Controle constitucional

STF será o foro de contestação de pacote tributário

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28 de junho de 2001, 0h00

O mecanismo conhecido como incidente de constitucionalidade centraliza a discussão da validade de uma medida no Supremo Tribunal Federal – o que impede que os contribuintes busquem liminares em outras instâncias da Justiça, como normalmente acontece quando o governo baixa medidas polêmicas.

A intenção do governo é apressar o julgamento de eventuais ações contra o pacote, evitando pendências que poderiam durar anos, segundo a Advocacia-Geral da União.

Para a Associação Nacional dos Procuradores da República, a proposta é “autoritária” e fere o direito constitucional de livre acesso ao Judiciário. Associações que representam juízes federais também criticaram o mecanismo.

O autor da proposta, ministro Gilmar Mendes, defendia a proposta já quando ocupava a subchefia da Casa Civil para Assuntos Jurídicos. É dessa época o texto que se segue:

Incidente de Inconstitucionalidade: Uma proposta de alteração substancial do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade (1)

Na Revisão Constitucional de 1994, afigurou-se acertado introduzir-se o chamado “incidente de inconstitucionalidade”, que permitiria fosse apreciada diretamente pelo Supremo Tribunal Federal controvérsia sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os atos anteriores à Constituição, a pedido do Procurador-Geral da República, do Advogado-Geral da União, do Procurador-Geral de Justiça e do Procurador-Geral do Estado, sempre que houvesse perigo de lesão à segurança jurídica, à ordem ou às finanças públicas. A Suprema Corte poderia, acolhendo incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão de processo em curso perante qualquer juízo ou tribunal para proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional suscitada (2).

Referido instituto destinava-se a completar o complexo sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, permitindo que o Supremo Tribunal Federal pudesse dirimir, desde logo, controvérsia que, do contrário, daria ensejo certamente a um sem-número de demandas, com prejuízos para as partes e para a própria segurança jurídica.

No substitutivo apresentado pelo Deputado Jairo Carneiro ao Projeto de Emenda Constitucional no 96/92 (“Emenda do Judiciário”), propunha-se a adoção do incidente de inconstitucionalidade, nos termos seguintes:

Art. 107. …………………………………………………………………………………………..

§ 5o Suscitada, em determinado processo, questão relevante sobre a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição, e concorrendo os pressupostos do art. 98, § 1o, o Supremo Tribunal Federal, a requerimento dos órgãos ou entes referidos no caput deste artigo, poderá processar o incidente e determinar a suspensão do processo, a fim de proferir decisão com efeito vinculante exclusivamente sobre a matéria constitucional.”

Assim, mediante provocação de qualificados atores do processo judicial, a Corte Suprema ficaria autorizada a suspender os processos em curso e proferir decisão exclusivamente sobre a questão constitucional.

Na nova versão do Relatório sobre a Reforma do Judiciário, apresentada pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira, reitera-se a idéia do incidente de inconstitucionalidade, tal como se pode ler no art. 103, parágrafo 5º, verbis:

“Art.

103……………………………………………………………………………………………..

Parágrafo 5º. O Supremo Tribunal Federal, a pedido das pessoas e entidades mencionadas no art. 103, de qualquer tribunal, de Procurador-Geral de Justiça, de Procurador-Geral ou Advogado-Geral do Estado, quando for relevante o fundamento de controvérsia judicial sobre constitucionalidade lei, ato normativo federal ou de outra questão constitucional, federal, estadual ou municipal, poderá, acolhendo incidente de inconstitucionalidade, determinar a suspensão, salvo para medidas urgentes, de processos em curso perante qualquer juízo ou tribunal, para proferir decisão exclusivamente sobre matéria constitucional suscitada, ouvido o Procurador-Geral da República”.

Ressalte-se de imediato que, a despeito da aparente novidade, técnica semelhante já se adota entre nós desde 1934, com a chamada cisão funcional da competência, que permite que, no julgamento da inconstitucionalidade de norma perante Tribunais, o Plenário ou o Órgão Especial julgue a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da norma, cabendo ao órgão fracionário decidir a espécie à vista do que restar assentado no julgamento da questão constitucional.

Sem dúvida, o incidente poderá ensejar a separação da questão constitucional para o seu julgamento, não pelo Pleno do Tribunal ou por seu Órgão Especial, mas, diretamente, pelo Supremo Tribunal Federal. Ao invés de cisão funcional no plano horizontal, tal como prevista no art. 97 da Constituição, ter-se-á uma cisão funcional no plano vertical.

