Crise em penitenciárias

OAB-SP propõe medidas para combater crise carcerária no estado

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23 de março de 2001, 0h00

A Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, propõe um cadastro geral dos encarcerados, transformação a Casa de Detenção em Centro de Triagem, criação de uma guarda de elite para combater as rebeliões e um Conselho Supervisor para atuar contra o crime organizado.

Estas foram algumas das 22 propostas entregues ao governador Geraldo Alckmin, para acabar com a crise do sistema penitenciário de São Paulo, evidenciada em fevereiro. Na ocasião, mais de 25 presídios fizeram rebeliões, simultaneamente, organizadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

Conheça as propostas da OAB-SP

I.Política penitenciária

1 – Censo Penitenciário.

Elaboração de um censo carcerário cujo resultado será a implantação do cadastro geral de encarcerados. Ele conterá um programa de identificação por biometria e impressões digitais, além do número do Registro Geral (RG), matrícula e processo de execução, com previsão da data para o término do cumprimento da pena e os limites temporais previstos para a obtenção dos favores legais da execução penal.

No cadastro deverá também constar um conjunto de elementos identificadores, quais sejam: as características pessoais e as alcunhas, a natureza dos crimes praticados, forma de agir, identificação de comparsas e de adversários no sistema penitenciário, participação em quadrilhas, grupos eventuais e facções criminosas, unidade federativa de origem, nomes e endereços de familiares para contato ou investigação, entre outros.

O acesso a esse cadastro se fará pela intranet, com senha pessoal e intransferível em diferentes níveis, conforme a natureza das informações.

2 – Rede interligada de dados

O combate à criminalidade é um sistema, do qual a administração penitenciária é um sub-sistema, impondo-se uma integração.

O banco de dados do sistema penitenciário contará com elementos fornecidos por todos os setores a ele vinculados: Varas Criminais, Varas das Execuções Criminais, Tribunal de Alçada Criminal, Seção Criminal do Tribunal de Justiça, Secretaria da Administração Penitenciária, Secretaria da Segurança Pública, Ministério Público, Procuradoria de Assistência Judiciária, COESPE e outros. Há necessidade de interligação e contato instantâneo entre todos os setores.

3 – Conselho Supervisor para Combate ao Crime Organizado no Sistema Penitenciário

Será integrado por representantes das Secretarias Estaduais da Segurança Pública e Administração Penitenciária, da Corregedoria Geral da Justiça e Tribunal de Alçada Criminal, do Ministério Público e da Procuradoria Geral do Estado, da Universidade e de entidades vinculadas ao estudo da criminologia e do Direito Penal, além da OAB.

O Conselho terá o objetivo de coordenar a adoção de medidas conjuntas, com vistas a reprimir a atuação das organizações criminosas, dentro e fora dos estabelecimentos prisionais.

Atualmente, há um flagrante desequilíbrio entre o crime organizado, dentro e fora dos presídios, e as forças que tentam combatê-lo, estando estas em evidente desvantagem. Assim, o Conselho irá se aparelhar para tal combate, que será travado também contra organizações que atuam fora do sistema prisional, mas que mantêm conexão com as internas.

4 – Escola de Administração Penitenciária

A Comissão sugere a reativação da Escola de Administração Penitenciária, que não deverá ser apenas um órgão de formação profissional dos agentes penitenciários e outros técnicos de atuação junto ao presídio.

O objetivo é transformar essa Escola em um centro de excelência na elaboração de doutrina, projetos e planos específicos de administração carcerária e de consecução de uma política de execução da pena.

Para isso, deverá congregar especialistas, estudiosos, pensadores, doutrinadores e práticos, a Universidade e os organismos voltados ao universo da criminalidade e seus efeitos na comunidade. Uma das tarefas primordiais da Escola de Administração Penitenciária seria promover cursos de atualização e reciclagem para todos os funcionários da COESPE.

