Plano de racionamento

Veja a ação e a liminar de Marília contra o racionamento

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29 de maio de 2001, 12h54

As medidas do governo para implantar o Plano de Racionamento de Energia causaram polêmica nas últimas semanas no meio jurídico. O Ministério Público Federal de Marília (SP) disponibilizou, em seu site, o modelo de Ação Civil Pública contra as decisões da Câmara de Gestão de Crise Energética. Os internautas também podem ter acesso ao texto da liminar de Marília concedida contra as medidas do governo.

Veja o modelo de Ação Civil Pública.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA ___ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA EM MARÍLIA (SP)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem, perante Vossa Excelência, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal, no art. 6.º, inciso VII, alínea “d”, da Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, e no art. 5.º, “caput”, da Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de tutela antecipada, em desfavor da UNIÃO FEDERAL, com endereço na Avenida 9 de julho, n.º 1.607, edifício São Pedro, térreo, em Marília (SP); e AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL), na pessoa de seu Diretor-Geral, com endereço à SGAN 603, Módulo J, Brasília (DF), pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Em 27 de maio de 1998, através da Lei n.º 9.648/98, ficou definido que todas as estatais do setor elétrico deveriam ser cindidas e vendidas à iniciativa privada.

O Governo Federal imaginava que, com o setor elétrico nas mãos de empresas privadas, estas realizariam uma disputa para conquistar clientes e, num mercado de livre concorrência, ocorreria um aumento na oferta de energia elétrica e uma diminuição no preço das tarifas.

Todo o setor seria controlado pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, agência independente cuja função seria garantir um perfeito funcionamento do sistema elétrico. Tudo daria certo, o Brasil estaria pronto para crescer e, finalmente ingressar no primeiro mundo, mas …

Passados pouco mais de três anos do início da implantação do novo modelo para o setor elétrico, podemos concluir que, ao contrário do que apregoava o Governo Federal, tudo deu errado. Especialistas afirmam que a falta de planejamento aliada aos equívocos cometidos durante a privatização do setor e a ausência de investimentos, públicos e privados, levaram o Brasil à maior crise energética das últimas décadas.

Agora, visando remediar os erros do passado e racionalizar o uso da energia elétrica, a União estabeleceu regras dignas dos mais absolutistas dos regimes, fazendo, inclusive, com que alguns juristas associassem as medidas às adotadas pelo regime da Alemanha Nazista.

Os principais e mais polêmicos pontos destas medidas são os seguintes (DOC. 01), cuja constitucionalidade e legalidade apreciaremos a seguir:

1) a exigência para que os consumidores reduzam o consumo de energia elétrica em percentuais definidos em Resolução da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, sob pena de corte do fornecimento da energia;

2) cobrança de “sobretaxa” (multa) de 50% (cinqüenta por cento) sobre o valor da conta referente à parcela que exceder o consumo mensal de 200 kWh e uma “sobretaxa” de 200% (duzentos por cento) sobre a parcela que exceder a 500 kWh/mês.

DO DIREITO

A Constituição da República estabelece, sobre a concessão de serviços públicos, dentre eles os de energia elétrica:

“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter serviço adequado.

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.”

Visando regulamentar o art. 175 acima, foi editada a Lei n.º 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que criou a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a qual teria como funções precípuas:

“Art. 3o Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:

I – implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995;


II – promover as licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos;

III – definir o aproveitamento ótimo de que tratam os §§ 2o e 3o do art. 5o da Lei n.º 9.074, de 7 de julho de 1995; IV – celebrar e gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, expedir as autorizações, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços de energia elétrica;

V – dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores;

VI – fixar os critérios para cálculo do preço de transporte de que trata o § 6o do art. 15 da Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos;

VII – articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação dos preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos;

VIII – estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)

IX – zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)

X – fixar as multas administrativas a serem impostas aos concessionários, permissionários e autorizados de instalações e serviços de energia elétrica, observado o limite, por infração, de 2% (dois por cento) do faturamento, ou do valor estimado da energia produzida nos casos de autoprodução e produção independente, correspondente aos últimos doze meses anteriores à lavratura do auto de infração ou estimados para um período de doze meses caso o infrator não esteja em operação ou esteja operando por um período inferior a doze meses. (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)

Parágrafo único. No exercício da competência prevista nos incisos VIII e IX, a ANEEL deverá articular-se com a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. (Parágrafo único acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)”

Como a ANEEL foi totalmente incapaz de gerenciar o setor elétrico, levando o Brasil à maior crise energética dos últimos anos, o Governo Federal, após manter-se omisso apenas contemplando a crise que se avizinhava, editou a Medida Provisória n.º 2.147, que criou e instalou a GCE – Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica “com o objetivo de propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica”.

