ITBI em São Paulo

Artigo: ITBI paulista continua gerando controvérsias jurídicas

Autor

2 de março de 2001, 16h18

A presente questão remonta aos idos de 1991, quando a Prefeitura Municipal de São Paulo promulgou a Lei nº 11.154, de 30.12.1991, inovando ao estabelecer novas disposições para o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis paulista, em especial no que se referiu a progressividade (majoração das alíquotas à medida em que a base de cálculo é aumentada) das alíquotas aplicáveis ao referido tributo.

Assim dispunha o artigo 10º da referida legislação:

“Art. 10. O Imposto será calculado:

II – nas demais transmissões, pelas seguintes alíquotas incidentes sobre as classes de valor definidas por número de Unidades Fiscais do Município de São Paulo – UFM:

Classe de Valor do Imóvel em UFM

Alíquota

Até 3.000 – 2%

Acima de 3.000 até 5.000 – 3%

Acima de 5.000 até 6.000 – 4%

Acima de 6.000 – 6%”

Após um certo vacilo da jurisprudência, o E. Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, em detida análise sobre a progressividade das referidas alíquotas, pacificou entendimento sobre a matéria, consolidado pela súmula nº 45, originada pela Arguição de Inconstitucionalidade nº 540.420-0/01 SP:

“É inconstitucional o artigo 10, II, da Lei n. 11.154, de 31.12.91, do Município de São Paulo, que instituiu alíquotas progressivas para o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis”.

Não discrepando da orientação jurisprudencial paulista, o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, sepultou qualquer questionamento favorável à progressividade de alíquotas do ITBI do Município de São Paulo, por ocasião da decisão proferida nos Autos do Recurso Extraordinário nº 234.105-3 SP, o qual teve como relator o Ministro Carlos Velloso, cuja Ementa Oficial é transcrita a seguir:

“O Tribunal, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, declarando a inconstitucionalidade do art. 10, II, da Lei nº 11.154, de 30/12/1991, do Município de São Paulo/SP. Ausente, justificadamente, o Sr. ministro Celso de Mello (Presidente). Presidiu o julgamento o Sr. ministro Carlos Velloso (Vice-Presidente). Plenário, 08.4.99”.

Da alteração legislativa

Mesmo ciente da inconstitucionalidade da forma de cobrança, a Prefeitura Municipal de São Paulo manteve as alíquotas progressivas para o cálculo do ITBI até o final do ano de 2000, quando, em 29.12 p.p., foi editada a Lei nº 13.107, alterando os artigos 4º e 10º da Lei 11.154/91, que ora se transcreve, e trazendo outras disposições.

“Art. 4º – Não se aplica o disposto nos incisos III a V do artigo anterior, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento mercantil.

§ 1º – Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinqüenta por cento) da receita operacional do adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas no caput deste artigo, observado o disposto no parágrafo 2º.

§ 2º – Se o adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior, levando em consideração os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.”

“Art. 10 – O imposto será calculado:

I – Nas transmissões compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação – SFH:

* à razão de 0,5% (meio por cento) sobre o valor efetivamente financiado, até o limite de R$ 42.800,00 (quarenta e dois mil e oitocentos reais);

* pela aplicação da alíquota de 2% (dois por cento), sobre o valor restante.

II – Nas demais transmissões, pela alíquota de 2% (dois por cento).

§ 1º – Na hipótese prevista no inciso I deste artigo, quando o valor da transação for superior ao limite nele fixado, o valor do imposto será determinado pela soma das parcelas estabelecidas nas alíneas ‘a’ e ‘b’.”

Muito pouco há a se considerar em relação às alterações trazidas no artigo 4º.

Em verdade, a legislação municipal limitou-se, basicamente, a repetir sem qualquer inovação o que já se encontrava previsto na legislação federal, adequando-a aos termos do art. 156, § 2º, inciso II da Constituição Federal e art. 37, §§ 1º e 2º do Código Tributário Nacional, cuja redação, aliás, é quase idêntica.

Já no que se refere ao art. 10, a Lei Municipal nº 13.107/00 buscou adequar as alíquotas do ITBI paulista a situação já consolidada e pacificada perante o Poder Judiciário, qual seja, a flagrante e declarada inconstitucionalidade de suas alíquotas progressivas.

