Leilão suspenso

Justiça suspende leilão do Porto de Itajaí em Santa Catarina

Autor

21 de maio de 2001, 12h46

O leilão do Porto de Itajaí, em Santa Catarina, foi suspenso. A liminar foi concedida pelo juiz federal substituto Franco Mattos e Silva. A medida foi solicitada em uma Ação Civil Pública ajuizada pela Associação Ecológica Resistência Verde e pelo Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos de Itajaí e Florianópolis.

As entidades argumentaram que não foram feitos o “Estudo e Relatório de Impacto Ambiental” (EIA/Rima) necessários para a elaboração do projeto básico da concorrência. Também alegaram que a licença prévia deveria ter sido dada pelo Ibama e não pelo órgão estadual, a Fatma, como ocorreu.

O juiz acatou a argumentação de que a competência para o licenciamento é do Ibama, uma vez que a área a ser licitada integra a zona costeira, sendo patrimônio nacional. Ele também considerou irregular a falta de estudo de impacto ambiental.

Com a decisão, a Superintendência do Porto de Itajaí está proibida de dar continuidade ao processo, mas poderá confeccionar um novo projeto básico para o arrendamento. A multa para o caso de descumprimento foi estabelecida em R$ 5 milhões.

Leia, na íntegra, a decisão do juiz.

PROCESSO N°: 2001.72.08.001026-9

DECISÃO

Cuida-se de ação civil pública, com pedido de medida liminar, movida pela ASSOCIAÇÃO ECOLÓGICA RESISTÊNCIA VERDE e pelo SINDICATO DOS CONFERENTES DE CARGA E DESCARGA NOS PORTOS DE ITAJAÍ E FLORIANÓPOLIS em face da UNIÃO, do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, da FUNDAÇÃO DE AMPARO TECNOLÓGICO AO MEIO AMBIENTE – FATMA, do MUNICÍPIO DE ITAJAÍ-SC, da SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE ITAJAÍ, do PRESIDENTE DA COMISSÃO ESPECIAL DE LICITAÇÃO – Edital de Licitação nº 005/2001 (Silvio Gugelmin), de JANDIR BELLINI, de AMÍLCAR GAZANIGA e de HOLLANDSCHE AANNEMING MAATSCHAPPIJ, BV.

Dizem os autores que, antes mesmo do processo de licitação para o arrendamento do Porto de Itajaí (Edital nº 005/2001), foram iniciadas as obras de ampliação e modernização do mesmo, com o fracionamento do empreendimento. Assim, visam os réus a burlar a necessidade do processo integral de licitação, desrespeitando normas ambientais, como a necessidade de licença prévia junto ao órgão ambiental responsável. Procuram evitar, assim, responsabilidades que adviriam de um detalhado estudo de impacto ambiental.

Foram iniciadas obras de dragagem “por injeção de água”. Entretanto, diz que, na verdade, cuida-se de dragagem combinando “a injeção de água com a remoção por meio de dragas autotransportadoras”, conforme depoimento prestado pelo Contra-almirante da Marinha do Brasil José Ribamar Miranda Dias.

No que se refere à dragagem do canal de acesso ao Porto, a antiga ADHOC (atual Superintendência do Porto de Itajaí) firmou contrato de prestação de serviço com a empresa HAM – Hollandesche Aanneming Maatschappij, BV, com 12 meses de duração, sem o necessário processo licitatório. Ainda, alterou-se o referido contrato, permitindo a utilização da draga, em regime de “afretamento”, com isenção de imposto de renda de 25% na fonte e de imposto sobre serviços.

Destarte, dizem que a atual Superintendência do Porto de Itajaí considerou a obra de dragagem como um todo, deixando uma brecha no contrato, tendo por escopo fracionar a obra e evitar o necessário processo licitatório.

Alegam, também, a falta de licenciamento ambiental competente para as obras portuárias anteriores ao edital de arrendamento. Os réus negam-se a elaborar o estudo e o relatório de impacto ambiental, que seriam indispensáveis à obra.

Não bastasse isto, a Superintendência do Porto de Itajaí buscou licenciamento prévio junto à FATMA, desprezando o órgão federal responsável, no caso o IBAMA. Levantam a suspeita de que o fato de o Órgão Ambiental Estadual (FATMA) ser subordinado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, cujo secretário foi vice-prefeito, em 1997/2000, ao lado do atual Administrador Municipal, somado ao fato de o irmão do respectivo secretário fazer parte da administração do Porto de Itajaí, reforçou a opção pela escolha da FATMA como licenciadora do projeto.

Ainda, as obras de recuperação do Talude e do Molhe Sul também se encontram sem o devido licenciamento ambiental a cargo do IBAMA. O licenciamento estadual foi obtido sem qualquer estudo de impacto ambiental e sem o respectivo relatório (EIA e RIMA).

Inexistiu, também, apreciação do Conselho de Autoridade Portuária, desrespeitando-se, por conseguinte, o artigo 30, § 1º, da Lei nº 8.630/93. Dizem que o Município de Itajaí lançou o Edital de Licitação nº 005/2001, objetivando contratar, mediante arrendamento, a administração e a exploração de instalações portuárias localizadas dentro da área do Porto de Itajaí, visando à implantação do “Terminal de Contêineres do Vale do Itajaí – TECONVI”, tendo o dia 26 de abril deste ano, como data para a entrega da documentação necessária.


