Tentativa frustrada

Ex-babá condenada implora para ser presa

Autor

11 de maio de 2001, 12h37

“Por favor, eu quero ser presa. Quero pagar o que devo.” Três funcionárias da Penitenciária Feminina do Estado não acreditaram no que ouviam. Começaram a rir. “Como, senhora?” A mulher, acompanhada da advogada, mostrou um pequeno recorte do Diário Oficial do Estado. Num canto de página, no dia 2 de maio, foi publicada uma nota de execução penal. Nela, a Vara das Execuções Criminais (Decrim) autoriza a sentenciada Maria Alves dos Santos a se apresentar em qualquer estabelecimento prisional do Estado. “Esta sou eu”, disse às funcionárias. Mas não adiantou. Mais um dia perdido, e Maria não conseguiu realizar seu maior objetivo: voltar para a prisão.

Ela fugiu há um ano e cinco meses da Cadeia Feminina do Butantã, na capital, onde cumpria pena em regime semi-aberto, condenada por um roubo que cometeu há 12 anos. No dia 9 de novembro de 99, a ex-presidiária, com um problema de saúde, resolveu não voltar mais para dormir na cela depois de um dia de trabalho. Preferiu escapar para fazer um tratamento, deixando ainda 2 anos e 6 meses de prisão para cumprir.

Desde que fugiu do Butantã, Maria morava em Mongaguá, no litoral do Estado, com a família. Teve alguns empregos, mas a condição de presidiária com pena em aberto a incomodava. Não conseguia ser contratada por nenhuma empresa. Há três meses, ela resolveu acertar as contas com a Justiça: largou um trabalho informal e a família em Mongaguá só para se entregar, cumprir o resto da pena e voltar de ficha limpa. Mas o sistema prisional vem se negando a recebê-la de volta. “Só quero cumprir minha pena, sossegadinha. Quero uma chance, mas ninguém me dá”, reclama.

Na terça-feira desta semana, Maria passou cerca de três horas tentando se entregar na Penitenciária do Estado. Chegou às 15h, levando o recorte do Diário Oficial e uma petição assinada pela advogada Fernanda Goltbliatas Soares, da Associação dos Familiares e Amigos de Sentenciados para Cidadania, Direito e Justiça (Afas), que a está auxiliando.

Autorização oficial

Foi essa petição que deu origem à publicação, na qual o Judiciário a autoriza, claramente, a “procurar qualquer estabelecimento prisional” para se entregar. As funcionárias de plantão disseram que não poderiam prendê-la, pois não tinham autorização judicial direta. Uma das advogadas da Afas ligou então para o cartório da Vara de Execuções Penais, pedindo que o órgão remetesse à penitenciária a autorização para a prisão de Maria. Cerca de uma hora e meia depois, ela voltou à Penitenciária Feminina. De novo, disse que estava se entregando. Como as funcionárias ainda não tinham a autorização, Maria escutou a mesma resposta: “Se te prendermos, estaremos cometendo uma ilegalidade”.

“Começaram a rir de mim”, conta Maria. As funcionárias recomendaram que ela procurasse qualquer delegacia, onde também poderia tentar ser presa. A proposta foi recusada. “Nem pensar. Tenho direito de ser presa numa penitenciária, o próprio Decrim diz isso.”

Depois de todas as tentativas fracassadas, Maria resolveu ir diretamente ao cartório, no Fórum das Execuções Criminais, na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio. No balcão, com a advogada, pediu de novo para ser presa. Um funcionário, mesmo sabendo tratar-se de uma condenada evadida, e com pena para cumprir, recomendou que ela voltasse algum dia, depois das 13h, para “ver o que podia fazer”.

“Imagina a cena, o funcionário dizendo ‘volta amanhã’ porque hoje não dá para te prender”, diz a advogada Íris Almeida Silva, da Afas.

“Isso não existe, a presa entrou na cadeia, disse que queria ficar, eles mandaram embora e pediram para voltar depois. Não me conformo.”

Como na capital Maria não tem onde ficar, a advogada a está hospedando em sua própria casa. “Ela fica andando o dia inteiro com a sacolinha dela para cima e para baixo, sem saber o que fazer.”

Descoberta

Foi só em 1997, quando foi tirar um RG, que Maria descobriu:

tinha sido condenada à revelia por participação no roubo, cujo principal responsável foi seu namorado, na época.

“Logo depois do roubo, em 1989, eu fui presa. Passei oito dias na cadeia e depois me soltaram para responder em liberdade. Só fui descobrir que estava condenada em 97, quando precisei do RG.” A sentença total que recebeu é de 5 anos e 4 meses de prisão.

Imediatamente Maria foi presa, ainda na delegacia em que tinha ido tirar o documento. Chegou a cumprir 1 ano e 2 meses, em regime fechado, num presídio em Santos, no litoral, entre os anos de 97 e 98. Depois foi para a cadeia do Butantã, onde ficou por mais um ano e seis meses em regime semi-aberto. Por ironia, na época em que fugiu seu trabalho diurno era fazer faxina na sala do diretor da Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários (Coesp).

Maria promete insistir em voltar a ser presa até o fim da semana. Se não conseguir, vai retornar para Mongaguá. “Aí também já é demais.” Mas diz que não está incomodada em ter virado motivo de piada. “Ninguém acredita que, com todo mundo querendo escapar da cadeia, eu estou querendo voltar.”

Fonte: O Estado de S. Paulo

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!