Castigo perverso

Prefeito corta salários e cria senzala para servidores

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9 de novembro de 2001, 16h37

O prefeito de Malhada de Pedras, na Bahia, Ramon dos Santos, está sendo acusado de isolar e manter incomunicáveis, no horário de trabalho, quatro funcionários da prefeitura. Segundo a acusação, os servidores são mantidos sob severa vigilância, não recebem tarefa alguma e ainda tiveram seus salários reduzidos pela metade.

Afirma o advogado João Gomes da Silva, em representação encaminhada ao procurador-geral de Justiça e em processos judiciais, que se trata de um caso de perseguição política. Os servidores pedem indenização de R$ 400 mil cada um.

De acordo com a ação, os trabalhadores são obrigados a “permanecer em local impróprio até mesmo para a guarda de animais, condenados a toda a sorte de pressões de natureza moral e até mesmo física diante da presença de vigilância truculenta e desqualificada e, principalmente, repita-se lançando-o a total inércia insidiosa e cruel, impassível de ser aceita por aqueles afeitos ao trabalho”.

Veja a ação apresentada em nome de um dos servidores e, abaixo, a representação ao MP

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE BRUMADO-BA

ZÉLIO GUIMARÃES FERNANDES, brasileiro, casado, funcionário público municipal, portador da Cédula de Identidade RG nº xxxx e do CPF nº xxxx, residente e domiciliado na Rua xxxx, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba, vem, respeitosamente, através do seu advogado que esta subscreve (procuração anexa), com fundamento no artigo 5º, incisos V e X da Constituição Federal, cumulado com o disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil, propor a presente

AÇÃO INDENIZATÓRIA DE RITO ORDINÁRIO, cumulada com pedido de TUTELA ANTECIPADA

face a PREFEITURA MUNICIPAL DE MALHADA DE PEDRAS, com sede na Praça da Bandeira, 07, Malhada de Pedras-BA, pelos motivos que passa a expor:

DA COMPETÊNCIA

No tocante à competência, há que se ressaltar, primeiramente, que se trata de condição primordial ao regular procedimento do presente feito afeta a este juízo.

Com efeito, determina o artigo 114 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 8.984/95, ser competente a Justiça do Trabalho para apreciar e julgar os pleitos de sua competência que envolvam parte na condição do Requerente, sendo que o texto constitucional os submete processualmente à competência da Justiça Trabalhista desde que “… decorrentes da Relação de Trabalho”, quais sejam aquelas controvérsias que derivem da relação funcional, sendo que, conforme se verá, a presente ação tem por finalidade principal a aquilatação de danos material e moral sofridos pelo Requerente.

Portanto, a causa de pedir e o pedido mediato não estão fundados na Consolidação das Leis de Trabalho, definindo, assim, a competência deste Juízo para apreciar e julgar a presente ação, eis que, reiteradas decisões dos nossos Tribunais afastaram a competência daquela Justiça Especializada para o julgamento de ações deste jaez.

O Requerente foi admitido junto aos serviços da Requerida para exercer o cargo de auxiliar de contabilidade em 01 de outubro de 1984 (docs. –), concursado conforme anotações em sua carteira profissional às fls. 52, que lhe confere a qualidade funcionário público estável, nele permanecendo sem solução de continuidade até a presente data.

DOS FATOS

Como aduzido acima, o Autor ingressou na função pública na qualidade de auxiliar de contabilidade, função esta cujo requisito fundamental impõe qualificação técnica específica bem como confiabilidade e idoneidade que se impõe àqueles que manipulam as receitas públicas.

Ocorre que ao assumir o cargo de Prefeito, o Sr. Ramon dos Santos, de inopino, afastou o Autor de suas funções, confinando-o em recinto fechado sob estrita vigilância, relegando-o de maneira vil e insidiosa à inércia, impedindo-o de receber visitas de familiares ou outros munícipes, sendo-lhe proibido de manter contato com outros servidores, exceto com aqueles que permaneceram na mesma e odiosa condição, fatos que serão comprovados no curso da instrução do presente feito.

Tais fatos foram veiculados no Jornal A Tarde, de 05.08.1997, no Caderno Municípios, cuja cópia se junta à presente, matéria esta que relata todo o procedimento irregular perpetrado pela administração pública ao Autor e outros servidores do município, sendo que dito artigo sequer foi respondido pela municipalidade, que lhe é garantido pelo direito de resposta determinado pela Lei de Imprensa.