Dizem que o mencionado edital fere o princípio da publicidade, ante a indisponibilidade do mesmo e de seus anexos para a fiscalização de qualquer cidadão.

Alegam desrespeito aos incisos XIX, XXI e § 1º da cláusula sexta do Convênio nº 008/97, celebrado entre a União, por intermédio do Ministério dos Transportes, e o Município de Itajaí. Assim, inexistiu no edital de licitação em comento previsão de reajustes de tarifas (inciso XIX). Não houve preocupação com a devida proteção ambiental (inciso XXI), inexistindo licenças ambientais junto ao IBAMA. O programa entabulado no Edital de Licitação nº 005/2001 também deixou de ser submetido ao Conselho Nacional de Desestatização – CND (§ 1º), contrariando os princípios da legalidade, da moralidade, visto que, além de desrespeitar o Convênio acima em epígrafe, violou os termos da Portaria nº 168/2000 (prorrogada pelo Portaria nº 410/2000), a qual prevê a edição de normas para uniformização dos arrendamentos portuários.

Entendem que o Órgão Ambiental Estadual (FATMA) vem dificultando o acesso a qualquer tipo de informação, com o fim de retardar a propositura de ação judicial, o que possibilitaria a ilegal conclusão do processo licitatório. Não obstante, alegam ter confirmado junto ao IBAMA que o Edital de Licitação nº 005/2001 não possui licenciamento ambiental prévio junto àquele Órgão Federal.

Diante de tais fatos, sustentam que o IBAMA está sendo omisso, deixando de fiscalizar e exigir o necessário licenciamento referente à dragagem do canal de acesso ao porto (“Saco da Fazenda”) e obras de recuperação do Talude e da Plataforma do Molhe Sul, não obstante o fato de o Órgão em questão ter conhecimento de sentença de mérito atribuindo-lhe esta competência.

Dizem que, em conformidade com a sentença prolatada nos autos da ação civil pública nº 1999.72.08.006723-4, que tramitou neste Juízo, é o IBAMA o Órgão Ambiental competente para promover o licenciamento do projeto contemplado no Edital de Licitação nº 005/2001, sendo necessário também determinar prévio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), visto que, além de se tratar de ampliação e expansão de zona portuária, que constitui patrimônio da União, está localizada em zona costeira, sendo classificada como patrimônio nacional, nos termos do artigo 225, § 4º, da Constituição Federal.

Enfim, sustentam que o projeto TECONVI, objeto do Edital de Licitação aqui em comento, causará danos ao meio ambiente natural e cultural, sendo que o prejuízo já está ocorrendo na zona portuária com a irregular implantação fracionada das obras.

Asseveram, por fim, que o fumus boni iuris está evidenciado por tudo o que restou exposto na inicial, enquanto o periculum in mora apresenta-se no risco de degradação ambiental, além do iminente prejuízo ao erário representado pela continuidade do processo licitatório.

Requerem, em liminar:

a) que seja reconhecida a competência do IBAMA para o licenciamento ambiental, com a necessária elaboração do EIA/RIMA para os fins previstos no Edital de Licitação nº 005/2001, reconhecendo-se, assim, a nulidade da licença prévia concedida pela FATMA;

b) a suspensão das obras de dragagem do canal de acesso ao Porto de Itajaí (“Saco da Fazenda”) e das obras de recuperação do Talude e da Plataforma de Estrutura do Molhe do Sul, além de outras que estejam sendo realizadas na área portuária, até que seja elaborado o EIA/RIMA e expedida a licença ambiental pelo IBAMA;

c) a suspensão do Contrato nº 16/99, firmado entre a ADHOC e a empresa HAM – HOLLANDSCHE AANNEMING MAATSCHAPPIJ, BV;

d) a suspensão do processo licitatório (Edital nº 005/2001) (fls. 02/593).

Foi determinada a intimação da União, do IBAMA, da FATMA, do Município de Itajaí e da Superintendência do Porto de Itajaí, para se manifestarem acerca do pedido de liminar (fl. 594).

A SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE ITAJAÍ manifestou-se sobre o pedido de liminar, sustentando preliminarmente:

a) a ilegitimidade ativa da “Associação Ecológica Resistência Verde”, vez que não possui um ano de existência mínima, contrariando o inciso I do artigo 5º da Lei nº 7.347/85;

b) a ilegitimidade ativa do “Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos de Itajaí e Florianópolis”, porquanto carece de “representatividade classista” e descumpre o inciso II do mencionado artigo 5º, vez que não tem por objetivo defender o meio ambiente, o consumidor, a ordem econômica, a livre concorrência, o patrimônio histórico, cultural, turístico, paisagístico e estético;

c) a existência de litispendência com a ação civil pública nº 99.72.08.006723-4;

d) a ausência dos pressupostos necessários à concessão da liminar, mesmo porque a ré já contratou a UNIVALI visando à obtenção do EIA/RIMA. Além disso, a paralisação das obras de dragagem do canal de acesso ao Porto acarretaria danos irrecuperáveis, com prejuízo para toda a cidade de Itajaí;


