Comércio eletrônico

Conheça o projeto de lei que regulamenta o comércio na Web

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20 de junho de 2001, 0h00

O relatório final do projeto que regulamenta o comércio eletrônico e a assinatura digital em negócios feitos pela Web acaba de dar entrada na Câmara dos Deputados. O relator do Projeto de lei 1.483, de 1999, é o deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP).

O projeto deverá ir à votação do plenário nos próximos quinze dias. O voto do relator reconhece a constitucionalidade do projeto. Entre as proposições mais importantes estão: aplicação das recomendações jurídicas das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional,

sistema baseado em criptografia assimétrica para a assinatura digital, validade jurídica de documentos eletrônicos, entre outros.

Leia, na íntegra, o relatório do deputado Semeghini

COMISSÃO ESPECIAL DESTINADA A APRECIAR E PROFERIR PARECER AO PROJETO DE LEI Nº 1.483, DE 1999, DO SENHOR DEPUTADO DR. HÉLIO, QUE “INSTITUI A FATURA ELETRÔNICA E A ASSINATURA DIGITAL NAS TRANSAÇÕES DE COMÉRCIO ELETRÔNICO”, E APENSADO.

PROJETO DE LEI Nº 1.483, DE 1999

(APENSADO PROJETO DE LEI Nº 1.589, DE 1999)

Institui a fatura eletrônica e a assinatura digital nas transações de “comércio” eletrônico.

Autor: Deputado Dr. Hélio

Relator: Deputado Júlio Semeghini

I – RELATÓRIO

O Projeto de Lei nº 1.483, de 1999, de autoria do nobre Deputado Dr. Hélio pretende instituir a fatura eletrônica e a assinatura digital nas transações de comércio eletrônico. O autor da matéria justifica sua iniciativa pela necessidade de se normatizar as relações comerciais entre empresas e entre cidadãos e empresas, dentro do novo paradigma que vem sendo introduzido nas transações comerciais com o rápido avanço da Internet em nosso País.

À proposição foi apensado o Projeto de Lei nº 1.589, de 1999, de autoria do ilustre Deputado Luciano Pizzato e outros, que também dispõe sobre o comércio eletrônico, tratando em especial da validade jurídica do documento eletrônico e da assinatura digital. Referido projeto pretende tratar desde já as novas relações sociais que surgiram com o advento do comércio eletrônico, seguindo tendência observada em diversos países.

Para apreciar as proposições em pauta foi constituída Comissão Especial, à qual compete, nos termos do art. 202 do Regimento Interno, posicionar-se sobre a admissibilidade e o mérito da proposição principal e da apensada.

A Comissão Especial, por aprovação de seu Plenário, definiu uma rotina de trabalho que incluiu reuniões internas e audiências públicas com o intuito de aprofundar as discussões sobre o tema e colher subsídios para a elaboração do presente relatório. Nas audiências públicas, foram ouvidos e participaram dos debates os Senhores Michael Nelson, Diretor de Tecnologia e Estratégia de Internet da IBM Corporation, Marcos da Costa, Presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados de São Paulo, Ivan Moura Campos, Coordenador do Comitê Gestor da Internet, Henrique César Conti, Diretor de Serviços aos Associados da BRISA – Sociedade para o Desenvolvimento da Tecnologia da Informação, Fernando Nery, Diretor da ASSESPRO, Rogério Vianna, Coordenador Geral de Comércio Eletrônico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Pedro Luiz César Bezerra, Coordenador de Tecnologia da Receita Federal, Odécio Grégio, Diretor de Comércio Eletrônico do BRADESPAR, Caio Túlio Costa, Diretor-Geral do Universo Online, Murilo Tavares, Presidente da Submarino do Brasil, Juliana Behring, Diretora de Parceria do Amelia.com.br, do Grupo Pão de Açucar, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Marcos Diegues, Coordenador do Departamento de Atendimento do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

Várias colocações apresentadas pelos palestrantes durante as audiências públicas contribuíram, de forma significativa, para a formação da opinião deste relator sobre o assunto, razão pela qual optamos por incluí-las, neste relatório, de forma resumida.

Para a primeira audiência pública da Comissão Especial, realizada em 31/5/2000, foram convidados os Srs. Michael Nelson, Diretor de Tecnologia e Estratégia da Internet da IBM Corporation, e Marcos da Costa, Presidente da Comissão Especial de Informática Jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil.