Tal estado de coisas conduziu o Autor a incorrer em profunda insatisfação, angústia e constrangimentos derivados da conduta indevida praticada pela administração municipal, pois viu-se arbitrariamente tangido a condição de “parasita do erário público municipal”, como definiram-no aqueles munícipes não sabedores dos reais motivos que levaram a administração pública a compelí-lo àquela situação.


Conquanto tenha o autor, verbalmente solicitado o retorno às suas funções primitivas, a administração pública fez permanente aquela condição.

A Carta de 1988, impõe a reparabilidade dos danos morais como parte integrante dos direitos inerentes à natureza humana, cujo respeito se impõe a todos, e notadamente à administração pública, que existe em função da defesa dos interesses do cidadão. O Requerente enquanto servidor público materializava com seu trabalho a finalidade última desta entidade, fator de orgulho pessoal e respeito de toda a comunidade, elementos estes que lhe foram subtraídos sem qualquer razão plausível, em afronta ao artigo 6º da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao trabalho como fator de dignidade humana.

Carlos Alberto Bitar, em artigo analisando a espécie, comenta:

“É que interessa ao Direito e à sociedade que o relacionamento entre os entes que contracenam no orbe jurídico se mantenha dentro de padrões normais de equilíbrio e de respeito mútuo. Assim, em hipótese de lesionamento, cabe ao agente suportar as consequências de sua atuação, desestimulando-se, com a atribuição de pesadas indenizações, atos ilícitos tendentes a afetar os referidos aspectos da personalidade humana. (in Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª quinzena de agosto de 1993, nº 15/93, pág. 292).

O Autor é sabedor que a Requerida, ao talante do chefe do executivo, e sem o necessário concurso público, nomeou outro “servidor” para o mesmo cargo e função seu apaniguado que recebe proventos maiores em relação ao Autor e a dano do tesouro municipal.

Sendo assim, e para fundamentar seu pleito aos danos materiais que serão apurados em fase de liquidação de sentença, requer a expedição de ofício à Secretaria de Administração do Município, ou Órgão que ele faça as vezes, para que informe a este Juízo nominalmente, quem ocupa ou ocupou o cargo e função do Autor, declinando seus proventos (salário acrescido de vantagem), mês a mês, desde -(data do afastamento)–, permitindo-se, assim, pormenorizar a disparidade entre ambos.

Destaque-se, por outro turno que desde a data de seu afastamento o Requerente recebeu seus vencimentos a razão de R$ 392,00, diminuídos, e pagos com atraso, contrariamente aos demais servidores, outro fator de constrangimento que deverá ser levado em conta para definição do montante dos danos morais aos quais deverá ser condenado o Município a ressarcir, sendo que tal defasagem deverá ser igualmente demonstrada pela administração relativamente a todo o período de afastamento do Autor de suas funções.

Os fatos acima narrados constituem-se em ilícito penal que serão objeto de ação própria. Contudo o administrador municipal à evidência, afrontou o disposto na Lei nº 8.429/92, acertadamente em seu artigo 11, que reza:

“LIA: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições, e notadamente”.

Waldo Fazzio Júnior, ao analisar os elementos de conduta que devem pautar os atos da administração municipal, comenta, reproduzindo Hely Lopes Meireles:

“Ao prefeito, como aos demais agentes públicos, impõe-se o dever de tomar decisões governamentais de alta complexidade e importância, de interpretar as leis e de converter com seus mandamentos em atos administrativos das mais variadas espécies. Nessa missão político-administrativa é inadmissível que o governante erre, que se equivoque na interpretação e na aplicação da lei, que se confunda na apreciação da conveniência e oportunidade das medidas executiva sujeitas à sua decisão e determinação” (in Improbidade administrativa e crime de prefeitos: de acordo com a lei de Responsabilidade Fiscal, São Paulo: Atlas, 2.ed., p. 117).

A afronta à integridade psíquica do Autor diante da vileza que lhe foi acometida merece ressarcimento por danos materiais, levando-se em conta os vencimentos do funcionário substituto do Autor, comparativamente; condenando-se a municipalidade a quitá-los com as devidas correções desde sua exigibilidade, diante do princípio isonômico universalmente aceito, que determina serem devidos pela mesma administração o pagamento de iguais salários aos ocupantes do mesmo cargo.