e) a questão referente à suspensão dos trabalhos de recuperação do “Molhe Sul” já foi objeto de decisão judicial, constituindo-se coisa julgada material;

f) quanto ao licenciamento prévio auferido junto à FATMA, entende ser devido, visto que até o trânsito em julgado da ação civil pública anteriormente mencionada, deve prevalecer o Órgão Ambiental Estadual como competente para o licenciamento prévio. Além do mais, a FATMA segue a mesma legislação utilizada pelo IBAMA no que se refere ao deferimento de licenciamentos, razão pela qual inexiste perigo de entendimentos diversos para conceder ou negar qualquer licenciamento ambiental;

g) Inexiste também qualquer submissão do processo de arrendamento à apreciação do Conselho Nacional de Desestatização – CND;

h) ausência de intervenção do Ministério Público Federal;

i) impropriedade da ação e impossibilidade de desenvolvimento válido e regular do processo. A questão ambiental serve de “pano de fundo”, pois o que os autores efetivamente pretendem é obstar a abertura das propostas do arrendamento no processo licitatório em curso, sendo que isto não constitui objeto de ação civil pública, mas de ação popular.

No mérito, refutou os termos da inicial, sustentando, entre outros aspectos, que o Porto de Itajaí necessita de maneira urgente de reaparelhamento e modernização. Ainda, conflito de competência com a ação popular nº 033.00.010208-0, onde se permitiu o lançamento do edital de concorrência pública. Insurgiu-se contra a alegação de parcelamento das obras, contra a ausência de manifestação do Conselho de Autoridade Portuária, finalizando com o requerimento de que seja negada a liminar (fls. 607/913).

A FUNDAÇÃO DO MEIO AMBIENTE – FATMA manifestou-se às fls. 914/919, requerendo o arquivamento desta ação, alegando que o conteúdo da mesma é parte integrante dos autos da ação civil pública nº 1999.72.08.006723-4. Quanto ao mérito, sustenta que os pedidos liminares devem ser indeferidos. Diz que é competente para o licenciamento das atividades em questão.

O MUNICÍPIO DE ITAJAÍ manifestou-se às fls. 920/974, alegando, em preliminar, sua ilegitimidade passiva nesta ação, vez que a responsabilidade cabe à autarquia administradora do Porto de Itajaí, inexistindo razão para incluir o Município de Itajaí, como responsável solidário. Alegou, ainda, ilegitimidade ativa dos autores; ausência de requerimento para a manifestação do Ministério Público; litispendência com a ação civil pública nº 1999.72.08.006723-4; impropriedade da ação proposta, vez que os autores estão preocupados apenas em impedir o arrendamento do Porto de Itajaí, sem se preocuparem com o meio ambiente.

No mérito, refutou os argumentos expendidos na exordial, sustentando que a dragagem que está sendo efetuada objetiva a regularização da vazão das águas do rio Itajaí-Açu. Por outro lado, a recuperação do Molhe Sul constitui uma obra que trará maior segurança à navegação (fls. 920/974).

Às fls. 975/977, os autores requereram, em regime de urgência, o exame do pedido liminar, vez que a abertura dos envelopes foi prorrogada para o próximo dia 10/05/2001, às 14:00 horas.

O IBAMA trouxe, por meio de fax, sua manifestação quanto ao pedido liminar, alegando, em preliminar, ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que não tomou conhecimento do processo licitatório, mas que a competência para o respectivo licenciamento ambiental é do órgão estadual (fls. 978/980). Não obstante, requer, subsidiariamente, sua inclusão no pólo ativo.

A UNIÃO manifestou-se, também por fax, sustentando, em preliminar, a ilegitimidade ativa da “Associação Ecológica Resistência Verde”, bem como a ilegitimidade da União, ante a falta de um direcionamento objetivo dos fatos arrolados na inicial. Ainda, alegou a ausência do “periculum in mora” e do “fumus boni iuris”, como pressupostos para a concessão da liminar (fls. 981/989).

É o relatório. Decido.

Não reconheço a ilegitimidade ativa de qualquer dos autores.

A Associação Ecológica Resistência Verde de fato não cumpre o requisito do art. 5º, I, da Lei nº 7.347/85 (constituição há pelo menos um ano), eis que sua ata de fundação data de 05 de agosto de 2000 e seu estatuto foi apresentado a registro em 15 de setembro daquele ano (fls. 93). Entretanto, aplica-se com perfeição ao caso concreto o art. 5º, § 4º, da mesma lei, porquanto o bem jurídico a ser protegido é de imenso relevo, conforme será esclarecido adiante. Destarte, dispenso o requisito da pré-constituição.

Já o Sindicato dos Conferentes de Cargas e Descargas nos Portos de Itajaí e Florianópolis tem natureza jurídica de associação civil, tendo sido fundado em 03.03.1946. Acerca dos sindicatos, ensina a doutrina que “já vai se formando consenso em sua admissão no rol dos legitimados ativos à ação civil pública, naturalmente nas questões afetas à categoria ou meio ambiente do trabalho” (RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, Ação Civil Pública, 7ª ed., RT, 2001, p. 144).