Por fim, visando “resolver” a crise energética, a GCE editou a Resolução n.º 4, de 22 de maio de 2001, que dentre outras medidas determinou (DOC. 02):

“Art. 3º Os consumidores residenciais deverão observar meta de consumo de energia elétrica correspondente a:

I – 100% da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja inferior ou igual a 100 kWh; e

II – 80% da média do consumo mensal verificado nos meses de maio, junho e julho de 2000, para aqueles cuja média de consumo mensal seja superior a 100 kWh garantida, em qualquer caso, a meta mensal mínima de 100 kWh.

Parágrafo 1.º Na impossibilidade de caracterizar-se a efetiva média do consumo mensal referida neste artigo, fica a concessionária autorizada a utilizar qualquer período dentro dos últimos 12 meses ,observando, sempre que possível, uma média de até três meses.

Parágrafo 2.º Os consumidores que descumprirem a respectiva meta fixada na forma do “caput” ficarão sujeitos a suspensão do fornecimento de energia elétrica, após 48 horas da entrega da conta que caracterizar o descumprimento da meta e contiver advertência expressa.

Parágrafo 3.º A suspensão de fornecimento de energia elétrica a que se refere o Parágrafo 2º terá a duração:


I – máxima de três dias, quando da primeira inobservância da meta fixada na forma do “caput”; e

II – mínima de quatro dias e máxima de seis dias, em caso de reincidência.

Art. 4.º Aplicam-se aos consumidores residenciais, a partir de 04 de junho de 2001, as seguintes tarifas:

I – para a parcela do consumo mensal inferior ou igual a 200 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;

II – para a parcela do consumo mensal superior a 200 kWh e inferior ou igual a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL multiplicada pelo fator de 1,5;

III – para a parcela do consumo mensal superior a 500 kWh, a tarifa estabelecida em Resolução da ANEEL multiplicada pelo fator de 2,0.

Parágrafo 1.º Aos consumidores residenciais cujo consumo mensal seja inferior à respectiva meta conceder-se-á bônus individual (Bn) calculado da seguinte forma:

I – para o consumo mensal igual ou inferior a 100 kWh, Bn=2.(Tn-Tc), onde:

a) Tn corresponde ao valor, calculado sob a tarifa normal, da respectiva meta de consumo, excluídos impostos, taxas ou outros ônus ou cobranças incluídas na conta; e

b) Tc corresponde ao valor tarifado do efetivo consumo do beneficiário, excluídos impostos, taxas e outros ônus ou cobranças incluídos na conta;

II – para o consumo mensal superior a 100 kWh, Bn será igual ao menor valor entre aquele determinado pela alínea “c” deste inciso e o produto de CR por V, sendo:

a) CR = s/S, onde s é a diferença entre a meta fixada na forma do art. 3º e o efetivo consumo mensal do beneficiário, e S é o valor agregado destas diferenças para todos os beneficiários;

b) V igual à soma dos valores faturados em decorrência da aplicação dos percentuais de que tratam os incisos II e III do “caput” deste artigo e destinados ao pagamento de bônus, deduzidos os recursos destinados a pagar os bônus dos consumidores de que trata o inciso I;

c) o valor máximo do bônus por kWh inferior ou igual à metade do valor do bônus por kWh recebido pelos consumidores de que trata o inciso I.

Parágrafo 2.º O valor do bônus calculado na forma do Parágrafo 1.º não excederá ao da respectiva conta mensal do beneficiário.

Parágrafo 3.º Observado o disposto nos Parágrafos 4º e 5º deste artigo, fica mantida a classificação atualmente empregada de consumidor de baixa renda.