O abalo da integridade psíquica do Autor, diante do acinte que lhe foi acometido, merece ressarcimento também por danos morais, eis que jamais teve contra si qualquer referência de conduta irregular, tendo assumido no curso de sua vida conduta ilibada. Viu-se, porém, lançado a execração pública ao receber proventos do erário público, sem a contraprestação de trabalho efetivo, fato que abalou seu prestígio social, causado por fatores de ordem subjetiva e imparcial perpetrado pela administração pública.


A administração pública, de acordo com o princípio da moralidade, que deve imbuir todos os atos administrativos, deverá voltar-se para a defesa do interesse público, sendo que a Requerida por seu administrador agiu de forma a causar ao Autor dano movido por interesses de ordem pessoal, com restrição de sua atividade pessoal que lhe é garantida como servidor estável.

Rui Stocco, em sua obra “Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial”, ao comentar o alcance da Lei 4.898/65, destaca os objetivos primordiais sobre os quais deverá pautar o administrador público para a consecução de sou mister:

“1ª) Objetividade jurídica mediata: é o interesse concernente ao normal funcionamento da Administração Pública em sentido amplo, no que se refere à conveniência da garantia do exercício da função pública sem abusos de autoridade; 2ª) Objetividade Jurídica Imediata: proteger as garantias individuais estatuídas pela Constituição Federal”. (São Paulo; Revista dos Tribunais, 4. ed., 1997, p.388.).

Notadamente o segundo critério aludido pelo doutrinador foi afrontosamente desatendido pela Requerida, por ato de seu responsável, cujo móvel atendeu a interesses mesquinhos movido por conduta comissiva imprópria, que conduziu o Autor, pessoa qualificada para as suas funções exercidas condignamente no curso de 15 (quinze) anos de maneira escorreita.

No entanto, o Autor foi relegado a permanecer em local impróprio até mesmo para a guarda de animais, condenado a toda a sorte de pressões de natureza moral e até mesmo física diante da presença de vigilância truculenta e desqualificada e, principalmente, repita-se lançando-o a total inércia insidiosa e cruel, impassível de ser aceita por aqueles afeitos ao trabalho.

As fotografias cujas cópias se juntam à presente bem destacam a ambientação a que foi submetido o Autor e outros infortunados, veja-se que não possuía ventilação apropriada ou mesmo não tinham instalações sanitárias apropriadas, móveis ou mesmo algum espaço para locomoção e, principalmente, nenhum expediente que pudesse justificar os salários que recebiam.

O doutrinador supracitado, ao delimitar o fato gerador da obrigação de indenizar, em todo cabível na espécie aduz:

“Praticado o ato abusivo ou com excesso de autoridade que cause dano ao patrimônio material ou subjetivo do cidadão, ao Estado caberá compor os danos, com direito de regresso contra o seu servidor.” (Op. cit., p. 388).

No tocante a sua aquilatação do dano moral, o Julgador, de acendo com a melhor doutrina, deverá levar em conta primeiramente a repercussão negativa, havida no equilíbrio psíquico e emocional do afetado, e os fatos acima narrados demonstram claramente sua ocorrência, e serão demonstrados no curso da instrução do presente feito.

Carlos Alberto Bitar, em artigo já citado acima, comenta:

“Compensam-se, com essas verbas, as angústias, as dores, as aflições, os constrangimentos e, enfim, as situações vexatórias em geral a que o agente tenha exposto o lesado, com sua conduta indevida.” (pág. 292).

No tocante à quantificação da verba indenizatória ora pleiteada, embora não restabeleça o bem jurídico afetado, impõe-se seja determinada diante de critérios objetivos.

A 4ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo, estabeleceu os parâmetros aos quais poderá Vossa Excelência fundar-se na quantificação do “pretium doloris”. Para tanto, basta uma simples leitura nos fundamentos do acórdão a seguir transcrito, para se ver que a Requerida enquadrou-se em todos os requisitos informadores do ilícito civil praticado face ao Autor.

Aduz o julgado:

“Ocorre que o valor indenizatório nas ações de indenização por danos morais somente será arbitrado pelo Magistrado no momento da prolação da sentença, quando já encerrada a instrução, quando, então, serão apurados todos os elementos que permitirão uma justa estimativa, levando-se em consideração:

a natureza específica da ofensa sofrida;

a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento da vítima;

a repercussão da ofensa no meio social em que vive o ofendido;

a existência de dolo – má-fé – por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de sua culpa;

a situação econômica do ofensor;

a capacidade e a possibilidade real e efetiva do ofensor voltar a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso;

a prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma falta;

as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido.” (in RT 790/295)

Desta forma, a este título, Vossa Excelência poderá tomar como parâmetro e quantificação do dano moral o montante do salário mensal do autor, cabível na data da distribuição do feito, informação esta que deverá ser fornecida pela Requerida já na oportunidade do oferecimento de sua defesa, sob pena de preclusão.