Programa Tópico

1 – Centro de Triagem e Classificação Geral

Converter a Casa de Detenção Prof.Flamínio Fávero em Centro de Triagem e Classificação Geral, com redução de sua capacidade máxima para 3.000 (três mil) presos. Eles serão distribuídos entre os pavilhões conforme as peculiaridades de cada condenado.

Os presos deverão ser submetidos a exames de avaliação de sua saúde física e mental; exame criminológico; de periculosidade e outros. O objetivo primordial da triagem é procurar manter no sistema uma separação dos presos tendo em vista critérios fixados. Desta forma: a idade; a periculosidade; a natureza do crime; a reiteração delitiva; dentre outros, servirão de elementos para orientar a separação, tanto quanto possível de todos os presos do sistema.


2 – Hospital Carcerário

Dentro da Casa de Detenção, convertida em Centro de Triagem e Classificação Geral, pelo menos até sua anunciada desativação completa, o Pavilhão 4 seria transformado em Hospital Carcerário, provido de equipamentos materiais e corpo clínico adequado.

Por outro lado, deverão ser reiniciadas as obras complementares do Hospital existente no campus da Penitenciária do Estado.

3 – Presídios de Segurança Máxima

Os condenados à pena privativa de liberdade de soma igual ou superior a dez anos devem cumprir o escarmento em presídios de segurança máxima.

4 – Limitação da capacidade prisional

Deve ser limitada a capacidade de cada unidade prisional em 500 (quinhentos) presos, distribuídos em celas individuais.

5 – Assistência Jurídica

A assistência jurídica ao encarcerado e à sua família deve ser mais abrangente do que a mera assistência judiciária. Advogados aptos a prestar informações e serviços profissionais sem ônus ao detento e à sua família devem ser garantidos, em número suficiente para atender à demanda. O ideal seria um advogado para cada grupo de 50 (cinqüenta) presos.

Ademais, periodicamente mutirões poderão ser realizados nas unidades do sistema penitenciário, para o exame dos prontuários e adoção das providências judiciais eventualmente cabíveis na defesa dos direitos dos presos.

6 – Assistência Médica

O atendimento médico ao encarcerado deve ser transferido à Secretaria da Saúde. Esta terá a atribuição para administrar hospitais convencionais e também os hospitais psiquiátricos, em parceria com a rede particular, familiares dos internos, ONGs, clubes de serviço, Igreja e comunidade.

Os dependentes químicos precisam de atendimento específico, também a cargo da Secretaria Estadual da Saúde, com vistas à avaliação e cumprimento de decisão judicial, com previsão de alta progressiva.

7 – Comissões Técnicas de Classificação

O pessoal técnico-especializado – Psiquiatras, Psicólogos e Assistentes Sociais – precisa ser em número suficiente para formar tantas Comissões Técnicas de Classificação-CTC- quantas forem necessárias para a elaboração dos exames criminológicos.

Assim que ingressar no sistema, o encarcerado terá traçado o seu perfil psico-social, com acompanhamento individual mediante realização de exames e testes de avaliação, ao menos uma vez por ano, com laudos conclusivos.

8 – Guarda de elite

Instituir uma guarda de elite, subordinada à Secretaria de Administração Penitenciária, com agentes de segurança (ASP) selecionados e especialmente treinados para usar armamento e enfrentar rebeliões. Tal guarda poderia, inclusive, substituir os policiais militares na vigilância feita das muralhas das penitenciárias.

9 – Revista pessoal mais apurada

Deverá ser utilizado detector de metais, nas revistas pessoais por ocasião do ingresso nos estabelecimentos prisionais.

10 – Pena em liberdade

Instituir programas de monitoramento de condenados que cumprem pena em liberdade, em parceria com a sociedade, a exemplo do sistema probation, utilizado no Canadá e nos Estados Unidos.

11 – Apoio ao egresso

É imprescindível o funcionamento de um efetivo sistema de apoio ao egresso, com mobilização de toda a sociedade para que, ao deixar o sistema prisional, haja condições de reintegração à sociedade.

Propõe-se a criação de um órgão com esse objetivo de assistência ao egresso. Equipes integradas por voluntários darão apoio imediatamente anterior à saída, desde recursos materiais para a locomoção do presídio ao seu destino, até orientação psicológica para o egresso e familiares.

