Acusação de racismo

Advogado que passou em concurso para juiz acusa TJ de racismo.

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17 de maio de 2001, 0h00

O advogado, Deodato Vital dos Anjos, 51 anos, foi aprovado, em 1997, no concurso de juiz substituto no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, mas não consegue assumir o cargo.

Ele acusa o Tribunal de Justiça de racismo e enfrenta uma batalha judicial para tentar tomar posse. Segundo Deodato, a restrição invocada pelo TJ – de que ele teria se apropriado do carro de um colega, indevidamente – já foi afastada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. “Mesmo assim, o TJ ainda afirma que não tenho conduta adequada para assumir. Isso é racismo e perseguição”, afirma.

Para assumir o cargo, Deodato entrou com Recurso Administrativo, em 1998. No ano passado, com o mesmo objetivo, entrou com um Mandado de Segurança no TJ do Espírito Santo. O recurso e o mandado lhe foram negados. Irregularmente, segundo ele: desembargadores impedidos de votar, por terem integrado a Comissão do Concurso, participaram do julgamento. Por isso, Deodato impetrou outro Mandado de Segurança e com embargo de declaração para que possa recorrer ao STJ.

O advogado encaminhou representação contra o TJ-ES para o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Mas ainda não obteve solução.

O seu caso foi encaminhado, ainda, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e Comissão de Direitos de Humanos da OAB, do Rio.

O relator da Comissão do Concurso Público do TJ-ES, Manuel Alves Rabelo, não foi localizado para responder à acusação. Segundo uma funcionária de seu gabinete, ele está viajando e retorna apenas na segunda-feira (21/5).

Veja o pedido do advogado encaminhado ao procurador-geral da República

DEODATO VITAL DOS ANJOS

(Habilitado em concurso Público para Juiz de Direito Substituto do Estado do Espírito Santo)

EXMO. SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA .

Ref. : PROCESSO Nº 1.00.000.000276/2001-21

Art. 5º., inciso XXXIV, “a” e 127 da CF c/c

Lei Complementar 75/93.

DEODATO VITAL DOS ANJOS, brasileiro, separado, advogado, residente e domiciliado à Rua José Carlos Moraes Sarmento nº.525 apto. nº.204 – Bairro Santa Catarina na cidade de Juiz de Fora – MG, habilitado no Concurso Público para Juiz Substituto do Estado do Espírito Santo na forma do art. 93, inciso I da Constituição Federal, vem a ínclita presença de Vossa Excelência propor a presente

Representação

Em face de DESEMBARGADOR MANOEL ALVES RABELO RELATOR DA COMISSÃO DE CONCURSO PÚBLICO (001/97) PARA JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO DO ESPÍRITO SANTO , requerendo desde já as providências legais cabíveis , por parte do Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA pelos fatos e fundamentos de direito a seguir expostos :

O representante, após grande esforço pessoal, pois é de família humilde, foi aprovado e habilitado no Concurso Público para Juiz Substituto do Estado do Espírito Santo, homologado em 05/03/98 (doc. em anexo).

Em 18/03/98 os 23 primeiros colocados foram nomeados e em 24/04/98, os demais. Porém o nome do representante não foi publicado em Diário Oficial, como fora feito com os demais candidatos (doc. anexo).

Dirigindo-se ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em 27/04/98, apenas foi informado que não seria nomeado, pois existia representação de um desafeto invejoso e que a posteriori, ficou comprovado e provado que o fato não era verdadeiro, tudo era falso, inverídico e com o desígnio criminoso, apenas de prejudicar o êxito profissional do representante. Faltou respeito ao Princípio da Inocência e acessibilidade aos cargos e empregos públicos.

Ao autor da falsa representação, não faltou a reprovação penal do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, pois foi indiciado pelo crime de Denunciação Caluniosa, e a Ordem dos Advogados, também assegurou a lisura do representante no exercício da Advocacia, assim verificou-se que o ato omissivo do Presidente do TJ/ES, em não nomear, junto aos demais aprovados, além de uma violência à Constituição, foi um verdadeiro absurdo jurídico.

Um dos fatos mais grave, é que após a nomeação dos 23 primeiros, em 18/03/98, o Representante começou a se preparar para a sua posse, a qual seria iminente, com os 27 aprovados restantes, ou seja, entregou o apartamento que morava, desfez-se dos móveis, substabeleceu as procurações nos processos que tramitavam sob sua responsabilidade e mudou-se para Juiz de Fora a espera da posse, que até a presente data não ocorreu.

Os acontecimentos que se desenrolaram após a não nomeação em 24/04/98, merecem a indignação e repulsa de todo e qualquer cidadão que toma conhecimento dos verdadeiros fatos ocultos. Atos este que devem ser expungidos do cenário Nacional, pois somos um país que cresceu com o suor e sangue dos negros, e que hoje têm mérito até e para serem aprovados em um Concurso Público para Juiz.

O TJ/ES para criar um pretexto que justificasse o seu erro, a inconstitucionalidade e ilegalidade do Ato Omissivo repugnante de não nomeação, ressuscitou a já dissolvida Comissão do Concurso mesmo já findo e os habilitados nomeados, só para defenestrar o representante, excluí-lo do Concurso, que já acabara, uma decisão teratológica, pior foi o argumento de que a dissolvida Comissão, podia fazer uma avaliação subjetiva, igual das malsinadas Comissões gerais de inquérito da Ditadura Militar ou do Tribunal do Santo Oficio, é por isso que o cidadão está perdendo o respeito pelo Poder Judiciário.