O Sr. Michael Nelson, com a experiência de ex-funcionário do gabinete da Vice-presidência do Governo do Estados Unidos e ex-integrante do Subcomitê de Ciência e Tecnologia e Assunto Especiais do Senado norte-americano, fez sua explanação baseado na perspectiva que a IBM Corporation tem a respeito do comércio eletrônico e do negócio eletrônico em vários países do mundo onde ela atua.

Dizendo-se muito impressionado com a franca expansão do comércio eletrônico no Brasil, bem como com o elevado grau de conhecimento que os funcionários do governo brasileiro têm sobre a matéria, o palestrante apresentou algumas sugestões sobre como se pode fomentar o crescimento do comércio eletrônico no Brasil.


O Sr. Nelson citou que, há dois anos, nos Estados Unidos, a Casa Branca emitiu um relatório denominado “A Economia Digital Emergente”, que documentava o grau de importância que a Internet havia comprovado ter para a economia daquele país. Nesta análise da revolução da Internet, o Sr. Nelson entende que somente 3% está concluída, sendo que em pouquíssimos anos, talvez quatro anos, os microcomputadores serão mil vezes mais potentes e o custo do transporte de dados na Internet decrescerá 99% ao longo dos próximos cinco anos.

O representante da IBM entende que é preciso, claramente, ter regras para o mercado digital, pois é preciso lidar com questões de tributação, proteção ao consumidor, privacidade de dados, assinatura digital, correio eletrônico e contratos de transações on line. Porém, ressalva que ainda não está claro se, de fato, é necessário ter-se a regulação do Governo para lidar com todas essas questões. Talvez, argumenta ele, seja possível em muitas situações trabalhar-se com soluções não-regulatórias, isto é, soluções internacionais, de natureza não-reguladora. Nesse entendimento, segundo ele, é preciso observar que os legisladores, bem como os líderes do setor, devem assegurar que não atuarão como obstáculo ou empecilho à expansão da Internet ou do comércio eletrônico. Ainda neste sentido, entende que o Governo deve deixar o setor privado e as organizações não-governamentais encabeçarem a liderança do processo de auto-regulamentação no setor de comércio eletrônico.

De outro modo, o Sr. Nelson destacou a necessidade de se pensar o comércio eletrônico em escala global, pois o mercado eletrônico se dá em escala global. Assim, não se pode criar soluções unicamente internas ou nacionais, porque este caminho não será adequado para regular o comércio eletrônico entre os diversos países.

Também frisou a importância de não se definir, na legislação, uma única tecnologia, de modo a assegurar que muitas pessoas possam experimentar diferentes tipos de tecnologias que, por sua vez, trarão diferentes soluções aos problemas que hoje enfrentamos para regulamentar o comércio eletrônico.

Não se pode ainda, segundo o Sr. Nelson, projetar o futuro na questão da Internet. As oportunidades na área do comércio eletrônico e na Internet serão ilimitadas e não convém redigir, desde já, uma legislação que tente prever essa ou aquela situação, uma vez que muitas opções e novas oportunidades certamente irão surgir.

O Sr. Nelson concluiu textualmente: “Lembrem-se, também, que, muitas vezes, na área de regulação menos significa mais. A Internet, até agora, vem crescendo sem muita regulação. E, na maioria dos países, ela tem duplicado e até mesmo triplicado a cada ano. Isso, em grande medida, devido ao fato de não estar sujeito à regulação. De modo que, em suma, não regule; apenas demonstrem.”

Quanto à legislação sobre a assinatura digital, o palestrante lembrou que devem ser consideradas formas pelas quais o próprio Governo brasileiro possa utilizar assinaturas virtuais, de modo que ele mesmo demonstre as oportunidades existentes nessa área.

Destacou, finalmente, que nos Estados Unidos foi criado um Grupo Projeto Internet Global, que é presidido pela IBM, e tem como atribuições, dentre outras, desenvolver novas soluções para problemas relacionados à Internet. Dentre as questões mais recentes discutidas pelo Grupo encontram-se o nome de domínio; a segurança no espaço cibernético e recomendações para que os Governos, por si próprios, façam, mediante o uso de assinaturas digitais, o aperfeiçoamento de procedimentos com o fim de promover o aumento da segurança na Internet.