Acresça-se que o Autor teve reduzido do seu salário, fato este que deverá ser levado em conta quando forem analisados os elementos causadores do dano moral, que deverão ser fixados à razão de 1.000 salários cabíveis ao Autor, bem como pagas as devidas diferenças que forem apuradas, igualmente corrigidas.

No tocante aos danos materiais, estes deverão ser levantados diante das informações a serem colhidas junto a administração da Requerida que deverá informar os proventos devidos ao Autor, comparativamente aos que foram efetivamente recebidos pelo seu paradigma, devidamente corrigidos.

O Autor encontra-se atualmente numa situação verdadeiramente KAFKIANA, conforme relatado acima.

Considerando-se que, efetivamente seu cargo não foi extinto, condição esta que permitiria à Requerida dar-lhe o afastamento remunerado ou designá-lo para outro setor, mantendo seu cargo, impõe-se seja concedida liminar inaudita altrera parte, garantindo-lhe a continuidade de seus serviços, com o recebimento integral de salários, determinando-se a Requerida que se abstenha de praticar qualquer ato que impeça o desenvolvimento pleno de seus serviços, e sem qualquer embaraço, eis que ocorrentes na espécie o periculum in mora, este traduzido em redução salarial, bem como o fummus boni juris, critérios ensejadores da concessão de liminar ora pleiteada.

Deverá Vossa Excelência em seguida e no mesmo despacho determinar à Requerida que se abstenha de praticar qualquer ato que impeça o desenvolvimento pleno de seus serviços, e sem qualquer embaraço.

Diante de todo o exposto, e considerando o grave dano emergente que pode sofre a Autora em decorrência da redução salarial, que a obriga a relevar compromissos financeiros e até mesmo os prejuízos que sofre em sua mantença e de sua família, traz como corolário a ocorrência do periculum in mora, um dos critérios ensejadores dos provimentos liminares requeridos. No tocante ao fummus boni juris, este segundo critério determinante da liminar é ocorrente a olhos vistos, por todo o exposto até agora, eis que concorrentes ambas as hipóteses de modo a embasar a medida extrema solicitada no item subsequente.

Ainda assim, diante da natureza alimentar que representam os salários da Autora que foram reduzidos, impõe-se que Vossa Excelência, igualmente initio litis, determine à Requerida que os restabeleça dentro dos valores devidos e, de imediato, devendo ser pagos já no próximo vencimento, pedido este que se impõe seja deferido liminarmente.

Desta forma, merece acolhimento o presente pedido, que deverá ser julgado procedente, condenando-se a Requerida ao pagamento, de uma só vez, a título de danos morais a razão de 1.000 (um mil) salários devidos ao Autor, valor este corrigido desde a data de seu afastamento das funções, somados aos danos materiais que serão apurados no curso da execução da sentença, diante dos elementos de informação que deverão ser trazidos pela Requerida, condenando-a nas verbas de sucumbência.

Concedida, outrossim, a liminar de reintegração do Autor às suas antigas funções na forma requerida acima, deverá a Requerida cumpri-la integralmente e com as determinações acima pleiteadas. Não o fazendo, deverá Vossa Excelência, já no despacho inaugural cominar-lhe pena pecuniária à Requerida à razão de R$ 20,00, ao dia, de mora executória.

Protesta pela produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente o depoimento pessoal do Chefe do Executivo do Município de Malhada de Pedras, expedição de ofícios, vistorias e exames, e oitiva de testemunhas cujo rol será oferecido oportunamente.

Dá-se à presente o valor de R$ 403.172,00, levando-se em conta o salário do Autor cabível na época de seu afastamento, ou seja, R$ 392,00, multiplicado por mil (R$ 392,00 x 1.000 = R$ 392.000,00), acrescido da diferença relativa a redução salarial, à razão de 50% multiplicado por 57 (número de meses desde o afastamento da função até a presente data, ou seja: R$ 196,00 x 57 = R$ 11.172,00), que perfaz um total de R$ 403.172,00, destacando-se que eventuais diferenças que vierem a ser apuradas face aos vencimentos do paradigma do Autor deverão ser acrescidas para efeito de cálculo, tudo devidamente corrigido desde a data de sua exigibilidade, a ser considerado quando da execução da r. sentença.

