Corte no orçamento

STJ afirma que corte no orçamento do Judiciário é inconstitucional

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26 de março de 2001, 0h00

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Paulo Costa Leite, criticou o corte de R$ 78,5 milhões no orçamento do Judiciário, anunciado na última sexta-feira pelo governo. Segundo Costa Leite, o corte é inconstitucional.

A partir das 14 horas desta segunda-feira (26/3), os presidentes dos tribunais superiores estarão reunidos no Supremo Tribunal Federal com o ministro Carlos Velloso para discutir a decisão “unilateral”, adotada pelo Executivo.

“O Judiciário não vai se furtar a cumprir o que determina a lei. Mas, não aceita prato feito”, afirmou Costa Leite.

Veja a entrevista do presidente do STJ para a rádio CBN.

Ministro, o senhor ficou surpreso com esse corte no orçamento do Poder Judiciário determinado pelo Ministério do Planejamento na última sexta-feira?

Quando recebi na tarde de sexta-feira o telefonema do ministro Martus Tavares dando ciência desse corte realmente me surpreendi porque é a primeira vez que isso é feito. Mas, o que me deixou mais surpreso foi que tudo já estava praticamente definido em termos de números quando na verdade os presidentes dos tribunais não podem ser meros carimbadores daquilo que foi feito no Poder Executivo, de acordo com uma decisão partida do Supremo Tribunal Federal ao examinar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. Daí, até o próprio presidente do STF, ministro Carlos Velloso, ter divulgado uma nota pública explicando que não admite esse tipo de interferência.

Imediatamente após a ligação telefônica do ministro do Planejamento determinei que os diretores do STJ e do Conselho da Justiça Federal procedessem a estudos neste final de semana para verificar o que deve ser feito. É bom que fique bem claro que nós do Judiciário não queremos nos furtar em absoluto a aplicação daquilo que está disposto na lei de responsabilidade fiscal. Nós queremos, e vamos cumprir, os ditames da lei. Agora não vamos aceitar, de forma alguma, que os números nos sejam impostos.

O corte foi de R$ 78,5 milhões. O senhor tem idéia de quanto isso poderá prejudicar o trabalho do Poder Judiciário?

Nos temos uma grande dificuldade em relação à execução orçamentária porque quando encaminhamos as nossas propostas, já tivemos cortada, no âmbito do próprio Executivo, antes de chegar ao Congresso Nacional, ou seja, não coincidiram os números que saíram do Judiciário e chegaram ao Congresso.

Enquanto isso, o orçamento do Executivo era engordado e o nosso permaneceu do mesmo tamanho. Então, me parece claro que o corte desse porte de R$ 78,5 milhões pode acarretar problemas graves porque estamos trabalhando dentro de limites muito estreitos. Agora, não sei se o corte será esse de R$ 78,5 milhões. Nós vamos analisar a questão em reunião com o presidente do STF. Esse é o número que vem do Executivo, imposta unilateralmente. Vamos verificar se esses números estão corretos, se realmente é caso de cortar. Os técnicos do STJ e do Conselho da Justiça Federal estão de plantão neste final de semana. E, eu, também. Estou cuidando pessoalmente desse assunto.

Esse corte pode ser negociado com o governo ?

Não tenho que negociar com o governo. Não vou negociar, e nem o Judiciário, tenho certeza, vai negociar. Não tem nada que negociar com o governo. O Supremo Tribunal Federal já disse que é inconstitucional aquele dispositivo que permitia ao Executivo realizar esses cortes. Quem tem que promover os cortes é o Poder Judiciário.

Então, esse corte será feito pelo Judiciário se realmente chegarmos à conclusão de que a lei determina e se determina nesses valores. Eu não sei de onde o Executivo tirou esse número. Estamos estudando e vamos discutir com o presidente do STF e dos demais presidentes de Tribunais.

Como o senhor qualifica a atitude do governo federal?

Isso acontece porque sempre o governo federal agiu dessa maneira. Corta aqui, faz como quer na parte orçamentária etc… Mas agora tem uma decisão do STF dizendo que é inconstitucional. Cada Poder vai examinar os cortes e realizá-los. É isso que vamos fazer, se for o caso. O que quero deixar bem claro é que o Poder Judiciário não se furtará ao cumprimento da lei. Jamais poderíamos admitir ou pensar nisso. Nem de longe, porque somos os responsáveis pela correta e fiel aplicação das leis no país. O que não admitimos é que se faça prato feito.

Eu disse ao próprio ministro Martus Tavares na ligação telefônica da última sexta-feira. Quer dizer que sou apenas um carimbador. Saem os números do Executivo, vem um ofício com um número e eu apenas assino. Quer dizer que a decisão do STF foi inócua. Apenas tirou da mesa do ministro do Planejamento e colocou na minha mesa para eu assinar? Não pode ser isso. Evidente que não pode ser isso.

Podemos até chegar aos mesmos números, mas a iniciativa tem que ser do Judiciário. Isso é que o Executivo tem que aprender. A Constituição confere autonomia e independência ao Judiciário. Não é possível a imposição. Estamos vivendo em um regime democrático que é pontilhado de atos autoritários. Não podemos mais conviver com isso.

O senhor qualifica esse ato do governo como um ato autoritário?

Claro que é. Não é possível mais aceitar essa tecnocracia que quer impor as coisas e não respeita a autonomia e independência do Poder Judiciário.

O senhor acha que o corte pode inviabilizar, por exemplo, a criação dos Juizados Especiais …

Vamos ter que verificar como isso vai acontecer. Claro que se o corte for significativo vamos ter que, lamentavelmente, frustrar as expectativas de medidas que estávamos dispostos a implantar durante esse ano.

Revista Consultor Jurídico, 26 de março de 2001.

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