O Dr. Marcos da Costa, advogado representante da OAB-SP, iniciou sua exposição destacando que no Brasil é preciso entender o conceito de comércio eletrônico, com dois aspectos bem apartados: um, é o comércio eletrônico como objeto; o outro, é o meio eletrônico como instrumento. Neste sentido, diz ele, que em relação ao comércio a legislação já é bastante adequada. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro é um dos mais destacados no mundo inteiro, sendo complementado satisfatoriamente pelo Código Civil, Código Comercial e por uma série de leis esparsas.

Porém, no tocante ao instrumento eletrônico, o Dr. Costa entende que ainda não há base legislativa no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países onde ela é bem solidificada. No caso do Estados Unidos, há uma grande quantidade de legislações estaduais prevendo a questão da privacidade, no sentido de regular o tratamento informatizado de dados cedidos a uma terceira pessoa.

Na Europa, países como Espanha e Portugal já tratam em disposições constitucionais, especificamente, da proteção do cidadão, em face do tratamento automatizado dos seus dados pessoais. Também há uma diretiva da Comunidade Européia e uma série de leis em todas as nações que a compõem.


A mesma condição legislativa se repete nos Estados Unidos e na Comunidade Européia com relação ao documento eletrônico. Na Alemanha, Itália, Portugal, Espanha e França, as legislações internas asseguram ao documento eletrônico a mesma eficácia do documento em papel. Na América do Sul, o Governo da Argentina expediu um decreto que trata da questão do documento eletrônico no âmbito da administração pública. Também, Uruguai e Colômbia já estão em processo de regulamentação da matéria. O Brasil ainda não expediu, até o presente momento, qualquer norma tratando do instrumento eletrônico.

Como regular a Internet, num conceito de comércio global, indaga o Dr. Costa, quando se lida com uma tecnologia que se moderniza a cada dia? Segundo ele, existem parâmetros, normas de caráter transnacional ou supranacional, que devem ser vistas como fonte base de inspiração por parte dos legisladores nacionais.

Segundo o Dr. Costa, existem fundamentalmente duas fontes principais de legislação que devem ser criteriosamente observadas: uma, é a lei modelo da UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional), e a outra, são as propostas em discussão de diretivas do Parlamento Europeu, que tratam de assuntos como assinatura digital ou comércio eletrônico.

Quanto à privacidade, o Dr. Costa observou que no mundo já existem muitas leis específicas tratando do tema, enfatizando a privacidade do cidadão em face do tratamento automatizado de seus dados. Assim, entende ele, a preocupação em relação a esse assunto deve dizer respeito ao tipo de tratamento automatizado que se dá aos dados de alguém por parte de terceiros.

Com relação ao comportamento dos provedores com a privacidade de seus cliente, há que se criar o conceito de responsabilidade num ambiente em que se saiba que eles, provedores, não terão condições de conhecer todas as informações que trafegam na rede por seu intermédio. Neste aspecto, o Dr. Costa também sugere que sejam adotados modelos de legislações já existentes em outros países, a exemplo da França. O princípio a ser seguido em relação aos provedores, segundo Dr. Costa, é o que considera que eles não têm responsabilidades sobre os dados que trafegam por seu intermédio, mas, a partir do momento em que têm conhecimento inequívoco de que estão servindo para instrumentalizar ilícitos, devem promover a imediata suspensão desses serviços.

No tocante ao documento eletrônico e assinatura digital, o Dr. Costa, na qualidade de um dos formuladores do Projeto de Lei nº 1.589/99, entende que a proposição adotou o que há de mais moderno no direito comparado, na medida em que optou por garantir eficácia jurídica ao documento eletrônico, a partir de sua criação, pelo sistema de criptografia assimétrica. Assim, assinala ele, o documento eletrônico emitido por meio de criptografia assimétrica ou de chave pública passaria a ter eficácia jurídica.

Alguns países só trataram da certificação eletrônica sob o ângulo público, a exemplo da Itália, onde somente as certidões emitidas por órgãos públicos têm validade jurídica. Nos Estados Unidos, cujo conceito de responsabilidade difere do adotado na legislação brasileira, as legislações estaduais reconhecem eficácia jurídica, inclusive, à certidão privada, mas com participação de uma empresa chamada Certisign, que, segundo o palestrante, seria a maior certificadora privada do mundo.

