Estado estrábico

Estado tupiniquim considera mais bofes do que empresários

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27 de março de 2001, 0h00

“Burocratas no Governo são como formigas no tronco que desce o rio: cada um deles pensa que está dirigindo o tronco” – Robert Strauss, deputado norte-americano.

Um grande amigo meu, brasileiro que imigrou para a feliz autonomia da Catalunha com muito sucesso (e azar para o Brasil!), graças aos reflexos dos planos de salvação nacional que lhe desativaram nos brasis carnavalescos, com uma desenvoltura intelectual invejável, citou o “centralismo ingerente” como tendo sido a causa de seu ganho migratório, e de nossas perdas por exclusões de alguns milhões de patrícios, de pessoas, de todos os sexos, idades e profissões, insatisfeitas que já se foram para o Exterior.

O resultado do centralismo no Brasil já é caso de polícia. Basta prestar atenção no que está acontecendo no Congresso Nacional, nas relações entre os Poderes, entre eles e o indivíduo comum que perambula de bolsos vazios em busca da felicidade de poder trabalhar em paz.

O caso em questão ultrapassa aquela discussão já histórica, a da constatação do óbvio teórico e real do puxa-e-afroxa, da contradição golberiana de sístoles e diástoles. Estamos falando agora é da crônica ingerência centralizadora, ou seja, da interferência que sempre vai além do que se possa ainda considerar como centrípedamente e dolorosamente suportável. Ela se faz sentir pela extrapolação legal contínua por parte dos detentores e de seus subalternos, no Poder político central, sobre qualquer coisa, mesmo quando a mania do mandonismo possa estar de rara folga, de férias forçadas para recuperação do seu reconhecido fôlego de gato.

Dizem alguns, que sua origem remonta ao colonialismo senhorial da monarquia sem nobreza, do escravagismo, e de suas continuidades via bacharelismo civil republicano, adicionado ao extravagante positivismo inculcado na alma de muitos de nossos militares, que ainda cultivam algumas mitologias estranhas.

O país tem uma Constituição. Boa ou má, aí está para ser obedecida. Se não for boa, que se façam as alterações necessárias. É o tal “livrinho” que o presidente Dutra, como bom militar respeitava tanto quanto o Regulamento do Exército. Ele não tinha a vocação para a tal da ingerência centralizadora, mas talvez ele ignorasse que os subalternos a tivessem, recém vindos de uma ditadura civil de quinze anos, sem ao menos um mero vislumbre de alternância presidencial, mesmo que despótica.

Assim, aquele nosso presidente simplório é um exemplo que não vale para o caso. Não era um generalíssimo, nem “duce”, muito menos um “príncipe”, ou presidente que metesse o bedelho onde o “livrinho” não prescrevesse.

Em compensação, a maioria dos presidentes que tivemos que agüentar, se intrometeram em tudo, da escalação de jogadores de futebol, briga de galos e outros assuntos mais ou menos paradoxais. Houve o caso de um presidente dito nacionalista e socialista que, num arroubo saudosista, interferiu para que a indústria continuasse a produzir o “carro do povo”, cuja origem remontava à ingerência de um outro sabichão, o Adolf, o fulano nacionalista e socialista do Terceiro Reich. Pouco tempo depois, após sua saída do palco iluminado da esfera mandona federal, a indústria não deu continuidade àquela produção exótica.

O tema merece ser analisado por especialistas da Psicologia. Deve existir algum fator freudiano na relação de certo tipo de gente que, subindo ao Poder, servindo cafezinho ou nomeando ministros, tudo pago com muita sobra pelo contribuinte, se considera imprescindível para a “salvação da lavoura”, ou como árbitro necessário de qualquer questão, mexendo na vida das pessoas com a maior desenvoltura e naturalidade. O agente, muitas vezes nem percebe que está considerando como missão oficial a promulgação de suas idiossincrasias ou, em objetivo prioritário nacional, a satisfação de desejo pessoal e ou de seu grupelho ideológico. Acabam produzindo intervenções indébitas, isto é, sem o devido respaldo legal ou, no mínimo, ilegítimas.

A conclusão, entretanto, advinda de nossa experiência profissional na advocacia, sem maiores minudências, é a de que tal sociopatia tem provado, regra geral, ir além do fingimento de servir; ao contrário, na verdade ela indica a intenção doentia de servir-se dos poderes políticos ou das funções burocráticas conferidas, para materializar auto afirmações frustradas nas relações humanas interativas da vida civil normal, até então sem a capacidade geradora de imposições pelo uso inapropriado, prepotente, abusado, dos instrumentos corporativos e de governo, enquanto a Democracia dorme em berço esplêndido. Na maioria dos casos, as ingerências visam apenas criar dificuldades para a venda das facilidades.