Sendo o Requerente pobre na acepção jurídica do termo, não poderá arcar com as despesas e custas processuais, pelo que requer seja-lhe concedido o benefício da justiça gratuita.

Termos em que,

Pede deferimento.

Brumado, 31 de outubro de 2001.

JOÃO GOMES DA SILVA

OAB/SP 50.890

JOSÉ CARLOS DOS REIS

OAB/BA 9.842

Veja a representação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR DE JUSTIÇA CHEFE DO ESTADO DA BAHIA

DINALVA LÚCIO DE GUIMARÃES, brasileira, casada, funcionária pública municipal, portadora da Cédula de Identidade RG nº xxxx e do CPF nº xxxx, residente e domiciliada na Rua xxxx, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba, EDSON ROCHA GUIMARÃES, brasileiro, casado, funcionário público municipal, portador da Cédula de Identidade RG nº xxxx e do CPF nº xxxx, residente e domiciliado na Rua xxxx, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba, NORMALICE RIBEIRO AGUIAR, brasileira, viúva, funcionária pública municipal, portadora da Cédula de Identidade RG xxxx e do CPF nº xxxx, residente e domiciliada na Rua xxxx, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba, OSCAR GONÇALVES DE SOUZA, brasileiro, casado, funcionário público municipal, portador da Cédula de Identidade RG xxxx e do CPF xxxx, residente e domiciliado na Av. xxxx, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba e ZÉLIO GUIMARÃES FERNANDES, brasileiro, casado, funcionário público municipal, portador da Cédula de Identidade RG nº xxxx e do CPF nº xxxx, residente e domiciliado na Rua Padre Ladslau Klener, s/nº, no município de Malhada de Pedras-Ba, vem, por seu advogado que esta subscreve (procuração com poderes especiais em anexo), apresentar REPRESENTAÇÃO, em face de RAMON DOS SANTOS, brasileiro, casado, funcionário público municipal – prefeito do município de Malhada de Pedras, com endereço profissional na Praça da Bandeira, nº 07, Malhada de Pedras, BA, para que seja requisitada a instauração do competente inquérito policial, ou oferecida denúncia, nos termos do artigo 1º e ss. da Lei 4.898/65, por ter supostamente infringido o artigo 3º, alíneas “a” e “j”, do referido diploma legal, bem como os artigos 5º, caput, incs. III, XIII, XLI, 6º, caput e 37, caput, todos da Constituição Federal, pelos fatos abaixo aduzidos:


I – Os Requerentes ingressaram na função pública através de concurso, exceto o Requerente Oscar, que foi guindado a tal qualidade pelo disposto no artigo 19, do Ato Constitucional das Disposições Transitórias, cargos estes cujos requisitos fundamentais impõem qualificação técnica específica, bem como confiabilidade e idoneidade que se exigem àqueles que atuam com o escopo de gerir a res pública, sendo que desde as datas das respectivas assunções, ou seja, desde meados de 1983, os Requerentes exerceram suas respectivas funções sem qualquer admoestação no tocante a suas posturas funcionais.

Ocorre que a partir da transição política administrativa na qual, por eleição, assumiu as funções de prefeito municipal o Requerido Ramon dos Santos, este, de inopino, afastou os Requerentes de suas funções, confinando-os em recinto fechado sob estrita vigilância, exercida por pessoas truculentas, praticando autêntico abuso de autoridade.

Os Requerentes submeteram-se a tal arbitrariedade pois têm em seus salários sua única fonte de subsistência, caracterizando tal ato em autêntica vis absoluta, impeditiva do exercício dos mais comezinhos direitos que lhes são garantidos pelo texto constitucional e até mesmo pelas mínimas regras de convívio social garantidas pela ética e os princípios norteadores da administração pública.

É princípio fundamental, admitido expressamente no artigo 37, caput, da Constituição Federal, que administrador, notadamente eleito pelo voto popular, deverá pautar seus atos primeiramente norteado pela legalidade, impessoalidade, eis que a administração pública não age em nome próprio, mas sim por função delegada por toda a coletividade e com a promessa expressa de servi-la dentro dos princípios da moralidade, que embora não estejam definidos no texto ordinário supra citado está colocado de forma expressa no texto constitucional, bem como no Decreto-Lei 201/67 (Lei de Improbidade Administrativa).