Desse modo, nos Estados Unidos, a Certisign e outras entidades privadas se encarregam da tarefa de comprovar se a pessoa que se apresenta como titular de uma chave pública é efetivamente quem se diz ser. Essa atividade exercida pelas certificadoras privadas exige a adoção de diferentes classes de certificação, a saber: classe 1, com um determinado nível de responsabilidade; classe 2, com um nível de responsabilidade mais ampla; classe 3, com uma responsabilidade mais próxima do nível pleno. Este último nível de responsabilidade é o que se utiliza, nos Estados Unidos, para atender a base pública de órgãos públicos, notários, consulados e outras entidades que tenham fé pública, com a finalidade de assegurar a plena validade à titularidade da chave pública que estes órgãos públicos estão certificando.

Em 14 de junho de 2000, foram ouvidos em audiência pública, os Senhores Ivan Moura Campos, do Comitê Gestor da Internet, e Henrique César Conti, da BRISA.

O Senhor Ivan Moura Campos iniciou sua exposição apresentando um vocabulário básico da Internet, com o objetivo de uniformizar alguns conceitos (provedor de acesso, backbone, provedor de informação, roteamento, etc.) entre os presentes e facilitar a compreensão de sua palestra e a delimitação mais clara dos aspectos sobre os quais pode-se ou não legislar.

Em seguida, apresentou duas decisões estratégicas que foram tomadas no passado e que, segundo sua opinião, foram imprescindíveis para o desenvolvimento da Internet em nosso País. Em primeiro lugar, destacou a decisão do governo de dispensar de outorga as atividades ligadas a Internet. A outra decisão que considerou mais importante ainda foi impedir as companhias telefônicas de prestarem o serviço de acesso discado a Internet.


Como resultado, o Brasil possui hoje cerca de 450 mil hosts de Internet (computadores permanentemente ligados à rede), o que coloca o País em 13º lugar no mundo. Para o futuro, o palestrante apresentou algumas sugestões sobre como deve atuar o Brasil no contexto internacional, altamente competitivo e globalizado, merecendo destaque a ênfase que deve ser dada à participação do Brasil nos negócios associados à Internet.

Destacou ainda a convergência da informática e das telecomunicações com a indústria de mídia e de conteúdo, que está ocorrendo em direção ao protocolo IP que, segundo ele, será utilizado por todas as partes interessadas.

Com relação ao comércio eletrônico propriamente dito, o depoente enfatizou que o mesmo não se restringe ao chamado business-to-business e ao business-to-consumer, abrangendo também relações destes dois segmentos com o governo. No caso das relações entre negociantes e consumidores já existe hoje um fluxo invertido no qual o consumidor solicita serviços ou produtos na rede, sem contar as relações diretas entre consumidores.

Quanto aos temas que deverão ser objeto de ação legislativa sugeriu certificação, autenticação, privacidade e segurança como sendo matérias sobre as quais existe uma certa unanimidade, embora existam alguns defensores da auto-regulamentação. Quanto ao direito autoral, considerou que se trata da matéria mais difícil de se tratar no âmbito da Internet. Outra matéria que oferece desafios complexos para o legislador é a questão tributária que provocará discussões sobre, por exemplo, origem e destino, não limitadas ao território brasileiro, mas também críticas no âmbito internacional.

Destacou que, nesse caso específico, não estamos atrasados, pois este é um problema que ainda não se equacionou em nenhum país.

O segundo palestrante, Henrique Conti, iniciou seu depoimento apresentando, de forma resumida, informações sobre a BRISA que é uma instituição sem fins lucrativos, que presta a seus associados serviços de consultoria em informática e telecomunicações.

O depoente, em seguida, ressaltou que o comércio eletrônico já existia antes do aparecimento da Internet, pois as empresas fazem há muito tempo suas transações utilizando o padrão EDI (Electronic Data Interchange). Com o advento da Internet, as transações foram ampliadas e deixaram de envolver apenas parceiros habituais, que já se conheciam e tinham acordo prévio para fazer o EDI, e passaram a atingir os consumidores em geral e empresas que não possuíam nenhuma relação prévia. Além disso, os usuários simplesmente desconhecem onde fica localizada a empresa fornecedora do bem ou do serviço, nem se ela opera no País ou no exterior. Outro fator citado pelo palestrante, que aponta a necessidade de uma nova regulamentação, é a natureza dos bens comercializados pela Internet.

Para regular a matéria, o representante da BRISA sugeriu, no entanto, uma postura cuidadosa, buscando-se a compatibilidade internacional e a simplificação dos procedimentos e evitando-se com isso limitar as oportunidades oferecidas pela Internet.