Parágrafo 4.º Nos casos em que a classificação como consumidor de baixa renda é feita com base no consumo mensal e sem relação com indicadores socioeconômicos, o valor referencial da classificação deverá ser reduzido na proporção das metas estabelecidas nesta resolução.

Parágrafo 5.º Novos consumidores serão regularmente classificados segundo os critérios já regulamentados para cada empresa.

Art. 5.º Caberá às concessionárias distribuidoras, segundo diretrizes a serem estabelecidas pela GCE, decidir sobre os casos de consumidores residenciais sujeitos a situações excepcionais”.

Violação ao Princípio da Legalidade.

O princípio da legalidade surge com o Estado de Direito e é um de seus pressupostos. Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello (1) “é o fruto da submissão do Estado à lei”. Sua concepção surgiu explicitamente no art. 4.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789:

“Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei”.

No Brasil, passou a ter sede constitucional na Carta de 1891 que em seu art. 72, § 1.º, estabeleceu: “Ninguém pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei”. A partir daí foi reproduzido em todas as Constituições (2), com exceção da Constituição de 1937.

Em face deste princípio, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, ou seja, apenas a lei pode limitar a liberdade individual das pessoas. No presente caso, porém, a Resolução n.º 4 do GCE, que não é lei, impôs várias limitações à liberdade individual das pessoas, prevendo, inclusive, sanções indevidas para o caso de descumprimento destas obrigações. Dessa forma, evidente a violação do princípio constitucional da legalidade a eivar de nulidade a referida Resolução. Corte do fornecimento de energia elétrica.

Segundo os preceitos acima citados, os consumidores residenciais que utilizarem acima de 100 kWh/mês, deverão reduzir em 20% (vinte por cento) o seu consumo mensal, sob pena de ter interrompindo o fornecimento de energia elétrica por 3 (três) dias. Esta interrupção será de até 6 (seis) dias no caso de reincidência e o consumidor, ainda, terá que pagar uma taxa para ter restabelecido seu fornecimento, conforme entrevista com o Ministro Pedro Parente, veiculada no periódico Folha de São Paulo, em 23 de maio de 2001, pág. B1: “Quem tiver sua luz cortada terá de pagar o custo da religação. Essa taxa é hoje de aproximadamente R$ 10, segundo Parente” (DOC. 03).

Também foram estabelecidos critérios de redução de consumo para os consumidores industriais e comerciais, os quais, se não cumpridos, levarão ao corte no fornecimento da energia elétrica. O tema concernente ao corte no fornecimento de energia elétrica não é novo e já foi levado ao Poder Judiciário nos casos de inadimplência.

O fornecimento de energia elétrica é um serviço público de natureza essencial, conforme disposto no art. 10, da Lei n.º 7.783/89, que trata do exercício do direito de greve:

“Art.10 – São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos.” (grifei).

Tal é a sua importância que, ao regulamentar o direito de greve nessas atividades consideradas essenciais, ainda sim, determinou-se ser imprescindível a continuidade do serviço, conforme o teor dos arts. 9.º e 11, do já mencionado diploma legal:

“Art. 9.º – Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento…”

Art.11 – Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”

Ainda dispondo a lei de greve sobre a necessidade da continuidade da prestação dos serviços essenciais, explicitou-se que o próprio Poder Público tem o dever de assegurá-lo em caso de descumprimento da sua manutenção:

“Art.12 – No caso da inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis.”

O Código de Defesa do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, legislação posterior à anteriormente citada, em seu art. 22, dispõe:

“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las, e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.”

Em comentário ao princípio da continuidade do serviço público, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, mencionou:

“A segunda inovação importante é a determinação de que os serviços essenciais – e só eles – devem ser ‘contínuos’, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito á continuidade do serviço.

Tratando-se de serviço essencial e não estando ele sendo prestado com continuidade, o consumidor pode postular em juízo que se condene a Administração a fornecê-lo. (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, Coordenador Juarez de Oliveira, São Paulo: Editora Saraiva, 1991, p. 110)

Instado a apreciar a matéria, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça decidiu de forma reiterada: “Corte no fornecimento de água. Inadimplência do consumidor. Ilegalidade.

1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. 2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido (STJ – Recurso Especial n.º 122812 – Primeira Turma – Relator Milton Luiz Pereira – DJ 26/03/2001 – pág. 369).

ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CORTE DE FORNECIMENTO. MUNICÍPIO INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE. – O corte de energia elétrica em prédio do Município atinge não somente aquele ente público, mas o próprio cidadão, porquanto a inviabilidade da utilização do prédio e a conseqüente deficiência na prestação dos serviços decorrentes, atinge diretamente todos os munícipes. – O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito. – Precedentes. – Recurso provido. (STJ – Recurso Especial n.º 278532 – Primeira Turma – Relator Francisco Falcão – DJ 18/12/2000 – pág. 166).

SERVIÇO PÚBLICO. – ENERGIA ELÉTRICA – CORTE NO FORNECIMENTO – ILICITUDE. I. É viável, no processo de ação indenizatória, afirmar-se, incidentemente, a ineficácia de confissão de dívida, à míngua de justa causa. II – É defeso à concessionária de energia elétrica interromper o suprimento de força, no escopo de compelir o consumidor ao pagamento de tarifa em atraso. O exercício arbitrário das próprias razões não pode substituir a ação de cobrança. (STJ – Recurso Especial n.º 223778 – Primeira Turma – Relator Humberto Gomes de Barros – DJ 13/03/2000 – pág. 143).” Assim, como vemos, ao contrário do que pretendem as rés, impossível o corte de fornecimento de energia elétrica, ainda mais inexistindo inadimplência.

Cobrança de sobretaxa

A mencionada Resolução também estabeleceu a cobrança de sobretaxas para os consumidores que excederem determinados limites de consumo mensal de energia elétrica. Esta sobretaxa, na realidade, consiste em pena de multa estabelecida para as pessoas que cometerem o “ilícito administrativo” de consumir além de certas quotas.

Solução idêntica já foi adotada pelo Município de São Paulo, em caso análogo, no qual era cobrado uma “sobretaxa” de 200% (duzentos por cento) sobre o valor do IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano para as pessoas que deixassem de observar alguns preceitos referentes às normas de construção.

Referido caso foi levado à apreciação do Egrégio Supremo Tribunal Federal que, adotando brilhante relatório do Ministro Moreira Alves, decidiu (íntegra – DOC. 04): “Acréscimo de 200% ao imposto imobiliário sobre imóveis onde haja construções irregulares. Acréscimo que configura sanção a ilícito administrativo. O artigo 3. do CTN não admite que se tenha como tributo prestação pecuniária compulsória que constitua sanção de ato ilícito. O que implica dizer que não é permitido, em nosso sistema tributário, que se utilize de um tributo com a finalidade extrafiscal de se penalizar a ilicitude. Tributo não é multa, nem pode ser usado como se o fosse. Se o município quer agravar a punição e quem constrói irregularmente, cometendo ilícito administrativo, que crie ou agrave multas com essa finalidade. O que não pode – por ser contrário ao artigo 3. do CTN, e, conseqüentemente, por não se incluir no poder de tributar que a Constituição federal lhe confere – é criar adicional de tributo para fazer as vezes de sanção pecuniária de ato ilícito. Recurso Extraordinário conhecido e provido, declarada a inconstitucionalidade da redação dada, pela Lei n. 7.785, de 20 de setembro de 1972, ao inciso I do artigo 15 da Lei n. 6.989, já alterado pela Lei n. 7.572, de 29 de dezembro de 1970, todas do município de São Paulo.(STF – Recurso Extraordinário n.º 94001 – Tribunal Pleno – Relator Ministro Moreira Alves – DJ 11/06/1982 – pág. 5680).”

Assim, ilegal a cobrança destas “sobretaxas”, as quais, tal qual a ameaça de corte, devem ser afastadas do nosso ordenamento jurídico. Como vemos, a “sobretaxa” está sendo usada como adicional de tributo a servir como multa para infrações administrativas, em flagrante violação a preceitos constitucionais e legais.

Além disto, as referidas “multas” estão sendo aplicadas sem qualquer observância do devido processo legal, o que também acaba por violar preceitos constitucionais.

Agora, caso Vossa Excelência entenda pela legalidade da cobrança da “sobretaxa”, o que se admite apenas ad argumentandum tantum, ela deverá ser reduzida a patamares razoáveis, uma vez que uma sobretaxa de 200% (duzentos por cento) tem nítida natureza confiscatória.