Apesar de unificar as alíquotas existentes anteriormente, a atual redação do indigitado artigo continua a gerar controvérsias acerca da legalidade da disposição contida em seu § 1º. Independente de seu caráter social e da diminuição da carga tributária imposta, foi mantida a mesma sistemática de progressividade para o cálculo do ITBI paulista, cujo entendimento não deve vir a ser modificado pelo Poder Judiciário.

Da “remissão” de créditos fiscais

Feitas as considerações sobre as modificações sofridas pela Lei nº 11.154/91, verifica-se que inovação de relevo foi a introduzida pelo art. 3º da Lei nº 13.107/00, que se encontra assim disposto:

“Art. 3º – Vedada a restituição de importâncias recolhidas a este título, ficam remitidos os créditos tributários decorrentes de obrigações tributárias cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data da publicação desta lei, já constituídos, inscritos ou não na dívida ativa do Município, ou a constituir, relativos a transmissões sujeitas à incidência das alíquotas progressivas previstas na redação original da Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, correspondentes:

I – Nas transmissões compreendidas no Sistema Financeiro da Habitação – SFH, aos valores superiores ao resultado da soma da parcela correspondente à aplicação da alíquota de 0,5% (meio por cento), nas condições estabelecidas na redação original da Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, com a parcela correspondente à aplicação da alíquota de 2% (dois por cento) sobre o valor restante da base de cálculo;

II – Nas demais transmissões, aos valores superiores à alíquota de 2% (dois por cento) sobre a base de cálculo.”

§ 2º – Ficam excluídos do regime desta lei os créditos tributários, enquadrados nas condições previstas neste artigo, objeto de decisão judicial, favorável à Municipalidade, com trânsito em julgado.”

Aos mais desavisados pode parecer que a Municipalidade por meio do dispositivo retro transcrito, praticou remissão parcial e retroativa dos débitos tributários, reconhecendo, por via reflexa, a ilegalidade da progressividade das alíquotas do ITBI paulista. Contudo, em nosso entendimento, não foi isso o que ocorreu.

Isso porque, por se tratar essencialmente de relação jurídica entre credor e devedor, aquele somente poderia efetuar o perdão, parcial ou total, de quantia sobre a qual não houvesse qualquer tipo de controvérsia acerca de sua existência ou do seu montante.

Nesse caso, o referido crédito poderia vir a ser objeto de cessão, transferência, ou até mesmo remissão, mesmo que não tivesse ingressado definitivamente no patrimônio do credor, mas livremente disponível por este.

No caso sob análise, qualquer valor referente ao ITBI decorrente da aplicação de alíquota superior a dois por cento é indevido, em razão das inconstitucionalidades anteriormente apontadas, de modo que não poderia a Municipalidade perdoar valores sobre os quais em tempo algum foi credora.

Verifica-se, portanto, que o impacto prático do referido art. 3º nos meios judiciais será reduzido, na medida em que autoriza a Procuradoria Municipal, apenas e tão somente, a requerer a desistência das medidas judiciais em curso que objetivam o recolhimento da exação à alíquota de 2%, ante à perda de seu objeto.

Já no campo dos executivos fiscais, o referido dispositivo tornou ainda mais patente o dever da Municipalidade em retificar os Termos de Inscrição da Dívida Ativa e de substituir as CDA´s (Certidões de Dívida Ativa). Esta emergente providência é decorrente da disposição contida no art. 203 do CTN e no art. 2º, § 8º da Lei nº 6.830/80, devendo ser tomada até decisão de 1ª Instância, pois, do contrário, há de ser reconhecida a nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente.

Conclusão

Após as considerações trazidas no presente, cremos que os aspectos de maior relevância relacionados com a progressividade do ITBI paulista e com a Lei nº 13.107/2000, bem como as conseqüências dessa nova regulamentação, foram levantadas, sem prejuízo de novos questionamentos ou desdobramentos não previstos no presente que poderão ocorrer futuramente.

Revista Consultor Jurídico, 2 de março de 2001.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!