O palestrante tratou de enfatizar, em seguida, a questão das fraudes no comércio realizado por meio da Internet. Para impedir comportamentos que causem prejuízos tanto aos consumidores como aos vendedores ou prestadores de serviços, há que se tomar medidas de precaução. Em primeiro lugar, o depoente destacou a necessidade de se autenticar os participantes de uma transação, bem como se assegurar que a transação seja válida, tanto nos casos que envolvem consumidores, como naqueles que envolvem apenas organizações, sem esquecer as transações que incluem o governo. Por último, elencou outra medida relevante: proteger a integridade da transação, de forma a se garantir que não houve adulteração no meio do processo.

Segundo o representante da BRISA, o melhor meio disponível hoje para atingir as medidas citadas é o mecanismo de chaves públicas e chaves privadas. Esse mecanismo, no entanto, depende de um sistema que garanta a autenticidade e a integridade das chaves, uma estrutura capaz de guardar as chaves das pessoas e das entidades que realizam transações na Internet e fornecer certificados que assegurem a propriedade das chaves.

Discute-se, em nível mundial, segundo Henrique Conti, qual o melhor sistema de certificação a ser adotado. Pode-se criar uma hierarquia de certificadoras públicas ou privadas, baseado numa certificadora-raiz que possui as informações de todas as outras certificadoras. Nos Estados Unidos, segundo o convidado, esse modelo vem sendo duramente criticado, devido a preocupações com privacidade. Observa-se, portanto, uma tendência no sentido de implantar sistemas de certificação não hierárquicos, baseados no mútuo reconhecimento e troca de certificados entre várias certificadoras.


Por fim, o palestrante teceu alguns comentários sobre os projetos em apreciação na Comissão Especial, cabendo destacar: 1) não é usual no cenário internacional, a certificação de assinaturas por órgão público; 2) a exigência de fé pública deveria se restringir a situações para as quais haja previsão legal; 3) receio quanto à capacidade do Ministério da Ciência e Tecnologia certificar os programas das certificadoras; 4) deve ser dado tratamento diferenciado à necessidade de armazenamento de cópias eletrônicas e de cópias físicas; 5) tecnologia de certificação não deve ser especificada na lei, mas num decreto de regulamentação.

Da audiência seguinte, realizada em 09 de agosto de 2000, participaram Fernando Nery, da ASSESPRO, Rogério Vianna, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, e Pedro Luiz César Bezerra, da Receita Federal.

O primeiro palestrante, Sr. Fernando Nery, iniciou sua apresentação fornecendo alguns dados sobre o comércio eletrônico no Brasil com o intuito de demonstrar a competência do País no setor e o grande potencial de seu mercado interno. No âmbito da América Latina, segundo o depoente, o Brasil detém hoje 88% das transações realizadas por meio da Internet, enquanto o México é responsável por 8% e a Argentina por apenas 2%. Em 2005, a Internet ocupará em nosso País 11% do mercado publicitário e movimentará 9 bilhões em negócios voltados para o consumidor final.

Em seguida, o representante da ASSESPRO passou a se posicionar sobre a assinatura digital, afirmando que ela é necessária para aumentar a credibilidade das transações de comércio eletrônico e, por conseguinte, incrementar o número de transações e os valores negociados por meio da Internet, colocando o Brasil em posição de destaque no cenário mundial. O palestrante alertou então para o risco de se assistir à realização das compras em outros países, caso a regulamentação não seja logo aprovada.

O depoente informou que a Argentina já tem legislação sobre assinatura digital e que o Presidente dos Estados Unidos acabara de sancionar lei sobre a matéria que deveria ser considerada pela Comissão Especial.

Destacou ainda outra questão que merece, em sua opinião, a atenção do Legislativo: a tributação do comércio eletrônico. Afirmou que os principais atores nesse negócio são simpáticos à tributação do comércio eletrônico em geral e apresentou sua posição pessoal, como técnico, que considera mais fácil tributar esse tipo de comércio do que o tradicional. Citou outros assuntos que são objeto de propostas que tramitam, no momento, no Congresso Nacional, que vão certamente influenciar fortemente o funcionamento da Internet no Brasil: registros de sites de comércio eletrônico; crimes por computador, moeda eletrônica, direito autoral, propriedade industrial e patentes de modelos de negócios no âmbito da Internet e desregulamentação do setor de telecomunicações.