Neste sentido manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria referente à multa moratória (íntegra – DOC. 05): “ICM. REDUÇÃO DE MULTA DE FEIÇÃO CONFISCATÓRIA. TEM O S.T.F. ADMITIDO A REDUÇÃO DE MULTA MORATÓRIA IMPOSTA COM BASE EM LEI, QUANDO ASSUME ELA, PELO SEU MONTANTE DESPROPORCIONADO, FEIÇÃO CONFISCATÓRIA. DISSÍDIO DE JURISPRUDÊNCIA NÃO DEMONSTRADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (STF – Recurso Extraordinário n.º 91707/MG – Segunda Turma – Relator Ministro Moreira Alves – DJ 29/02/1980 – pág. 975).

Assim, caso sejam mantidas as sobretaxas, deve ser admitida apenas a de 50 % (cinqüenta por cento) ou, ainda, reduzida a de 200 % (duzentos por cento) para patamar inferior, em homenagem ao princípio da razoabilidade, a fim de que não possua característica confiscatória.

DA LEGITIMIDADE E DO INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Assim dispõe a Constituição Federal:

“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

………………………………

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

………………………………

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.” (grifei)

A vontade legislativa que inspirou este dispositivo, mesmo antes de sua existência, já se manifestara na Lei n.º 7.347 de 24.07.1985, que trouxe ao ordenamento jurídico a chamada ação civil pública para defesa dos direitos transindividuais e indivisíveis, assim entendidos os chamados direitos e interesses individuais e coletivos.

A Constituição de 1988, além de reafirmar o que a legislação ordinária já contemplava, permitiu ao Ministério Público o exercício de outras funções institucionais, desde que atento às suas finalidades.

Assim, no presente caso, compete ao Ministério Público Federal a defesa dos interesses de um número indeterminado de pessoas, cuja segurança e direitos se encontram ameaçados pela desastrosa Resolução n.º 4 do GCE e demais medidas ilegais e inconstitucionais adotadas pelas rés visando supostamente solucionar a crise energética que assola o País.

DO ÂMBITO DE PRODUÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES 3

A presente ação civil pública visa combater medidas adotadas pela União e ANEEL que possuem efeitos em âmbito nacional.

Assim, as decisões que suspenderem a eficácia destes preceitos também deverão ter âmbito nacional, afastando-se o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública que, ao restringir os efeitos da sentença aos “limites da competência territorial do órgão prolator” é ineficaz e inconstitucional.

Sobre o tema, muito bem aduziu o Procurador da República André de Carvalho Ramos: ” (…). Esta é a sistemática da tutela coletiva em nosso país, que traduziu-se pela adoção da teoria da coisa julgada secundum eventum litis. “A eficácia ultra partes e erga omnes da coisa julgada relacionam-se com os limites subjetivos desta, já que os interesses tratados pela ação coletiva são em geral indivisíveis pela sua natureza ou pela política legislativa favorável a uma efetiva tutela de direitos.

“Tal teoria da coisa julgada, adotada pelo legislador infraconstitucional (CDC e LACP), dá substância ao princípio constitucional da universalidade da jurisdição e do acesso à justiça.

“E a decorrência do tratamento coletivo das demandas é o sistema de substituição processual (ou legitimação adequada, concorrente e disjuntiva), que possibilita a tutela destes interesses transindividuais por entes como Ministério Público.

“Se o autor é substituto processual de todos os interessados, não se pode limitar os efeitos de sua decisão judicial àqueles que estejam domiciliados no estrito âmbito da competência territorial do Juiz.

“Como salienta o douto Ernane Fidélis dos Santos, ‘nas hipóteses de substituição processual, sujeito da lide é o substituído, sofrendo as conseqüências da coisa julgada’.

“Isso pois o caso de limitação seria não de competência, mas de jurisdição. Se o Juiz de 1º Grau pode conhecer da ação de um substituto processual como o Ministério Público, deve sua decisão valer para todos os substituídos.