12 – Trabalho e Estudo nos Presídios

Para a comissão a pena de prisão precisa ser transformada em um instrumento eficaz de ressocialização, senão para todos os presos, para aqueles predispostos a levar uma vida útil. Sabe-se que eles existem e não em pequeno número. Ocorre, que a pena de prisão possui uma conotação meramente retributiva, carente que é de qualquer sentido positivo, construtivo, voltado, para o desenvolvimento psíquico, emocional, cultural e profissional do detento.

Dentro dessa ótica, o trabalho e o estudo são os únicos meios eficazes de aprimoramento do sistema penitenciário, além de emprestar-lhe uma razão plausível e lógica para a sua existência.

Hoje, o sistema prisional, extremamente oneroso para o erário, tem sua justificativa baseada apenas na necessidade do encarceramento, sem nenhuma projeção das conseqüências nefastas para a sociedade, do retorno do detento despreparado, humilhado, portador de uma carga criminógena muitas vezes superior àquela que possuía, como rigorosamente ocorre.


Assim, a implantação do trabalho e do estudo em todo o sistema penitenciário não pode ser adiada. No entanto, também sobre esse aspecto se faz imprescindível a colaboração da sociedade, especialmente dos seus setores produtivos. O aproveitamento da mão de obre existente nos presídios, por meio de convênios firmados com empresas públicas ou privadas, poderá ser o embrião da privatização do sistema.

13 – Penas alternativas

Conscientização da comunidade jurídica para a utilização das penas alternativas e conscientização da sociedade para encará-la como legítima forma de arredar a impunidade, desonerar o contribuinte dos elevados custos do sistema carcerário e reinserir o infrator no meio social.

Envolvimento de todo o governo para aceitar o trabalho do infrator assim penalizado, com aproveitamento de sua formação profissional e em situação de dignidade compatível com o preceito constitucional a ele direcionado.

III. Propostas legislativas

1 – Criminalizar a comunicação externa

Elaboração de projeto de lei considerando o ingresso de aparelhos, instrumentos e equipamentos de comunicação externa em presídios, como crime contra a administração pública, impondo-se a prisão em flagrante.

2 – Remição de penas pelo estudo

Elaboração de projeto de lei prevendo remição de penas pelo estudo, conforme programa a ser instituído pelo Ministério da Educação ou Secretarias Estaduais de Educação, a exemplo do telecurso e similares.

3 – Instrução criminal on line

Convém estudar, sem preconceitos apriorísticos, mas sem prejuízo do direito de defesa, a possibilidade de instrução criminal por vídeo-conferência, eliminando o insolúvel problema da procrastinação dos processos criminais por falta de apresentação do preso e, principalmente, a insegurança das escoltas, sujeitas a resgates.

O transporte dos encarcerados ao Fórum, além de ser um fator de risco para a comunidade, pela audácia dos grupos que se valem da vulnerabilidade da situação para resgatar seus integrantes, retira policiais do serviço de segurança preventiva para o qual são preordenados.

4 – Incentivar o investimento na política carcerária

O empresário que se dispuser a arcar com o ônus de empregar egressos deveria ser estimulado com isenções e incentivos fiscais. Na mesma linha a possibilidade de manutenção de estabelecimentos destinados ao desconto de pena no regime semi-aberto, ou mesmo no regime fechado, tudo após ampla discussão da comunidade jurídica e de representantes da sociedade.

5 – Seguro-desemprego por 6 meses para o egresso

O Estado já investiu no encarcerado toda a imobilização dos estabelecimentos prisionais, o custeio de sua manutenção e poderá vir a ser colhido com provável reincidência, se o egresso não dispuser de um apoio efetivo para reiniciar sua convivência social.

A lei deveria assegurar ao egresso um auxílio pós-prisão, a exemplo do seguro desemprego, por seis meses, como forma de contribuir para a sua adequada reintegração social.

Revista Consultor Jurídico, 23 de março de 2001.

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