O sindicato autor está, neste feito, atuando na defesa de interesses coletivos em sentido estrito, isto é, no interesse da categoria acerca da legalidade do arrendamento do Porto Organizado de Itajaí, que é seu primordial ambiente de trabalho. É absurdo dizer que é indiferente para a categoria dos conferentes de carga tal procedimento, eis que a paralisação das atividades portuárias, em face de eventual anulação da licitação, traria conseqüências dramáticas para todos trabalhadores que delas dependem economicamente.

Em resumo, não consigo vislumbrar associação mais interessada na lisura do arrendamento de um porto que os sindicatos dos trabalhadores que nele encontram seu sustento.

A atuação do sindicato dá-se, efetivamente, na forma de substituição processual, sendo, portanto, incompatível a representação expressa de cada um dos associados e desnecessária a autorização pela assembléia. Note-se, ademais, que consta do art. 2º, “a”, dos Estatutos desse autor sua atribuição para “representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesse gerais de sua categoria profissional” (fls. 102). Resta obedecida, portanto, a exigência condicionante da garantia contida no art. 5º, XXI, da Constituição Federal. No mesmo sentido é a unânime jurisprudência do C. STJ:

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. SINDICATO. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. PORTARIA 714/93 MPAS. RENÚNCIA. PLANILHA DATAPREV. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. PREQUESTIONAMENTO.

Este Tribunal firmou já entendimento, no sentido de que a Lei nº 8.073/90 conferiu às entidades sindicais e associações de classe nela mencionadas legitimidade ad causam para representar em juízo seus associados, confirmando entendimento proclamado pela Constituição de 1988.- Em estando o sindicato regularmente constituído e em normal funcionamento, conforme reconhecido na decisão impugnada, tem o mesmo legitimidade para, na qualidade de substituto processual, postular, em juízo, em prol dos direitos da categoria, independentemente de autorização em assembléia geral, sendo suficiente cláusula específica constante do respectivo estatuto.”

(STJ, 6ª Turma, RESP nº 240.137/CE, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJU 05.06.2000)

Pela razões acima, é falacioso o argumento trazido pela Superintendência do Porto de Itajaí, de que o sindicato em questão busca tutela do meio ambiente, para o que não está legitimado (fls. 612). Como visto, a causa de pedir é extremamente ampla, não se restringido à defesa do meio ambiente, enquanto interesse difuso. A associação autora é que busca tal forma de tutela, sendo certo que possui absoluta pertinência temática, conforme disposto no art. 2º de seu Estatuto (fls. 94).

Incabível o pedido no tocante ao reconhecimento do IBAMA como órgão ambiental competente para o licenciamento ambiental das atividades de dragagem/desassoreamento do Saco da Fazenda e de toda a área de acesso ao Porto de Itajaí.

Como já observado pelas partes, a sentença dada no feito nº 1999.72.08.006723-4, encartada às fls. 721/728, acolheu o pedido lá formulado pelo Ministério Público Federal. Consta do dispositivo da r. sentença prolatada pelo I. Juiz Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva: “JULGO PROCEDENTE em parte o pedido, para o fim de: 1) declarar a competência do IBAMA para o licenciamento das atividades de desassoreamento do rio Itajaí-Açu, com fulcro no art. 10, § 4º, da Lei nº 6.938/81; 2) declarar a necessidade de apresentação pela ADHOC de prévio Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental ao IBAMA para licenciamento dos trabalhos de desassoreamento do canal do Porto de Itajaí e do ‘Saco da Fazenda’, visando a manutenção e/ou expansão da atividade portuária;”(grifei).

Assim, a despeito de não se tratarem das mesmas partes, há litispendência quanto a esta parte do pedido, eis que a decisão final proferida naquele processo formará coisa julgada erga omnes, a teor do art. 16 da Lei nº 7.347/85. Conclui-se, portanto, que, se após a resolução definitiva do assunto nenhum juiz poderá a seu respeito emitir nova decisão, não se pode dar seguimento a pedido fadado ao não conhecimento, embora a coisa julgada ainda não se tenha formado.

Ao contrário do que foi afirmado pelos réus, não há litispendência em relação a toda a ação. O licenciamento ambiental relativo ao arrendamento do Porto Organizado de Itajaí não é objeto do processo nº 1999.72.08.006723-4, que cuidou apenas da dragagem e do desassoreamento do Canal do Porto de Itajaí e do Saco da Fazenda.

Conforme será visto adiante, o Projeto TECONVI não significa apenas o repasse à iniciativa privada dos direitos de exploração das atuais instalações do Porto. Há a previsão de uma série de melhorias a serem efetuadas pela adjudicatária, as quais requerem licenciamento ambiental distinto daquele referente à dragagem/desassoreamento do rio Itajaí e adjacências.


A FATMA já expediu uma licença prévia para o referido projeto (fls. 758), embora tal atribuição seja do IBAMA, conforme se verá.

Para que não sobrem dúvidas, frise-se que quando ajuizada aquela ação civil pública pelo MPF – ou mesmo quando prolatada a respectiva sentença – o Edital nº 05/2001 da Superintendência do Porto de Itajaí, destinado à licitação do TECONVI, sequer havia sido expedido.