“Isso pois, como esclarece a douta Juíza Federal Marisa Vasconcelos, ‘não é critério determinante da extensão da eficácia da coisa julgada material, na ação civil coletiva, a competência territorial do órgão julgado, mas o contrário, o critério determinante dessa extensão reside na amplitude e na indivisibilidade do dano ou ameaça de dano que se pretende evitar’ (4).

“Nas lides coletivas fica patente que o Juiz, ao prolatar decisão benéfica, atinge com isso todos que se encaixem na situação objetiva analisada. Destarte, a real extensão da aplicação da decisão judicial, seja ela definitiva, seja ela provisória, não deve limitar-se ao âmbito regional de competência territorial do órgão prolator. Tal competência territorial só é utilizada para fixar qual Juiz deve conhecer e julgar a causa.

(…)

“Assim, o efeito erga omnes da coisa julgada é conseqüência da aceitação da forma coletiva de se tratar litígios macrossociais. Não pode ser restringido tal efeito por lei ou por decisão judicial sob pena de ferirmos a própria Constituição do Brasil. (…)

“Com isso, fica demonstrado que se a Constituição Brasileira, dentro do modelo do Estado Democrático de Direito abraçado, busca, antes de tudo, o acesso à justiça, sendo decorrência disso o tratamento coletivo das demandas. Nada mais certo que a ampliação dos efeitos benéficos de decisão judicial para todos os interessados.

“Ainda são atendidos outros princípios constitucionais, em virtude da identidade de prestação jurisdicional a indivíduos que se encontram em condições iguais, respeitando-se, então, o princípio da isonomia.

“Assim sendo, a Lei 9.494/97, que converteu em lei a MedProv 1.570 é inócua. A competência territorial serve apenas para fixar a competência do juízo. Os efeitos da decisão do Juiz são limitados somente, como frisei, pelo objeto do pedido, que quando for relativo aos interesses transindividuais, atingem a todos os que se encontram na situação objetiva em litígio, não importando onde o local de seu domicílio.

“Competente o juízo, então, devem os efeitos da decisão espalharem-se para todos os substituídos, tendo em vista todos os argumentos acima expostos.

(…)

“Urge, então, a desconsideração do art. 2º da Lei 9.494/97, para a preservação da tutela coletiva de direitos no Brasil.” (A Abrangência Nacional de Decisão Judicial em Ações Coletivas: O caso da lei 9.494/97 in Revista dos Tribunais, v. 755 (set/98), p.115). O brilhante Procurador cita dois precedentes jurisprudenciais a corroborar a sua posição:

“O Banco Mercantil de São Paulo S/A ajuizou a presente reclamação, alegando que, na Ação Civil Pública 580.262-2, que lhe moveu o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC, o 1º TACivSP, pela sua 11ª Câm., declarou a inconstitucionalidade, em relação a alguns aspectos da Lei 7.730/89, com efeito erga omnes, para todo o território nacional, ampliando, assim, a competência da Justiça local e dando-lhe a possibilidade de fixar normas para todo o Brasil em matéria de inconstitucionalidade de lei.

(…)

“Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais — matéria cujo exame não tem aqui cabimento — inevitável é reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora da jurisdição do órgão julgador, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu processamento e julgamento em Juízo de primeiro grau que, entre nós, também exerce controle constitucional das leis.” (STF, Reclamação n.º 602-6/SP, Relator Ministro Ilmar Galvão).

“Entretanto, há que ser analisadas quais seriam as conseqüências da alteração legislativa engendrada pelo Poder Executivo por intermédio da Lei n. 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei n. 7.347/85, para limitar seu poder de ação aos limites de competência territorial do órgão prolator. (…)

“Não há dúvida que, em certos casos, tal restrição aos limites objetivos da coisa julgada em ação civil pública traduz-se em flagrante retrocesso, especialmente quando se tem em mente que esse tipo de processo é essencial à manutenção da Democracia e do Estado-de-direito. Por outro lado, ele tem o condão de evitar que decisões conflitantes surjam ao redor desse país continental, inviabilizando políticas públicas relevantes, tomadas no centro do poder.

(…)

“No caso em exame, entretanto, não me parece que esteja havendo abuso na concessão da liminar ora atacada. É preciso ter em mente que o interesse em jogo é indivisível, difuso, não sendo possível limitar os efeitos da coisa julgada a determinado território.

