de abrir oportunidade para a defesa administrativa, em tudo indispensável ante o novo fato, no qual revelada aquela reiteração de descumprimento da meta. Novo, porque reflete novo período, sujeito evidentemente às circunstâncias próprias do período determinado, passível de razões de contrariedade ante a hipótese do “fato necessário” sobre o qual verifique-se ocorrente o caso fortuito, ou de força maior.


É extremamente perverso que o prestador do serviço, imponha unilateralmente as regras – quando a relação jurídica subjacente entre a empresa distribuidora de energia e o usuário do serviço exige uma realidade interativa mais abrangente, a exigir a aplicação dos princípios gerais do direito – valendo-se de norma inconstitucional.

Ora.

Um imediato corte no fornecimento do serviço, sem que seja dada a oportunidade ao usuário da impugnação adequada no que concerne ao alegado descumprimento de meta, inclusive para a justificativa da impossibilidade material de cumprimento, diante de caso fortuito, ou de força maior, constitui medida que afronta o devido processo legal administrativo, vulnerando direitos e garantias fundamentais insculpidos no art. 5º , LV, que assim preceitua :

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

………………………………………………………………………………………..

LV – os litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes.”

Com efeito, o “due process of law” apresenta-se como imperativo categórico a inibir a abrupta e sumária suspensão do fornecimento de energia, com o corte programado e definido em prazo certo.

Não se deve olvidar, não obstante a privatização do serviço, inteiramente aplicável o preceito constitucional, porquanto as próprias normas da privatização dos serviços de energia elétrica colimam na permanente ingerência e monitoramento do Poder Público, tal como sucede, agora, através da recente Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.

A suspensão de um direito antes reconhecido implica na modificação episódica e temporária da própria relação jurídica preexistente, quando hoje, sabe-se, a Carta Política consagra o contencioso administrativo. Posição adversa, a prestigiar a suspensão unilateral do fornecimento, resultaria em desprezo ao pergaminho constitucional.

Nessa linha, já pontifica o S.T.J.: “Resp – Constitucional – Previdenciário – A Carta Política consagra o contencioso administrativo. Para o cancelamento de benefício, anteriormente reconhecido, impõe-se o devido processo legal.”( S.T.J. – 6ª Turma – REsp. nº 183011/AL).

Reconhecido o contencioso administrativo como imperativo da Constituição Federal ( art. 5º, LV ) é influente admitir que, realmente, decorrem, daí, o direito de defesa plena e o direito ao contraditório, pelo que afigura-se inconstitucional qualquer regramento da Resolução da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica que pretenda ou venha a servir de permissivo ou imposição à ora agravada ao ato de suspensão do fornecimento de energia elétrica sem que, a tanto, preceda o devido processo administrativo, oportunizando-se, portanto, ao usuário a impugnação prévia de tal medida.

Posto isso, caso é o de atribuir-se ao presente recurso o efeito suspensivo ativo, em decisão sobreposta ao do juízo do primeiro grau perante a Ação Cautelar aforada, pelo que ao conceder tal efeito, tenho por deferida a liminar no sentido de suspender os efeitos da notificação de fl. 32, pela qual se tem anunciada a suspensão do fornecimento, em dias e período certos, até decidido o processo cautelar, suportando a ora agravante à multa diária de R$ 10.000,00 ( dez mil reais) em caso de transgressão do preceito.

Responda a agravada no prazo legal.

Cumpra-se.

Publique-se.

Recife, 06 de novembro de 2001

Desembargador Jones Figueirêdo Alves

Relator

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