Portanto, ainda que sejam semelhantes os fundamentos jurídicos para se reconhecer o IBAMA como órgão competente para o licenciamento ambiental em ambas as situações, a causa de pedir fática e o próprio pedido são completamente diferentes daqueles já apreciados no feito anterior.

Também não há litispendência em relação ao pedido de declaração de nulidade do contrato nº 016/99, celebrado entre a ADHOC (atual Superintendência do Porto de Itajaí) e a ré Hollandsche Aanneming Maatschappij, BV, para a realização da dragagem do rio Itajaí e do Saco da Fazenda. Os fundamentos apontados pelos autores para tal declaração são relativos a suposta burla das hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação previstas na Lei nº 8.666/93, nada tendo que ver, portanto, com o licenciamento ambiental para tal atividade, este sim objeto da ACP nº 1999.72.08.006723-4.

Deixo de apreciar, neste momento, as alegações de ilegitimidade passiva, podendo os réus tratar da questão com maior profundidade quando da contestação, inclusive no que se refere ao IBAMA, que, embora tenha afirmado crer que a competência para o licenciamento ambiental em tela é da FATMA, requereu subsidiariamente sua transposição para o pólo ativo.

Passo à apreciação dos pedidos de medida liminar.

Incabível a suspensão imediata do mencionado contrato nº 016/99, mantido entre a Superintendência do Porto de Itajaí e a ré Hollandsche Aanneming Maatschappij, BV. Em primeiro lugar, considero relevantes os fundamentos trazidos pela autarquia municipal, no sentido de que a paralisação das atividades de dragagem poderia inviabilizar por completo o próprio Porto. Alega a Superintendência ser indispensável o contínuo desassoreamento do rio Itajaí, que sofre com o acúmulo de detritos vindos da região de Blumenau, sendo que caso não houvesse a constante retirada desses materiais, corre-se o risco de não haver profundidade suficiente para a passagem dos navios. Tais argumentos são verossímeis, configurando-se o chamado “periculum in mora inverso”, desautorizador da medida liminar.

Ademais, o principal argumento dos autores, referido acima encontra-se baseado apenas no depoimento prestado à Polícia Federal pelo Contra-almirante José Ribamar Miranda Dias (fls. 143/146). Ainda que sólido, tal depoimento foi prestado fora do contraditório e envolve matéria técnica cuja apreciação é incompatível com a atual fase do processo.

Inafastável, por sua vez, a suspensão da licitação inaugurada pelo Edital nº 05/2001, da Superintendência do Porto de Itajaí – cujo próximo passo é a já adiada audiência pública prevista no item 60 do Edital para recebimento da documentação referente à habilitação e proposta comercial (fls. 203) – e o reconhecimento do IBAMA como órgão competente para o licenciamento ambiental do respectivo projeto. Se não, veja-se a seguir.

O Porto de Itajaí, com fulcro na Lei nº 9.277/96, teve sua administração e sua exploração delegadas pela União ao Município de Itajaí pelo Convênio nº 08/97, juntado às fls. 322/325. O próprio convênio já previu a criação da Administradora Hidroviária Docas Catarinense – ADHOC exclusivamente para tal fim, assim como o arrendamento das áreas e das instalações portuárias.

Como já afirmado, o arrendamento do Porto de Itajaí não é mera concessão de serviço público, tendo em conta que a empresa ou o consórcio de empresas vencedor da licitação deverá, de forma concomitante ao início da exploração, proceder a inúmeras obras previstas da seguinte forma na cláusula décima-oitava da minuta de contrato anexa ao Edital nº 05/2001 (fls. 245/246):

“A implantação do TECONVI deve ser executada pela ARRENDATÁRIA de acordo com as seguintes regras:

I – disponibilização de no mínimo 2 (dois) equipamentos de terra, fixos ou móveis, para embarque e desembarque de contêineres, com capacidade mínima nominal de movimentação de 25 (vinte e cinco) contêineres/hora, no prazo máximo de 6 (seis) meses contados da data da celebração deste CONTRATO;

II – demolição do Armazém 1, re-estruturação da cortina de estacas-pranchas do Berço 1 e 2 (250m), que foram necessárias para uma profundidade do rio de no mínimo 12 (doze) metros, e execução das demais obras e serviços de engenharia e pavimentação, urbanização, iluminação e acabamento do Pátio da Área “A”, de acordo com projetos a serem elaborados e executados pela ARRENDATÁRIA no prazo máximo de 6 (seis) meses contados da liberação da respectiva Área pela SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE ITAJAÍ;


III – aterro e terraplanagem, construção de muros, pavimentação, urbanização e iluminação da Área “B”, de acordo com projetos a serem elaborados e executados pela ARRENDATÁRIA no prazo máximo de 6 (seis) meses contados da liberação da respectiva Área pela SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE ITAJAÍ;