“Perceba-se que a portaria impugnada foi editada por autoridade com competência nacional e sua área de ação também pretende ser nacional. Por sua vez, ou autor da demanda é o Ministério Público Federal, que é uma entidade una, cuja área de atuação, por sua vez, também abrange todo o território nacional.

“Assim, não me parece atender aos encômios da boa jurisdição exigir-se a propositura de tantas ações civis públicas quantas forem as subsidiárias da TELEBRAS. “Isso posto, recebo o presente recurso em seu efeito meramente devolutivo” (TRF-3.ª Região, 4.ª Turma, Agin n.º 98.03.017990-0, Relator Juiz Newton de Lucca).

O mesmo sentido, também já decidiu o Egrégio Tribunal Regional da 4.ª Região:

“ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DO SUS. TABELAS DE REMUNERAÇÃO. ACRÉSCIMO DE 9,56%. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EFEITO SUSPENSIVO DENEGADO. AGRAVO REGIMENTAL.

A modificação da redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 pela Lei nº 9.494/97, desacompanhada da alteração do art. 103 da Lei n.º 8.078/90, por parcial restou ineficaz, inexistindo por isso limitação territorial para a eficácia “erga omnes” da decisão prolatada em ação civil pública, baseada quer na própria Lei nº 7.347/85, quer na Lei nº 8.078/90. Decisão recorrida que se mantém por ausência de razões que determinem sua reforma” (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n.º 1999.04.01.091925-5/Rs, Relator Juiz Valdemar Capeletti).

Diante de todo o exposto, reconhecida a ineficácia e inconstitucionalidade do art. 16 da Lei n.º 7.347, alterado pela Lei nº 9.494/97, a tutela antecipada e a sentença proferidas na presente ação deverão produzir efeitos em âmbito nacional.

DA TUTELA ANTECIPADA

O objeto da presente ação é buscar a tutela jurisdicional para que sejam eliminadas de nosso ordenamento jurídico os preceitos contidos na Resolução n.º 4, do GCE (ou outros atos normativos que venham a ser editados com o mesmo teor) que determinam: 1) o corte do fornecimento de energia elétrica para as pessoas que não cumprirem as quotas nela estabelecidas; 2) a cobrança de sobretaxas para as pessoas que consumirem acima das quotas estabelecidas na Resolução e; 3) mantida a cobrança das sobretaxas, que elas sejam adequadas e cobradas de forma a não representarem medida confiscatória.

Porém, para que o provimento jurisdicional possua utilidade e efetividade, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, além da verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, necessária a concessão de tutela antecipada para suspender os combatidos preceitos da Resolução n.º 4, do GCE, bem como outros atos normativos no mesmo sentido que venham a ser editados, compelindo as rés a não promoverem ou determinarem o corte do fornecimento de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas ou, ao menos, que a sobretaxa seja cobrada da forma acima defendida.

A Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, ao dar nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pleito inicial:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.”

Sobre o tema em tela, o ilustre processualista Cândido Rangel Dinamarco aduz:

“O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males do tempo no processo.” (in “A Reforma do CPC”, 2ª ed., ver. e ampl., São Paulo, Malheiros Editores, 1995).

Por conseguinte, trata-se o instituto da tutela antecipada da realização imediata do direito, já que dá ao autor o bem por ele pleiteado. Dessa forma, desde que presentes a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, a prestação jurisdicional será adiantada sempre que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Assim, verificamos que as condições para que o magistrado conceda a tutela antecipada, são: a) verossimilhança da alegação; b) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e, comentando tais requisitos, o Juiz Federal Teori Albino Zavascki pondera que:

“Atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição a direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (…) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade” (Antecipação da Tutela, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, fls. 75-76).

Araken de Assis, em sua obra “Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela”, Ed. Revista dos Tribunais, p. 30, assevera que “a verossimilhança exigida no dispositivo se cinge ao juízo de simples plausibilidade do direito alegado em relação à parte adversa. Isso significa que o juiz proverá com base em cognição sumária”.

Assim, o juízo de verossimilhança reside num juízo de probabilidade, resultante da análise dos motivos que lhe são favoráveis e dos que lhe são desfavoráveis. Se os motivos favoráveis são superiores aos desfavoráveis, o juízo de probabilidade aumenta.