Dessa forma, os Requerentes foram relegados de maneira vil e insidiosa à inércia, impedidos de receber visitas de familiares ou outros munícipes, sendo-lhes proibido de manter contato com outros servidores, exceto com aqueles que permaneceram na mesma e odiosa condição, fatos que serão comprovados no curso da instrução do presente feito.

Tais fatos foram veiculados no Jornal A Tarde, de 05.08.1997, no Caderno Municípios, cuja cópia se junta à presente, matéria esta que relata todo o procedimento irregular perpetrado pelo Requerido aos Requerentes, sendo que dito artigo sequer foi respondido por aquele ou mesmo por ato da municipalidade, possibilidade que lhe é garantida pelo direito de resposta determinado pela Lei de Imprensa.

Tal estado de coisas conduziu os Requerentes a incorrerem em profunda insatisfação, angústia e constrangimentos derivados da conduta delituosa praticada pelo gestor maior da administração municipal, pois viram-se arbitrariamente tangidos a condição de “parasitas do erário público municipal”, como definiram-no aqueles munícipes não sabedores dos reais motivos que levaram o Requerido a compeli-los àquela situação.

Conquanto tenham os Requerentes verbalmente solicitado o retorno às suas funções primitivas, situação anômala esta que perdura até os dias de hoje, sendo que o Requerido fez permanente essa condição, sem qualquer embasamento legal ou mesmo mera explicação da prática de tamanha afronta aos direitos fundamentais dos Requerentes, o levou à prática do abuso de autoridade que será sobejamente definida, após o acolhimento da presente representação.

O representado praticou o abuso de autoridade definido no dispositivo ordinário acima citado, cujas regulamentações basilares encontram-se lançadas desde a promulgação da Carta de 1988, que impõe a observância aos direitos e garantias fundamentais definidos nos artigos 5º, caput, incisos III, XIII, XLI, 6º, caput e 37, caput.

Aqueles artigos constitucionais receberam regulamentação expressa pelo dispositivo legal ordinário, que notadamente no artigo 3º, estabeleceu a tipificação como abuso de autoridade aos atos perpetrados pelo Requerido, definindo-os como penalmente puníveis, tipificação esta que será aquilatada por Vossa Excelência para acolher a presente representação, que deverá ter seu prosseguimento com a instauração do competente inquérito policial, ou, se assim entender, com o oferecimento da denúncia.

Destaque-se, por oportuno, que os Requerentes carecem de comprovação material da prática do delito que ora narram, diante de sua própria natureza, de ordem puramente pessoal e volitivo, sendo que o Requerido não lançou qualquer ato de governo que pudesse materializar sua atitude arbitrária, através de uma ordem de serviço ou qualquer outro ato do gênero, que fundamentasse o autêntico abuso de autoridade praticado, dispondo os Requerentes, tão somente, da publicação jornalística acima referenciada, bem como das cópias de fotografias obtidas no local onde estão confinados e expostos à excreção pública e sob guarda acintosa.

Resta comprovado, ab initio, que o Representado age com abuso de autoridade tipificada nas alíneas “a” e “j”, do artigo 3º, da Lei 4.898/65, pois, repita-se, além de cercear o direito de locomoção dos Requerentes, impede-os do livre exercício profissional aos quais estão habilitados, fatos esses que serão confirmados no curso do inquérito policial, ou mesmo, caso Vossa Excelência considerem suficientes os elementos de convicção, o oferecimento da denúncia.

Por configurar tipificado o crime de abuso de autoridade, resta a Vossa Excelência acolher a presente representação para apurar a conduta típica praticada pelo Requerido, ou oferecer denúncia pelo crime acima mencionado, cujos adminículos já restaram comprovados pela simples narrativa ora apresentada.

Isto posto, requer a Vossa Excelência que seja recebida e acolhida a presente representação, nos termos da Lei 4.898/65, requisitando-se a instauração do inquérito policial, ou, se entender, oferecer a respectiva denúncia em face de Ramon dos Santos por ter infringido o artigo 3º, alíneas “a” e “j”, da referida Lei e demais preceitos cabíveis à espécie.

Termos em que,

Pede deferimento.

Brumado/Salvador, 01 de novembro de 2001.

JOÃO GOMES DA SILVA

OAB/SP 50.890

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