IV – construção de um novo berço de atracação, com extensão mínima de 250 m (duzentos e cinqüenta metros) de comprimento, com capacidade para suportar a instalação e operação de 2 (dois) portêineres, de acordo com projetos a serem elaborados e executados pela ARRENDATÁRIA no prazo máximo de 18 (dezoito) meses contados do primeiro dia útil subseqüente a movimentação (embarque/desembarque) pela ARRENDATÁRIA, no Porto de Itajaí, de 150.000 (cento e cinqüenta mil) contêineres, no período de 12 (doze) meses consecutivos imediatamente anteriores, mensalmente totalizada;

V – aterro e terraplanagem, construção de muros, pavimentação, urbanização e iluminação da Área “C”, de acordo com projetos a serem elaborados e executados pela ARRENDATÁRIA no prazo máximo de 6 (seis) meses contados da liberação da respectiva Área pela SUPERINTENDÊNCIA DO PORTO DE ITAJAÍ;

VI – duplicação da Rua Silva e respectiva pavimentação e urbanização, de acordo com projetos a serem elaborados e executados pela ARRENDATÁRIA , previamente aprovados pela PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAJAÍ, que atendam as normas técnicas aplicáveis, no prazo de 6 (seis) meses contados da data de fechamento e interdição das vias públicas inclusas, respectivamente, nas áreas “B” e “C” do Porto de Itajaí;”

Como visto, as benfeitorias têm seu delineamento básico predeterminado pela Administração, cabendo ao particular apenas a concretização dos projetos. A cláusula acima, juntamente com as regras do edital que delimitam aquilo que a adjudicatária terá necessariamente de fazer, é inspirada no projeto básico da obra pública cuja realização é inerente à concessão do serviço em tela (Anexo VIII do Edital nº 05/2001 – fls. 316/413). A situação encaixa-se portanto, no conceito de concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, contido no art. 2º, III, da Lei nº 8.987/95, que abrange não apenas os casos em que a obra precede a exploração, mas também aqueles em que ambas são concomitantes.

O Edital nº 05/2001 prevê que tais benfeitorias serão acompanhadas de um considerável aumento da área do Porto Organizado de Itajaí, o que se dará através da desapropriação de três áreas que somam cerca de 68.690,07 m², segundo o Anexo II (fls. 293/297). O item nº 129 do Edital nº 05/2001 prevê os valores a serem pagos pela arrendatária em ressarcimento à Superintendência pelas indenizações desapropriatórias que arcará (leia-se: desapropriação do domínio útil, eis que se tratam de terrenos da União), num total de aproximadamente R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

Pelo documento de fls. 425 tem-se uma idéia da magnitude do projeto.

Diante das considerações acima, inadmissível a continuidade da licitação sem o competente Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo relatório (RIMA), apreciados pelo IBAMA, que é o órgão competente para tal mister.

Primeiramente, é importante deixar claro que até o presente momento não foi apresentado pela Superintendência do Porto de Itajaí, ou por qualquer outra pessoa, o EIA/RIMA relativo ao Projeto TECONVI. Houve, apenas, a contração, em 05 de abril de 2001, da Fundação Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI para a realização de tal projeto (fls. 751/757). Também é de relevo observar que a FATMA já concedeu a Licença Prévia nº 017/01, não tendo, para tanto, exigido o competente EIA/RIMA (fls. 758).

O art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, na esteira da inspiradora norma posta no caput, dispõe que:

“§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;” (grifei)

No caso de uma obra ou atividade a ser desenvolvida autonomamente pelo particular, não há dificuldades em se saber qual o momento em que deve ser apresentado o EIA/RIMA. Entretanto, no caso de obra ou atividade precedida de licitação, as coisas são um pouco mais complexas. Pode a Administração promover licitação de obra ou atividade potencialmente poluidora antes de efetivado o respectivo EIA/RIMA? Tenho convicção inabalável de que não.

A Constituição foi bastante didática ao afirmar que o Estudo de Impacto Ambiental deve ser “prévio”. Não efetuado o EIA/RIMA antes da licitação, está a Administração impossibilitada mesmo de ofertar aos licitantes um projeto básico sólido, de vez que este poderá ser substancialmente alterado face às exigências impostas pelo órgão ambiental, tendo em conta as conclusões da equipe multidisciplinar encarregada do Estudo.


As conseqüências de um EIA/RIMA desfavorável ao projeto já licitado seriam graves e imprevisíveis, devendo ser evitadas desde já, com o que se evitam prejuízos a todos.

A leitura da Lei nº 8.666/93 esclarece ainda mais a questão.

Os arts. 6º, IX, e 12, VII, exigem que na elaboração do projeto básico seja considerado o impacto ambiental.

Dispõe o art. 6º, IX:

“Art. 6º. Para os efeitos desta lei, considera-se:

(…) IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:” (grifei)

O projeto básico do Edital nº 05/2001, referido acima, não observou essa regra. Apesar de vigoroso, o trabalho em questão não dedicou uma linha sequer ao impacto ambiental do Projeto TECONVI. A única referência feita à legislação ambiental dá-se de forma vaga nos pequenos subitens que tratam das águas residuais e do esgoto sanitário (fls. 381).

Tenho que os “estudos técnicos preliminares” referidos no dispositivo legal definidor de “projeto básico” devem abranger, no que toca à matéria ambiental, nada mais, nada menos, que o Estudo Prévio de Impacto Ambiental referido pela Constituição e disciplinado pela Resolução nº 01/86 do CONAMA.