O palestrante concluiu sua exposição alertando que a provação de uma legislação regulando a assinatura digital levaria a um aumento de confiança no comércio eletrônico e evitaria que outros países que já regulamentaram o assunto tirassem o Brasil de sua posição de liderança nesse negócio. Ademais, a legislação de assinatura digital é muito importante para viabilizar as aplicações governamentais, dando uma clara sinalização para os governos estaduais sobre a relevância que está sendo atribuída à matéria.

O Sr. Rogério Vianna, representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, iniciou sua exposição fazendo um breve histórico da atuação do ministério no tema objeto da Comissão Especial. Relatou, então, que a primeira iniciativa data de 1998, quando o então Ministro Botafogo criou um grupo interno de trabalho sobre o comércio eletrônico, que se reuniu e produziu relatório que serve até hoje de guia para o ministério.

A primeira conclusão que se tirou à época, segundo o depoente, foi a necessidade de enfocar a questão da assinatura digital. Na ocasião não havia, salvo engano, proposta legislativa em tramitação no Congresso e o grupo considerou que não era conveniente propô-la de imediato, mas sim disciplinar o uso da assinatura digital pelo governo. Na seqüência, o palestrante informou à Comissão que a primeira iniciativa nessa direção foi tomada, no final de 1999, pela Receita Federal que anunciou por meio de Instrução Normativa que disporia de serviços com base na assinatura digital. Em abril de 2000, o Presidente da República criou um grupo de trabalho, no âmbito da Casa Civil, para se debruçar sobre o tema, cabendo destacar a grande preocupação existente com a democratização do acesso à Internet, fundamental tanto do ponto de vista do mercado e dos negócios, como mecanismo fundamental de reforço da cidadania.


Segundo o palestrante, a prestação de informações aos cidadãos por meio da Internet depende intrinsecamente da assinatura digital, pois é necessário garantir que as informações estão sendo prestadas unicamente ao interessado, que deve, portanto, ser devidamente identificado. Resolvido esse problema com o uso da assinatura digital, há que se promover o amplo uso da Internet por todas as camadas sociais, sob pena de prestar serviços, apenas, a uma pequena parcela da população.

Para aprofundar essas e outras questões relacionadas ao comércio eletrônico, o representante do MDIC informou à Comissão que, poucos dias antes, havia sido criada, no âmbito do governo federal, o Comitê Executivo do Comércio Eletrônico, composto por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Ciência e Tecnologia e do Planejamento, Orçamento e Gestão, que será o locus para onde deverão convergir todas as demandas, propostas e problemas relacionados ao assunto.

Quanto à legislação, o convidado considerou que sua elaboração é absolutamente fundamental e concordou com o palestrante anterior quanto à utilização da legislação federal americana como referência para o trabalho da Comissão. Sobre essa legislação, comentou que ela possui uma preocupação básica: tratar os direitos do consumidor no mundo virtual, com certeza, o problema mais importante a ser equacionado pela legislação de comércio eletrônico. Esclareceu, ainda, que referida lei pretende criar um “clima” favorável, isto é, um ambiente adequado para os negócios, para o consumidor, para a sociedade e para o governo e baseia-se fortemente na Lei Modelo da UNCITRAL.

Neste caso, a postura adotada pelos legisladores, segundo o depoente, foi de minimizar a interferência sobre as atividades privadas, procurando apenas dar validade ao contrato eletrônico e proteger os direitos das partes envolvidas.

Concluindo, o palestrante, afirmou que o mundo todo ainda está tateando sobre o tema e citou a existência de legislação de comércio eletrônico na Alemanha e na Itália e a recente aprovação pelo Parlamento Europeu de diretiva da União Européia sobre o assunto.

O último convidado da terceira audiência pública, Sr. Pedro Bezerra, iniciou sua exposição afirmando que a Receita Federal trabalha com dupla visão nessa área de tecnologia e na sua forma de atuação. Na primeira visão, a Receita quer ser enxergada pelo contribuinte e facilitar o cumprimento de sua obrigação tributária e, para isso, utiliza fortemente a Internet.

Na seqüência, apresentou várias informações para ilustrar o nível de utilização da rede, em especial com relação à entrega da declaração de Imposto de Renda, que atingiu, em 2000, a espantosa cifra de 11 milhões e 100 mil enviadas via Internet dentro de um universo de 13 milhões de declarações. Esclareceu que a Receita hoje é totalmente dependente da Internet para realizar seu processo básico e a utiliza para prestar vários outros serviços relevantes ao contribuinte.

