Consultor Jurídico

O Município e o controle das edificações

1 de maio de 2001, 0h00

Por Pedro Benedito Maciel Neto

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Outro dia encontrei um amigo que, indignado, reclamava de suposta falta de coerência do Departamento de Urbanismo da cidade de Campinas, SP, que sob a orientação da administração do Partido dos Trabalhadores tem sido, segundo ele, extremamente exigente com o setor da construção civil na aprovação de projetos e expedição de alvarás, mas “estranhamente” paciente quando a construtora, ou construtor, buscam regularizar ou adequar os projetos ou edificações às normas e ao interesse público.

Bem, a doutrina ensina que o controle das construções urbanas é atribuição específica do Município, não só para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, como para certificar-se da segurança, da salubridade e da funcionalidade de cada edificação, individualmente considerada.

Este é o chamado controle técnico-funcional da construção, referente ao seu uso individual, que é diferente do chamado controle urbanístico, o qual cuida da integração do edifício, considerado individualmente, na cidade, visando harmonizá-lo com o complexo urbanístico.

O controle das construções deve ser exercitado pela Administração Municipal observando o aspecto coletivo, ou seja, no contexto do ordenamento urbano e do interesse público e também sob o aspecto individual, ou seja, observar a adequada estrutura da obra à função declarada.

Daí porque toda a construção urbana, e especialmente a edificação (edificação tem semântica técnica-jurídica própria, esta relacionada àquelas construções destinadas ao uso humano) fica sujeita a duplo controle, o urbanístico e o estrutural.

O controle estrutural é aquele relacionado à previa aprovação do projeto pela prefeitura, com subsequente expedição de alvará de construção e, posteriormente, do alvará de utilização, mais conhecido e costumeiramente denominado “habite-se”; ainda no campo do controle estrutural temos como atribuição da municipalidade a fiscalização da execução da obra, o que lhe possibilita embargo ou até mesmo demolição quando realizada em desconformidade com o aprovado, se impossível a adequação e regularização da edificação.

O controle estrutural deve ser feito pelo Código de Obras, o qual segundo o Professor Hely Lopes Meirelles, pode ser aprovado por decreto, justificando tal forma na facilidade à adequação das freqüentes adequações que a evolução técnica exige da Administração Pública. O Código de Obras do Município deve tratar, exclusivamente, das obras no seu aspecto estrutural e funcional, deixando outros aspectos para leis de zoneamento.

Já o controle urbanístico tem outro enfoque.

E para falar nele, creio, é necessário conceituar urbanismo como a “.ordenação espacial da cidade e do campo.”, conforme Gaston Bardet in Mission L`Urbanisme, 1950, p. 39.

Quando falamos em urbanismo falamos em buscar o desenvolvimento integral dos recursos da cidade, de forma planejada, visando harmonia, equilíbrio entre a Natureza o Homem, assim como na construção de espaços que permitam a convivência entre as pessoas.

Urbanismo é arte e é ciência. É Arte porque como ensina Luiz de Anhaia de Mello, procura “criação de novas sínteses”, e é Ciência porque “estuda metodicamente os fatos”. E é ainda filosofia com sua escala própria de valores.

Mas juridicamente urbanismo é, como ensina o professor Hely, “.o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.

E por espaços habitáveis é necessário entender todas as áreas em que o Homem exerce coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação. Esse conceito remonta da Carta de Atenas, um repertório de recomendações aprovadas em 1.933 em Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.

Daí porque o Departamento de Urbanismo pode, e deve, ser “paciente”, como afirmou o meu amigo, mas ao contrário do afirmado não há nada de estranho nisso. O controle urbanístico tem por tarefa desenvolver-se visando oferecer o maior bem para o maior número de pessoas. Dentro dessa concepção as imposições urbanísticas orientadas por regras jurídicas tem o escopo de buscar o bem estar social e o desenvolvimento, a funcionalidade, o conforto, a estética da cidade, o racional uso do solo, a harmonia enfim. Há, caro amigo, o chamado Direito Urbanístico, ramo do Direito Público destinado ao estudo e formulação de princípios e normas que devem reger os espaços habitáveis, no campo e na cidade.

Por isso acredito que o Administrador Público deve realmente ser bastante exigente na aprovação de projetos e na expedição de alvarás, pois as imposições urbanísticas são de Direito Público.

Contudo, quando o Administrador Público vê-se diante de situações consumadas e consolidadas pelo decurso do tempo e, havendo interesse público, ao invés de embargar uma edificação ou determinar a sua demolição, é seu dever buscar a regularização, até porque “a falta de alvará de conservação ou de “habite-se” não tipifica qualquer crime ou contravenção penal, sendo mero ilícito administrativo” (RT 537/36).

Mais ainda, se o Departamento de Urbanismo identifica diligência na regularização, e verifica também que a edificação é passível de adequação e isto lhe emprestará as indispensáveis condições de respeito às normas de Direito Público.

A Jurisprudência dominante do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido que “as construções sem projeto devem ser mantidas quando estejam em conformidade com as exigências edilícias ou forem a elas adaptadas”.

Por tudo isso discordo do meu amigo e não tenho qualquer temor em afirmar que havendo possibilidade de regularização deve o Departamento de Urbanismo buscá-la, ao invés de embargar ou demolir edificações e construções.

E o argumento de que: “essa regularização “a posteriori” seria um “prêmio” aqueles que edificam sem projeto” não se sustenta porque a manutenção de construções e edificações realizadas sem a aprovação de projeto, a manutenção provisória de seu funcionamento até a expedição dos alvarás ou “habite-se” vem acompanhados de taxas e multas, às quais a municipalidade não pode renunciar, e o que se busca é o interesse público, através da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa (art. 170 da Constituição Federal).