Outra não é a lição da melhor doutrina:

“A Lei de Licitações não é, obviamente, uma lei de meio ambiente e, portanto, não é seu papel descer a detalhes sobre o conteúdo desses estudos preliminares. Devemos socorrer-nos da legislação especializada ou, seja, a legislação ambiental.

A constituição Federal, contudo, foi expressa em exigir a elaboração de EPIA para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente (art. 225, § 1º, IV). A

Resolução 1/86-CONAMA, ao estabelecer as atividades e obras em que se deve exigir o EIA, evidentemente considerou-as como ‘atividade potencialmente causadoras de degradação do meio ambiente’. Assim, para instruir corretamente o projeto básico da informação adequada sobre impacto ambiental, o procedimento a ser apresentado é o EPIA.

Acentue-se que a Referida Resolução 1/86 abrange as estradas de rodagem, com duas ou mais faixas de rolamento; as ferrovias; os portos, aeroportos, oleodutos; obras para exploração de recursos hídricos, entre outras. É elementar, para que o procedimento licitatório busque a probidade administrativa (art. 3º da Lei nº 8.666/93) estejam essas atividades e essas obras com seus aspectos e custos ambientais bem delineados no projeto básico, para que os licitantes não ajam desavisadamente, nem se alegue surpresa, após a contratação das obras e serviços.” (grifei)

(PAULO AFFONSO LEME MACHADO, Direito Ambiental Brasileiro, 9ª ed., Malheiros, 2001, pp. 248/249)

Não é despicienda a referência feita pelo autor acima citado – reconhecidamente uma das maiores autoridades brasileiras em direito ambiental e o pioneiro da matéria – à relação de atividades para as quais o CONAMA exige o EIA/RIMA. O art. 2º, III, da referida resolução refere-se expressamente a “portos”, sendo certo, que como visto, o Porto de Itajaí será profundamente modificado, não se tratando de simples outorga de direitos de exploração (hipótese em que a autoridade competente poderia dispensar o Estudo).

A realização do EIA/RIMA após o início da licitação também tem o incoveniente de criar uma indesejável pressão política sobre a equipe encarregada da sua elaboração e também sobre o órgão ambiental, no sentido de que a não aprovação do projeto licitado geraria “o caos” para a Administração e a adjudicatária. O que desejam a Constituição e a legislação a ela submetida é que as entidades encarregadas de tão importante tarefa analisem, com vagar e apenas sob argumentos técnicos, o impacto ambiental a ser causado por cada empreendimento apreciado.

A entidade contratada pela Superintendência é a UNIVALI, instituição com reconhecida experiência na área. Ainda que os autores não tenham impugnado a escolha – não se tratando, portanto, de matéria sobre a qual vá incidir prestação jurisdicional – não é despiciendo lembrar que se trata de uma fundação municipal e “não é porque a independência da equipe foi abolida do texto legal que não se exigirá a realização de um estudo imparcial e de boa elaboração científica, posto que o órgão ambiental licenciador deverá exercer com extremada vigilância o controle do conteúdo do estudo, rejeitando-o se houver qualquer tendência de minimizar os inconvenientes e maximizar as vantagens do projeto, em detrimento do interesse maior que é o meio ambiente”, conforme a lição de Nelson R. Bugalho, comentando a revogação, pelo art. 21 da Res. CONAMA nº 237/97, do art. 7º da Res. CONAMA nº 01/86, que exigia que a entidade encarregada do EIA/RIMA não dependesse “direta ou indiretamente do proponente do projeto” (Estudo Prévio de Impacto Ambiental, in Revista de Direito Ambiental, ano 4, n. 15, jul-set 1999, Ed. RT, p. 23).


Fixada a necessidade de prévia apresentação de EIA/RIMA para a licitação relativa ao arrendamento do Porto Organizado de Itajaí, resta fixar qual o órgão legalmente encarregado do respectivo licenciamento ambiental.

O licenciamento ambiental é exigido pelo art. 10 da Lei nº 6.938/81 (com a redação dada pela Lei nº 7.804/89) nos seguintes termos:

“Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

§ 1° – Os pedidos de licenciamento, sua renovação e a respectiva concessão serão publicados no jornal oficial do Estado, bem como em um periódico regional ou local de grande circulação.

(…)

4º. Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.”(grifei)

A Resolução CONAMA nº 237/97 cumpre papel regulamentador da regra acima, dispondo o art. 4º, I, que:

“Art. 4º – Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União.” (grifei).

Certo é que o conceito de “mar territorial” contido no art. 1º da Lei nº 8.617/93 não abrange a área hoje ocupada pelo Porto de Itajaí, tampouco aquela que se pretende destinar à sua expansão, conforme se pode observar da fotografia de fls. 424. Entretanto, para o fim de descobrir qual o órgão ambiental com atribuição no caso, não se deve limitar, de forma simplista, o impacto ambiental à área onde se “localiza” o Porto. O criação do TECONVI poderá afetar o ambiente do contíguo mar territorial e, inexoravelmente, promoverá significativas mudanças em terrenos de marinha, como tal entendidas as margens do rio Itajaí em toda a área envolvida no projeto.