As demonstrações das ingerências são diárias. Afetam as vidas de todos nós. Afetaram a do meu amigo que agora vive feliz na Catalunha autônoma. Fazem perder empregos e liquidam negócios. Ou, através de engenhosos dispositivos de privilégios, evitam falências privadas escandalosas, como foi o caso do PROER. Aumentam impostos e matam com a maior naturalidade do mundo as iniciativas alheias, como também podem salvar as escolhidas pelo “Príncipe” de plantão.

Os agentes executivos e legislativos das ingerências, certamente por razões pessoais, nunca imaginaram que as verdadeiras soluções brotam da liberdade dos cidadãos e da livre empresa; e, ainda, muito menos, que o sistema de livre empresa se baseia no respeito à propriedade privada. Ao contrário, eles fazem a opção preferencial pela pobreza, limitando os espaços da liberdade e da criatividade individual. Vasculham contas bancárias, sem o devido processo legal.

Grampeiam telefones e espionam a correspondência eletrônica dos que ousam pensar diferente. Conhecemos o caso de um ingerente, ex-ministro de um ex-presidente, que antes sempre clamara por liberdade e pelas “diretas já”, que chegou ao cúmulo de violar o sigilo de correio de pessoas que exerciam pacificamente os seus direitos de livre manifestação de opinião. Tornou-se, não sabemos qual a razão, uma figura de excelsa credibilidade, irremovível e revestido de suprema autoridade julgadora.

Vejamos, agora, um exemplo de vítima, empresário conhecido nosso, no período do regime autoritário, que nunca foi indenizado (e jamais será!): ele havia fechado um negócio de exportação de óleo de soja para a Nigéria. Tudo acertado nas pontas, comprador, carta de crédito, frete, quando um famoso bendito da onipotente CACEX proibiu a exportação em pleno curso, porque havia “indícios” de desabastecimento de óleo de soja no mercado interno. A mercadoria, já pronta para embarque no porto foi recolhida, o crédito do empresário foi-se para as cucuias e não conseguiu nunca mais fazer negócios em África. Pior, lá fora, ninguém acreditou na versão do meu velho conhecido, de que o culpado era o Governo varonil do nosso Brasil, ôba ôba.

O sujeito passou a ser considerado apenas como mais um destes brasileiros sem-vergonha que se animam a exportar, incluindo impostos, sem terem competência para tanto. Os estrangeiros, nunca se deram conta de que a exportação não dera certo pelo excesso de competências de um Estado tupiniquim enxerido.

Os agentes das ingerências desmancham empresas, negócios, lares e a paz de espírito das pessoas. Seus atentados à liberdade são impulsionados pelas miopias do Estado centralizado, anti-liberal e sempre arrazoados por desculpas mascaradas de interesses múltiplos, como por exemplo: interesse social, nacional, de economia popular (?), estratégico, de equilíbrio fiscal, de equilíbrio regional, de segurança nacional, da redistribuição de renda(?), da curiosa governabilidade(?) e outros interesses que nunca, jamais, serão os da constitucionalidade e da proteção à individualidade humana, cujos direitos são continuamente imolados no altar da aparência sutilmente enganadora do “politicamente correto”, hoje sob a cantilena de uma ética caolha, provinda daqueles que sonham com a reedição imbecil da busca da unidade ideológica contra o Mercado, para uma Humanidade sem humanos.

Interessante: as ingerências quando postas à prova, costumam se refugiar no conhecido último reduto, referenciado por um lorde inglês como sendo o último refúgio dos canalhas: “o patriotismo” – substituído gradativamente nos brasis pela qualidade malabarista acusatória da desonestidade até prova em contrário.

O Indivíduo não é bem aceito no Brasil. O Estado é o início e o fim. Totalitarismo on line. Totalitarismo puro de intenções. Totalitarismo nos métodos. Aliado ao indivíduo, só quando mal educado e politicamente suicida, manifestado nos esbulhos possessórios e infectado pelo exibicionismo ideológico amoral, no assanhamento despudorado do democratismo “maluco- beleza”, desenfreado, histérico, de caras pintadas, de foices erguidas (recém compradas), e de bandeiras radicais ao vento.

O Estado tupiniquim tem uma consideração maior por um bofe desses do que por um empresário, sempre enrredado na armadilha de uma complexa malha de tributos e obrigações confiscatórias.

Realmente, vive-se em brasis sob o controle de um Estado estrábico, incapaz de enxergar qualquer coisa além das ingerências e das negociatas do dia-a-dia. Nada com sabor de liberdade e de humano em nosso horizonte de futuro.

Amanhã de manhã, podemos acordar sob uma nova ingerência, praticada enquanto dormíamos o sono dos justos. Uma Medida Provisória, por exemplo, que nos leve, sem outra alternativa, senão a de procurar uma saída pelo Aeroporto do Galeão, sob a vista pétrea do Cristo Redentor.

Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2001.

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