Segundo o depoente, para poder avançar ainda mais no uso da Internet, a Receita Federal precisou instituir, em 1999, por meio de uma Instrução Normativa, os certificados digitais.

Na realidade, o que se instituiu foram os cartões de identificação do contribuinte emitidos por meio eletrônico, utilizando a tecnologia de certificação digital. Antes de decidir pela publicação da Instrução Normativa, a equipe da Receita estudou profundamente a situação da legislação no Brasil e as legislações do mundo inteiro e concluiu que o órgão tinha competência para legislar sobre o assunto. Essa conclusão baseou-se no fato de que as instruções normativas da Receita fazem parte da legislação tributária e podem modificar, como já fizeram várias vezes no passado, a identificação do contribuinte e estabelecer regras na relação entre contribuinte e Fisco.

O representante da Receita tratou, em seguida, de discutir alguns detalhes da Instrução Normativa. Em primeiro lugar, destacou que referida instrução trata tanto da tecnologia de certificação digital como dos procedimentos de credenciamento de autoridades certificadoras, atribuindo à Receita o papel de autoridade credenciadora. Define as regras para o credenciamento de empresas ou instituições que se disponham a participar de um processo de concurso público, no qual são avaliadas tanto sua capacidade técnica, como características e condições como, por exemplo, capital mínimo. Estabelece, ainda, que a Receita fará auditorias periódicas nas autoridades certificadoras, às quais cabe emitir os certificados eletrônicos (e-CPF e e-CNPJ), por conta e custo do contribuinte, que, em contrapartida, passa a contar com serviços prestados via Internet que somente podiam ser prestados pessoalmente.

O palestrante informou à Comissão que o sistema de certificação é baseado na emissão de um certificado raiz da Receita que deve ser colado ao certificado da certificadora credenciada. Esses dois certificados são anexados ao certificado do contribuinte, garantindo que ele recebeu a certificação de uma entidade credenciada pela Receita. Essa sistemática permitirá que o contribuinte obtenha a cópia de sua declaração ou que uma CPI, ou um juiz, devidamente certificados, acessem o banco de dados da Receita para consultar as declarações de qualquer pessoa.


A Instrução Normativa, segundo o depoente, não mexeu na questão das autoridades registradoras que continuam sendo intervenientes nesse processo. Nesse caso, num primeiro momento, a Receita optou por continuar trabalhando apenas com os cartórios públicos.

Neste ponto, o convidado passou a discorrer sobre a segunda visão que norteia os trabalhos da Receita, explicando que ela é necessária, pois nem todo contribuinte quer ser enxergado pela Receita. Nesse caso, é preciso garantir que a tecnologia não seja usada para aumentar a fraude. É fundamental, na opinião do representante da Receita, que a legislação traga uma série de definições, uma vez que o comércio eletrônico revolucionou vários princípios tributários. É necessário redefinir o fato gerador, a origem, o destino e as responsabilidades fiscais. Concluiu, destacando que cabe ao Legislativo legislar sobre o comércio eletrônico em geral e criar novos princípios do ponto de vista tributário.

Na audiência pública seguinte, realizada em 23/08/2000, foram convidados, o Sr. Odécio Grégio, Diretor de Comércio Eletrônico da Bradespar; o Sr. Caio Túlio Costa, Diretor Geral da Universo On Line (provedor UOL); o Sr. Murilo Tavares, Presidente da empresa Submarino do Brasil; e a Sra. Juliana Behring, Diretora de Parceria do Grupo Pão de Açúcar.

O Sr. Odécio Grégio, representante do grupo Bradesco, iniciou sua palestra dizendo que, em 1998, a Bradespar lançou sua primeira experiência de comércio eletrônico na Internet, sendo que o site possuía apenas uma carteira eletrônica, cujo sistema era seguro e utilizava criptografia de 1.024 bits. O cliente podia utilizar cartão de crédito, cartão de débito e cartão de poupança, apenas cadastrando uma senha de, no mínimo, oito dígitos.