Mister analisar que na ação civil pública a antecipação de tutela ganha relevância ainda maior já que com ela visa-se tutelar interesses difusos, coletivos e coletivos lato sensu, bens de vida de toda sociedade, como ocorre no presente caso. Nessa esteira, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, em seu monumental Código de Processo Civil Comentado, comentam:

“3. Antecipação da tutela. Pelo CPC 273 e 461, § 3°, com a redação dada pela L 8952/94, aplicáveis à ACP (LACP 19), o juiz pode conceder a antecipação da tutela de mérito, de cunho satisfativo, sempre que presentes os pressupostos legais. A tutela antecipatória pode ser concedida quer nas ações de conhecimento, cautelares e de execução, inclusive de obrigação de fazer. V. coment. CPC 273, 461, § 3° e CDC 84, § 3° .” (3ª edição, revista e ampliada, Revista dos Tribunais, 1997, p. 1.149)

No caso em tela, os requisitos exigidos pelo diploma processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se devidamente preenchidos.

A existência do fumus boni iuris mostra-se clara, visto que há límpida inobservância de diversos princípios constitucionais fundamentais, da defesa do consumidor, bem como de diversas normas egais.

A urgência, ou periculum in mora, também restou caracterizada tendo em vista que as medidas ora guerreadas entram em vigor a partir de 04 de junho do corrente, quando serão efetivamente aplicadas, o que certamente imporá grandes sacrifícios à coletividade, causando-lhe inevitavelmente danos irreparáveis ou de difícil reparação. Além do mais, cabe analisar que milhares de pessoas encontram-se na situação narrada nos autos.

Portanto, está em jogo questão de interesse público, de toda uma coletividade, com direito verossímil, face às provas acostadas, devendo-se assim privilegiar este, com fulcro no princípio da supremacia do interresse público, antecipando-se a tutela pretendida.

Assim, presentes os requisitos necessários à concessão da tutela antecipada, requer o Ministério Público Federal, com espeque no art. 12 da Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985, o seu deferimento, inaudita altera parte, para os fins de suspender os combatidos preceitos da Resolução n.º 4, do GCE, bem como outros atos normativos no mesmo sentido que venham a ser editados, compelindo as rés a não promoverem ou determinarem o corte do fornecimento de energia elétrica e a cobrança de sobretaxas ou, ao menos, que a sobretaxa seja cobrada de forma não-confiscatória, tudo nos termos do acima sustentado.

Requer-se ainda, com supedâneo no art. 12, § 2.º, da Lei n.º 7.347/85, para o caso de descumprimento da ordem judicial, a cominação de multa diária em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e para cada corte ou cobrança indevida realizada, quantia mínima necessária para que se tenha um eficiente meio de pressão sobre as rés, com o fito de que sejam compelidas a cumprir a decisão proferida.

DOS PEDIDOS

Concedida a tutela antecipada pleiteada, no mérito, o Ministério Público Federal requer:

1) a citação das rés, para, querendo, contestar a ação, sob pena de revelia;

2) seja a ação julgada procedente para o fim de ANULAR os preceitos que determinam: o corte do fornecimento de energia elétrica para as pessoas que não cumprirem os percentuais de redução de consumo previstos nas Resoluções da GCE e demais atos normativos que venham a ser editados;

a cobrança de “sobretaxas” para as pessoas que excederem certos limites de consumo mensal ou, caso mantida a sua cobrança, que elas sejam cobradas em percentuais que não configurem confisco, observando-se o princípio da razoabilidade, conforme sustentado nesta inicial;

3) sejam as rés condenadas à obrigação de não-fazer consistente em não determinarem ou realizarem o corte do fornecimento da energia elétrica ou a cobrança de sobretaxas conforme acima requerido;

4) seja fixada multa diária para o caso de descumprimento da sentença proferida, em valor fixado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 10.000,00 por dia, por cada corte ou cobrança indevida realizada.

Protesta pela produção posterior de outras provas juridicamente admitidas.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais.

Termos em que,

Pede deferimento.

Marília, 23 de maio de 2001.

JEFFERSON APARECIDO DIAS

Procurador da República

Veja a Emenda feita pelo MPF e a liminar de Marília concedida contra as medidas.

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