Mesmo sem entrar na polêmica envolvendo a necessidade ou não de o IBAMA proceder ao licenciamento toda vez que estiver envolvido bem da União, tenho como certa a atribuição daquela autarquia federal para o licenciamento em tela.

A esse respeito, volto a valer-me da preciosa lição de PAULO AFFONSO LEME MACHADO:

“A amplitude dos conceitos ‘nacional’ e ‘regional’, contudo, tem deixado incerta a atividade licenciadora do IBAMA.

O interesse nacional está claramente delineado nas atividades e obras que sejam levadas a efeito nas áreas do patrimônio nacional enumeradas pela CF no art. 225, § 4º – ‘a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira’.” (grifei) (ob. cit., pp. 253/254).

Ao tratar da Zona Costeira, o mesmo autor ensina que a Resolução nº 1/90 do Conselho Interministerial para os Recursos do Mar não adotou, como regra, uma delimitação métrica da Zona Costeira brasileira. Seu item 3 afirma: “(…) b) para o limite externo da faixa terrestre, a linha de cristas da configuração do litoral, ou, no caso de planícies costeiras muito extensas, o ponto até onde se faz sentir a influência do mar, observada pela intrusão da salinidade nos rios ou pela variação do nível das águas, pelo efeito das marés; (…) d) tanto para a faixa terrestre como marítima, considerar as áreas marcadas por intensa atividade sócio-econômica e sua área de influência imediata” (apud ob. cit., p. 828).

Há na referida resolução um segundo critério, com metragem fixa, a ser aplicado no caso de não estipulação dos Planos Estaduais de Gerenciamento Costeiro, situação que perdura até o momento. Assim, “enquanto esses planos não forem aprovados, continua em vigor o segundo critério, que estabelece 11,1 km para faixa marítima e 20 km para a faixa terrestre, além dos casos especiais de ilhas, enseadas e baías.” (ob. cit., p 829).

Destarte, não há dúvida de que a região afetada pelo projeto de arrendamento do Porto de Itajaí faz parte da Zona Costeira, razão pela qual o respectivo licenciamento ambiental compete ao IBAMA. Diante da conceituação da área em comento como patrimônio nacional, pela própria Constituição Federal, irrelevante que a Res. CONAMA nº 237/97 a ela não tenha feito menção expressa.


Também recomenda seja o IBAMA encarregado do licenciamento das atividades e obras em comento o fato de a FATMA ter concedido Licença Prévia para a Superintendência do Porto de Itajaí (fls. 758), na ausência de prévio EIA/RIMA e, portanto, em completa desconsideração às citadas normas da lei de licitações.

O periculum in mora decorre do fato de que o próximo passo a ser dado na licitação sub judice é a sua sessão de abertura, designada para o dia 28 de maio próximo, onde seriam recebidas as documentações de habilitação e as propostas comerciais dos licitantes em potencial (conforme aviso de adiamento publicado na imprensa e juntado às fls. 992). Realizado tal ato, correr-se-ia o risco de virem a formar-se situações jurídicas subjetivas passíveis de reversão pela eventual sentença de procedência do pedido.

Diante do exposto, CONCEDO EM PARTE A MEDIDA LIMINAR pleiteada para o fim de suspender, até o julgamento desta ação civil pública, todos e quaisquer atos da concorrência inaugurada pelo Edital nº 05/2001, da Superintendência do Porto de Itajaí, fixado, em relação a essa ré, multa de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) para o caso de descumprimento, tendo em conta as proporções do projeto, sem prejuízo das sanções administrativas e penais aplicáveis.

Reconheço o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA como único órgão competente para o licenciamento ambiental do projeto de arrendamento do Porto Organizado de Itajaí, cabendo-lhe apreciar os respectivos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.

Observado o disposto no parágrafo anterior, poderá a Superintendência do Porto de Itajaí, no curso do processo, confeccionar novo projeto básico para o arrendamento do Porto Organizado de Itajaí – desta feita com obediência à Lei nº 8.666/93 e ao art. 225, § 1º, IV, da Constituição – e expedir novo edital licitatório, desde que revogue ou anule expressamente o Edital nº 05/2001, na forma de seu Capítulo VI, Seção II, e do art. 49 da Lei nº 8.666/93, hipótese em que o juízo analisará a subsistência das condições da ação. Fica vedada qualquer outra forma de atuação dos réus, que importe em continuidade disfarçada da licitação que ora se suspende.

Apenas no que diz respeito ao pedido de reconhecimento do IBAMA como órgão competente para o licenciamento ambiental das atividades de desassoreamento e dragagem do rio Itajaí-açu e do Saco da Fazenda, julgo extinto o processo, sem apreciação do mérito, na forma do art. 267, V, do CPC, tendo em conta a existência de litispendência em relação ao Processo nº 1999.72.08.006723-4, desta Vara, ora em grau de recurso.

Citem-se.

Intimem-se, pelo meio mais expedito, para imediato cumprimento.

Tendo em vista o disposto no art. 5º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 7.347/85, notifique-se esta decisão ao Ministério Público Federal.

Itajaí, 15 de maio de 2001.

FRANCO MATTOS E SILVA

Juiz Federal Substituto

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!