Mundo dos negócios

Concorrência desleal deve ser reprimida, afirma advogada.

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30 de maio de 2001, 0h00

A concorrência comercial está diretamente vinculada às atividades comerciais mais remotas, e a doutrina nacional é pacífica ao afirmar que a concorrência desleal tal como conhecida nos dias de hoje só pode ser vislumbrada após a Revolução Francesa (1791), onde prevaleceu o liberalismo econômico, permitindo o início da competição.

Até então as profissões eram controladas por corporações sob um sistema extremamente rígido e as poucas indústrias estavam à mercê dos monopólios, ao passo que os trabalhos dos artesões eram regulados por suas próprias associações, que manipulavam preços, modelos e serviços.

Originário do latim – cumcurrere, que significa correr junto, o vocábulo “concorrência”, em termos de comércio, pode ser entendido como o ato de competir na conquista de um mercado ou clientela. Curiosamente, a concorrência passou a ser denominada de desleal, déloyale, sleale, unfair, por volta de 1852, em um período no qual os juizes não dispunham nem dos recursos e tampouco de regras jurídicas estabelecidas aplicáveis aos conflitos advindos de tal competição, e se viram forçados a recorrer aos princípios da boa-fé e da lealdade, utilizados pela corte francesa, ou a uma adaptação do law of torts, aplicado pelos ingleses e norte-americanos.

Inegável o fato de que essa competição é socialmente salutar, devendo inclusive ser estimulada, posto que permite o aprimoramento da atividade comercial e o conseqüente desenvolvimento econômico de um país. Entretanto, faz-se mister ressaltar que o conceito de “concorrência desleal” é incerto ainda nos dias de hoje, sofrendo variações de país para país, e permitindo aos variados sistemas jurídicos determinar as práticas que considerem como ato de concorrência desleal, proporcionando-lhes o tratamento legal adequado.

A definição talvez mais apropriada de “concorrência desleal” pode ser encontrada no Art. 10bis (2) da Convenção da União de Paris, que assim estabelece: “Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial”.

Inicialmente, deve-se salientar que o desenvolvimento da doutrina na área da concorrência desleal, teve por base o pressuposto da relação de concorrência. Entende-se por relação de concorrência aquela existente entre dois ou mais concorrentes, dentro de um mesmo mercado relevante (que envolve não só a região, mas também os produtos/serviços em questão), visando a captação de clientela. Já foi dito que tal competição deve seguir os princípios leais de conduta no comércio, princípios estes que foram estabelecidos pelo Direito Canônico e que sofreram, através dos tempos, influência do desenvolvimento econômico de cada país.

Cabe aqui esclarecer que, diferentemente da “relação de concorrência”, que envolve diretamente os concorrentes, o “estado de concorrência” corresponde a uma relação comercial que envolve não necessariamente dois agentes econômicos diretamente, mas o agente econômico e seus respectivos fornecedores e clientes, ou mesmo uma terceira pessoa totalmente alheia à relação comercial, mas que age de forma a influenciar a mesma.

Em termos de concorrência desleal, a legislação pátria adota um sistema que resulta da combinação entre a exaustão de uma lei especial e as disposições genéricas de uma lei geral – é o chamado Sistema Combinado. Deve-se inicialmente observar os princípios estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 no tocante à ordem econômica, cabendo destacar a função social da propriedade, a livre concorrência e a defesa do consumidor (Art. 170, incisos III, IV e V) e a repressão ao abuso de poder econômico e à concorrência desleal (Art. 173, parágrafo 4º).

Percebe-se nitidamente que a Carta Magna, ao contrário de proibir a concorrência empresarial, eleva-a à condição de princípio constitucional, protegendo-a e estimulando-a. O que a legislação brasileira veda é a concorrência feita de forma desleal, sem atender aos princípios da honestidade e correção comercial. Tanto assim que o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), ao estabelecer em seu Art. 4º e incisos os princípios da Política Nacional de Relações de Consumo, prevê no inciso VI do citado dispositivo legal a “coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal (…) que possam causar prejuízos aos consumidores”. Referido Código vai mais além ao elencar os direitos dos consumidores (Art. 6º e incisos) quando, dentre eles, cita “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”.

Ressalte-se que a necessidade de existência de colisão de interesses, resultante da identidade de negócios e no posicionamento em um mesmo território, isto é, envolvendo um mesmo mercado relevante, somente pode ser vislumbrada quando existe uma relação de concorrência. Caso contrário, embora pudesse existir uma concorrência desleal praticada por terceiro, ainda que não concorrente – como previsto na legislação de outros países – não haveria uma relação de concorrência, mas sim um estado de concorrência.

Portanto, em que pese para a doutrina nacional ser a concorrência desleal um conjunto de atos ilícitos (sofrendo neste aspecto influência do Direito Francês), face ao disposto na legislação brasileira, exige-se que haja uma relação de concorrência para a aplicabilidade das leis de repressão à concorrência desleal.

Finalmente, cumpre ressaltar que o mundo moderno encontra-se em uma época de globalização, de internacionalização de economias, fato que força os países a buscarem uma harmonização entre suas diversas legislações. Este esforço pode ser verificado no avanço das negociações que envolvem leis que regem a propriedade industrial e o direito autoral, ao passo que no âmbito da concorrência desleal tal harmonização tem causado grandes discussões, e está muito aquém de se tornar uma realidade.

Apesar das divergências, os países devem a todo custo buscar com a maior celeridade possível, para o bem de uma economia globalizada, a harmonização entre suas normas de repressão à concorrência desleal, considerando-se não apenas o direito moderno relativo à mesma, como também a proteção dos interesses dos consumidores e da coletividade em geral.

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