Crise da energia

Sayad propõe feriado às segundas-feiras para economizar energia

Autor

23 de maio de 2001, 0h00

As coisas que dão muito certo acabam dando errado. O capitalismo, por exemplo, deu certo. Há 300 anos, homens e mulheres dormem e acordam pensando em trabalhar, comprar, vender e economizar. O mundo ficou riquíssimo, inventamos coisas do arco da velha, como automóveis, televisões e viagens à Lua.

A população cresceu continuamente neste período, sem diminuir uma só vez, apesar das epidemias de varíola, cólera, gripe espanhola, guerras cruéis, Holocausto, Hiroshima e Aids. Mais 100 anos e seremos 12 bilhões de seres humanos, duas vezes mais do que hoje.

Nunca havia acontecido isto antes na História da humanidade. Mesmo assim, há tempos que não falta nada. A prova de que não falta nada é a proliferação de anúncios na televisão, nos carros, nas ruas, nos jornais, nos outdoors que gritam e nos atordoam com tanta luz. O valor de um negócio, hoje em dia, é medido principalmente pelo tamanho e fidelidade do mercado consumidor. O que vale é a marca na memória dos consumidores. Não falta produção.

Em 1974, a guerra velha de 2.000 anos entre judeus e cananeus fez com que faltasse petróleo. Não falta mais, já mudamos de assunto. Desde 1980, com Reagan, Thatcher e o neoliberalismo, a única coisa que falta é dinheiro.

Dinheiro, entretanto, é como figurinha de álbum de coleção. Falta porque o editor quer que falte; falta porque, se não faltasse, economia e ética do capitalismo (trabalhar e economizar) perderiam o

sentido. Seria prematuro, pois ainda não encontramos outro sentido para a vida.

A falta de dinheiro é arquitetada apenas para tornar o jogo mais interessante. Como se mudássemos as regras do futebol ou do bridge porque estavam ficando sem graça. O desafio de produzir mais de tudo, mais eficientemente e mais barato, já foi resolvido. Entretanto, continuamos a pensar e reagir como os pára-quedistas aliados dos filmes preto e branco sobre a Segunda Guerra, que tomam sopa aguada, fumam cigarros pela metade, correm atrás de frangos no quintal da casa da francesa, roubam ovos e se deliciam com pedaços de pão velho.

O dinheiro invadiu todos os espaços da vida. Uma peça de teatro é oportunidade para propaganda, o aeroporto é um free shop, a cidade, um shopping center.

No mundo, a falta de dinheiro criou excesso de mão-de-obra -desemprego. No caso do Brasil, a falta artificial de dinheiro acabou criando falta real de energia elétrica. O governo não deu dinheiro para investir em novas usinas termelétricas ou em transmissão de energia do Nordeste para o Sudeste. Depois de muito tempo, vai faltar uma coisa de verdade – eletricidade.

Nesta situação, o mercado deveria funcionar assim: sobe o preço, aumenta o lucro do produtor de energia elétrica, que investe na produção de mais energia, aumenta a produção, o preço cai e o problema se resolve.

No caso da energia elétrica, o sistema de preços é mais complicado. Quando os reservatórios têm água abundante, o preço deveria ser muito baixo e igual ao custo da água que faz girar a turbina, que é muito baixo para remunerar o investidor.

É problema complexo e difícil de ser resolvido. Os grandes teóricos do assunto são os franceses, que trabalhavam nos anos 40 e 50 na Eletrecité de France, a estatal francesa de energia elétrica. Quando a demanda é maior do que a oferta, o preço da energia elétrica é preço como outro qualquer. Pode subir, e assim aumentam os lucros e os investimentos no setor.

O governo acabou de anunciar um pacote de medidas para reduzir o consumo face a falta prevista para o inverno brasileiro no Sudeste. Não podemos deixar os preços funcionar livremente em país de ricos e pobres. Os ricos agüentam qualquer preço, relativamente ao que os pobres podem pagar.

O governo escolheu um sistema de quotas – cada domicílio pode consumir o que gastava no ano passado e precisa reduzir o consumo em 20%. Desobedeceu é punido com multa de 200% e corte de energia. O sistema é muito complicado, são necessárias muitas exceções para os hospitais, para os doentes em casa, para isso e para aquilo. Ainda não ouvi falar em prisão para os infratores, mas a proposta parece com os piores sistemas de racionamento da economia soviética.

Quem vai ficar com o lucro e as multas? O setor elétrico que antes não investiu? Ou o governo vai, mais uma vez, resgatar dívida pública em vez de investir em eletricidade? A melhor solução, como sempre, seria a mais simples – decretar feriado para todas as segundas-feiras de junho até novembro, a melhor estação da região Sudeste. São dias ensolarados, frescos e secos, noites claras e estreladas. Poderíamos passear, ir à praia, andar por ruas vazias, sem vitrinas acesas, sem outdoors iluminados. A proposta não requer medições complexas de consumo de energia elétrica ou administração de exceções. Atinge a todos igualmente já que o dia e a noite se alternam igualmente para ricos e pobres, produtores e consumidores, comércio e indústria.

Os feriados adicionais podem ser aproveitados para ler, assistir a espetáculos musicais sem aparelhos de som ensurdecedores ou escrever cartas. Além disso, o feriado adicional traria a vantagem de reduzir a jornada de trabalho semanal. A falta de dinheiro criou falta de energia. Agora, a falta de energia poderia acabar com o desemprego. As segundas-feiras seriam dias de retiro, longe do carnaval do dinheiro. O Brasil seria o único país do mundo com um dia da semana em que as pessoas não podem ir ao cinema, a parques temáticos, nem sentar na frente do computador ou ver televisão.

A medida é tão revolucionária que atrairia turistas do mundo inteiro e,portanto, dólares, outra coisa que realmente falta por aqui. Uma foto da Nasa mostra que, à noite, a Terra fica toda iluminada pelas lâmpadas das cidades. Nas segundas-feiras, o Brasil seria o único país do mundo no escuro. Poderíamos ouvir estrelas e parar para pensar.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!