Daí, o inevitável símile com a técnica consagrada nos modelos de controle concentrado de normas, que determina seja a questão submetida diretamente à Corte Constitucional toda vez que a norma for relevante para o julgamento do caso concreto e o juiz ou tribunal considerá-la inconstitucional (Cf., v.g., Constituição austríaca, art. 140, (1); Lei Fundamental de Bonn, art. 100, I, e Lei orgânica da Corte Constitucional, § 13, no 11, e § 80 s.).

Todavia, as diferenças são evidentes. Ao contrário do que ocorre nos modelos concentrados de controle de constitucionalidade, nos quais a Corte Constitucional detém o monopólio da decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei, o incidente de inconstitucionalidade não altera, em seus fundamentos, o sistema difuso de controle de constitucionalidade, introduzido entre nós pela Constituição de 1891. Juízes e tribunais continuam a decidir também a questão constitucional, tal como faziam anteriormente, cumprindo ao Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição, a uniformização da interpretação do Texto Magno, mediante o julgamento de recursos extraordinários contra decisões judiciais de única ou última instância.

A proposta apresentada pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira contém uma novidade específica em relação às propostas anteriores, pois permite que o próprio Tribunal eventualmente encarregado de julgar a questão constitucional, provoque o pronunciamento uniformizador do Supremo Tribunal Federal.

Nesse caso, ao invés de decidir a questão constitucional, na forma do art. 97, a Corte a quo poderá provocar um pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Introduz-se, assim, modificação significativa no chamado “modelo incidental” de controle de constitucionalidade. Ao lado da possibilidade de declarar a inconstitucionalidade da lei, na forma do art. 97, poderá o Tribunal submeter a questão, diretamente, ao Supremo Tribunal Federal.

É fácil ver, pois, aqui uma aproximação maior entre o incidente de inconstitucionalidade e o chamado “processo de controle concreto” do sistema concentrado europeu. Observe-se que, ao contrário do que ocorre no sistema europeu, que confere o monopólio de censura ao Tribunal Constitucional – e, portanto, obriga o juiz ou tribunal a encaminhar questão constitucional à Corte especializada -, o modelo proposto no Relatório Aloysio Nunes limita-se a facultar a submissão da controvérsia constitucional ao Supremo Tribunal Federal.

Assinale-se que, caso a proposta venha a ser aprovada, o modelo difuso de controle de constitucionalidade sofrerá uma profunda alteração. É que o modelo permitirá uma maior concentração da decisão sobre questões constitucionais no âmbito do Supremo Tribunal Federal. O incidente de inconstitucionalidade proposto oferece ainda solução adequada para a difícil questão do controle de constitucionalidade da lei municipal em face da Constituição Federal.

Os embaraços que se colocam à utilização da ação direta de inconstitucionalidade contra a lei municipal perante o Supremo Tribunal Federal, até mesmo pela impossibilidade de se apreciar o grande número de atos normativos comunais, poderão ser afastados com a introdução desse instituto, que permitirá ao Supremo Tribunal Federal conhecer das questões constitucionais mais relevantes provocadas por atos normativos municipais.

A eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nesses processos hão de fornecer a diretriz segura para o juízo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos de teor idêntico, editados pelas diversas entidades comunais. Essa solução é superior, sem dúvida, a uma outra alternativa oferecida, que consistiria no reconhecimento da competência dos Tribunais de Justiça para apreciar, em ação direta de inconstitucionalidade, a legitimidade de leis ou atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Além de ensejar múltiplas e variadas interpretações, essa solução acabaria por agravar a crise do Supremo Tribunal Federal, com a multiplicação de recursos extraordinários interpostos contra as decisões proferidas pelas diferentes Cortes estaduais.

Outra virtude aparente do instituto reside na possibilidade de sua utilização para solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição. Aprovado o referido instituto, passará o ordenamento jurídico a dispor também de um instrumento ágil e célere para dirimir, de forma definitiva e com eficácia geral, as controvérsias relacionadas com o direito anterior à Constituição, que, por ora, somente podem ser veiculadas mediante a utilização do recurso extraordinário.

Por último, convém ressaltar a importância da inovação contida no aludido instituto, que permite a instauração do incidente não apenas em relação a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, mas também em relação à interpretação constitucional.

Notas de rodapé:

1- Texto publicado no Correio Braziliense, Caderno Direito & Justiça, de 20.9.99.

2 – Cf. Relatoria da Revisão Constitucional, 1994, tomo I, p. 317.

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