Inconformado com tantas arbitrariedades e acreditando no Poder Judiciário, como última porta do cidadão em busca de um Direito seu, fez um recurso administrativo com efeito suspensivo, que ficou na gaveta quase dois anos, neste ínterim o Tribunal de Justiça, contrariando norma Constitucional, promoveu novo concurso, ferindo direito líquido e certo do representante que impetrou o mandado de segurança e também teve a decisão protelada até que os novos Juizes fossem nomeados. Apesar do representante ter o parecer favorável do Ministério Público e a autoridade coatora nas informações não contestar o direito líquido e certo, absurdamente o relator, de forma parcial negou a segurança e até hoje deixou de publicar o Acórdão para que o representante não promover os recursos Constitucionais.

Porém, a verdade sempre aparece, e já no final do ano de 2000, ao tomar conhecimento das notas taquigráficas do recurso administrativo (doc. em anexo), indignou-se com o que estava lá escrito com todas as letras o motivo: RACISMO.

O Terceiro milênio está aí, não se pode permitir que ainda se trate outro ser humano com intolerância, indiferença, mergulhando-o no Inferno de Dante, e como bem acentuou o eminente e digno Desembargador do Espírito Santo, Dr. Antônio José Miguel Feu Rosa: “como dizem muito bem os sociólogos modernos, inclusive o Sr. Presidente da República – Sr, Fernando Henrique Cardoso, existe no subconsciente, no inconsciente, na mentalidade do brasileiro, uma repugnância nata contra o negro, que vem dos nossos ancestrais, considerando-o ainda escravo, inferior, e que não merece ingressar no meio da Sociedade”. SIC.

Ainda, lembrou o respeitado Desembargador Feu Rosa, demostrando seu inconformismo diante da injustiça do ato de não nomeação do representante: “tivemos um caso idêntico a este, em que o candidato também era negro,…., hoje é um brilhante magistrado, trata-se de um juiz brilhante, intelectual, apenas com “defeito da cor”. Essa é a realidade e mais: Eminente desembargador Manoel Alves Rabelo, como disse o Presidente Fernando Henrique Cardoso, existe no subconsciente do brasileiro um racismo indefinido e idêntico ao de Vossa Ex.”. SIC.

O ato praticado em não nomear um já habilitado em desigualdade com seus iguais colegas juizes, violando Princípios Constitucionais encontra explicação no fato do racismo no Brasil atuar de maneira tão forte e prejudicial, e ao mesmo tempo permanecer escondido já que ninguém parece ou não quer enxergá-lo. A antropóloga e filósofa Sueli Carneiro, com grande acuidade afirmou: “a genealidade do racismo brasileiro reside no fato de que aqui se produz a mais sofisticada e perversa forma de racismo, que existe no mundo, porque nosso ordenamento jurídico assegurou uma igualdade formal, que dá a todos uma suposta igualdade de direitos e oportunidades, e liberou a sociedade para discriminar impunemente”:

Atitudes como esta, originária de um Poder que deveria prestigiar sempre o Estado Democrático de Direito e não contrariá-lo frontalmente, em especial um dos seus fundamentos A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, fixada desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na Constituição cidadã do Brasil e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Diante de inúmeros textos jurídicos que condenam atos como estes praticados pelos membros da dissolvida comissão do Concurso para Juiz do Espírito Santo, são merecedores de sanção exemplar em especial o Relator Desembargador Manoel Alves Rabelo pois, já chegou a hora do Poder Judiciário dar uma resposta à sociedade, que também quer mudá-lo, reformá-lo e, quando vir o Legislativo cassar o mandato de Senador, Deputado, Prefeito, Presidente da República, gostaria de ver também Desembargador pois, este não está acima do bem ou do mal, não é semi Deus.

Na certeza de que haverá retaliação a sua pessoa, faz desta representação mais do que uma indignação, uma luta para que outros jovens negros, que querem ascender ao cargo de juiz, não o vejam como hereditário ou como exclusivo da burguesia, pois o acesso aos cargos públicos é protegido pela Constituição, apenas faço deste ato de coragem um basta, quanto a hipocrisia da Democracia Racial, que se apregoa existir neste país, e não permitir que um ser humano seja tratado como lixo social.

Não se pode admitir atos que consubstanciem em tergiversação e verdadeiro drible às normas imperativas como são as constantes da Carta de 1988, e, que trazem em seu bojo um ato indigno, repugnante contra um cidadão, que teve mérito e talento para ser aprovado e habilitado em um Concurso Publico para Juiz, e que só tem um defeito : A COR .

Assim, diante de tantas evidências e provas incontestáveis, e acreditando na missão institucional do Ministério Público na defesa da Ordem Jurídica e do Regime Democrático (inclusive racial), requer a Vossa Ex. as providências legais cabíveis diante das violações a princípios Constitucionais e a direitos Fundamentais.

TERMOS EM QUE PEDE E ESPERA DEFERIMENTO E PROVIDÊNCIAS

JUIZ DE FORA ,04 DE JANEIRO DE 2001.

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