Comércio eletrônico

Estudo sugere criação de cibertribunais para resolver disputas

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28 de março de 2001, 0h00

Estudo recente da ABA – American Bar Association, a Ordem dos Advogados dos Estados Unidos, concluiu que a presença mundial e simultânea da grande rede de computadores Internet implica na criação de uma comissão multinacional como única maneira para desenvolver e administrar as regras legais da Web.

Há cerca de dois anos os advogados americanos vêm estudando a questão, que abrange vários tópicos, entre eles a privacidade, a proteção ao consumidor, a incidência fiscal na Rede, os jogos de azar, o mercado mobiliário e o direito bancário. Um dos pontos mais polêmicos e que já vem chamando atenção dos juristas e profissionais do Direito no Brasil e em outros países, é o comércio eletrônico, que literalmente pulveriza fronteiras geográficas e independe de locação física.

O estudo, coordenado pelo painel denominado Global Cyberspace Jurisdiction Project da ABA ainda está em fase embrionária, e deve colher opiniões e comentários de diversos outros setores da sociedade, como, por exemplo, a indústria, os empresários, o setor terciário etc. A eficiência do comércio eletrônico e seus desdobramentos ao nível do adquirente e da entrega de produtos precisa ser grandemente aperfeiçoada, para que se possa implantar um ordenamento jurídico com normas de organização e conduta práticas e viáveis.

A tecnologia não dá trégua ao Direito e os governos não conseguem promulgar e aplicar leis na mesma velocidade do desenvolvimento da técnica. Um dos pontos unânimes do estudo afirma que nenhuma nação do mundo atualmente tem a capacidade de conferir plena eficácia ao ciberespaço por si própria, devido à sua volatilidade, velocidade e simultaneidade, o que sublinha a importância de uma comissão internacional para trabalhar junto aos governos e referendar novas regras.

Da mesma forma como se descobriu agora parte do método de seqüenciamento do genoma humano – que apenas deu ao homem um colossal dicionário com cerca de 3 bilhões de verbetes e ainda levará um bom tempo para ser amplamente conhecido e manipulado – desenvolver legislação para o ciberespaço se assemelha a aterrissar num planeta distante e inóspito e iniciar a construção de módulos de sobrevivência para que outros possam retornar. Tudo o que é novo sempre causa algum estupor e retração. As pessoas e o mercado têm que se acostumar às novas regras.

Entre as sugestões do painel duas são especialmente interessantes: a criação de um cibertribunal e conselhos arbitrais específicos ao nível da indústria para resolver disputas geradas pelo comércio eletrônico. Outra boa idéia aconselha que as autoridades regulatórias mundiais sejam estimuladas a estudar e desenvolver métodos de como leis poderiam ser aplicadas a produtos financeiros e aos serviços existentes no ambiente virtual, sem os contratempos causados pela variedade geográfica e sócio-política que hoje separa as nações mundiais.

Na corrida mercantil para o cyberspace, a ICANN, sigla que responde por Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, entidade americana que administra a designação de nomenclatura na Grande Rede de computadores, já se deu conta da necessidade de ampliar os sufixos dos endereços eletrônicos, com o objetivo de exercer melhor o controle das operações resultantes do crescente comércio eletrônico.

Especificamente vinculados às áreas de atuação dos sites, nomes como “.shop”, “.travel”, “.bank”, “.union” e “.sex” visam conferir maior agilidade e facilidade de identificação nas transações comerciais realizadas através da Internet. Estima-se que o e-commerce deva atingir a substancial cifra de US$ 300 bilhões no próximo biênio e aproximar-se dos US$ 1 trilhão até 2006, pelas estimativas da WIPO – World Intellectual Property Organization, sediada em Genebra. Um dos obstáculos à obtenção de novo sufixo ainda fica por conta do preço salgado.

Quem desejar adequar a finalização de seu endereço precisará desembolsar cerca de US$ 50 mil para se candidatar a um exame por parte da ICANN, que mesmo assim não garante a concessão. O controle através da diversificação dos sufixos será um sólido aperfeiçoamento legal para os profissionais do Direito, já que possibilitará um passo à frente no combate aos já denominados “ciberposseiros”, indivíduos que registram indiscriminadamente nomes de grandes corporações e celebridades, com o único intuito de depois revendê-los com fins lucrativos.

Sua ação ainda é possível em função da diversidade da legislação marcária em vigor no mundo e da inexistência justamente de uma grade legal linear, em nível supranacional, unindo todas as nações que atualmente possuem interesses virtuais. Cerca de 20 mil novos registros são solicitados a cada semana em todo o mundo, com predominância para os sufixos “.com”, “.org”, e “.edu”. Já somam em torno de 15 milhões mundialmente.

A tendência crescente é uma confirmação das leis de marcas e patentes já em vigor no mundo, bem como das convenções internacionais sobre a matéria, mas afigura-se como certa a necessidade de sua adaptação, do ajuste dos diplomas existentes aos novos usos da tecnologia. A própria OMPI, através de seu Centro de Arbitragem e Mediação, em operação desde dez/99, vem resolvendo controvérsias relativas a nomes de domínio de marcas já anteriormente registradas. Já ultrapassa a 500 o número de casos trazidos à baila perante a entidade e pelo menos uma dezena deles provêm do Brasil.

Grandes clubes de futebol, a Rede Globo e a Embratel, são alguns dos nomes brasileiros que já foram alvo dos “ciberposseiros”. O problema é que esses processos não estão ao alcance das pessoas comuns, pois custam por volta de US$ 3.000,00 por caso, mais os honorários dos advogados, que adicionam pelo menos mais a metade desse valor ao custo final.

Há árbitros da OMPI em vários países do mundo, inclusive no Brasil, o que só reforça a constatação de que graças à Internet, finalmente o Direito foi guindado à sua verdadeira importância mundial. Sempre existiram os tratados e convenções internacionais entre estados amigos e até antagônicos, mas com o advento da Grande Rede soou definitivamente o alerta na profissão legal: para ter eficácia e força vinculante diante da velocidade com que as coisas se processam na Web, a legislação cabível terá que transpor em forma célere as fronteiras geográficas dos países.

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2001.

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