Ressaltou, ainda, que o Bradesco tem evoluído constantemente nas ferramentas de segurança para o cliente dentro do ambiente do site de comércio eletrônico. Neste sentido, desenvolveram um novo sistema, no qual o próprio site emite um boleto bancário. Este boleto bancário, como meio de pagamento, já aparece na tela para o cliente, que poderá pagá-lo no banco de sua preferência ou, mesmo, por intermédio de algum Internet banking.

O Sr. Caio Túlio Costa, representante do provedor UOL, teceu alguns comentários bem sucintos e genéricos acerca do comércio eletrônico. Iniciou sua exposição destacando que apenas 5% da população brasileira, ou 8,5 milhões de pessoas, tem acesso à Internet no País, porque existem algumas barreiras, ainda intransponíveis no momento, como o alto custo dos computadores e a pequena disponibilidade de linhas telefônicas no Brasil.

Destacou que em recente pesquisa feita com usuários do portal UOL, foi detectado que 80% dos que passam pelas páginas de comércio eletrônico não fazem compras via Internet. Porém, a grande maioria dos entrevistados, 86% desses 80%, disseram que não fazem compras por sentirem falta de segurança na transação.

O palestrante entende que as proposições que tramitam no Congresso Nacional devem regulamentar fundamentalmente o fator segurança nas transações verificadas no ambiente Internet. Também acha que as experiências no Brasil e no exterior já têm demonstrado que deve-se permitir que várias instituições, públicas e privadas, possam desenvolver sistemas capazes de dar segurança e autenticidade a uma assinatura digital. No seu entendimento, quanto mais empresas estiverem capacitadas e devidamente reguladas para atender a esse objetivo, melhor será para a população.

Assim, conclui o depoente, a regulamentação para as transações e autenticações eletrônicas da assinatura digital não deveria criar reservas de mercado, mas, sim, permitir que diversas instituições possam desenvolver tecnologias para a execução dessa atividade de certificação.

Em seguida, o Sr. Murilo Tavares, empresário e presidente do site Submarino, iniciou sua explanação, dizendo-se representante do segmento do comércio eletrônico no Brasil. Citou dados que indicam uma movimentação entre 200 a 300 milhões de reais no comércio eletrônico entre as nações na Internet no ano de 1999, sendo que já há estimativas, segundo ele, de que este volume possa chegar, nos próximos três ou quatro anos, a mais de 8 bilhões de reais.

Acredita, o Sr. Tavares, que o comércio eletrônico deverá atender a uma demanda reprimida, por meio da conveniência e facilidades que as pessoas terão para consumir, e permitirá suprimir dificuldades geográficas, na medida em que disponibilizará produtos e mercadorias para pessoas localizadas nas pequenas cidades brasileiras. Também as indústrias brasileiras estão muito empenhadas no crescimento do comércio eletrônico no País, porque poderão oferecer uma gama de produtos muito maior do que a oferecida por intermédio das lojas de rua.

No seu entendimento existe uma diferença crucial na questão da privacidade, quando esta é questionada no ambiente Internet. Assim, no mundo real, o consumidor pode ser um anônimo, na medida em que entra numa loja, olha os produtos que quer e vai embora, sem que ninguém saiba o que ele fez. Já no ambiente da Internet, ocorre exatamente o contrário, pois quando o “consumidor-internauta” entra num determinado site de compras, o administrador desta página saberá precisamente quais as características deste consumidor. Logo, surge a discussão sobre como o lojista da Internet deverá lidar com a privacidade dos dados de seu cliente que acabou de passar pela sua página. Entende, Murilo Tavares, que uma pessoa não pode ser exposta pelo fato de estar adquirindo um produto ou simplesmente navegando num determinado site.


A segunda grande preocupação demonstrada pelo convidado diz respeito à clareza da transação. O comerciante na Internet tem que dizer exatamente o que está vendendo, quanto custa, quanto tempo demora e quais as condições da entrega do produto, além de alertar o consumidor sobre os possíveis problemas que poderão ocorrer com a entrega. Apesar dessa preocupação também existir no comércio praticado no mundo real, no comércio eletrônico há o agravante de que o consumidor não poderá voltar à loja para reclamar pessoalmente por ter sido mal-atendido .

Outro terceiro aspecto, não menos importante na opinião do palestrante, é a confidencialidade dos dados do consumidor no comércio eletrônico. Além da veracidade e da boa-fé na transação, é necessário que se preserve a confidencialidade dos dados financeiros do cliente numa determinada transação comercial no ambiente eletrônico. Na triangulação entre consumidor, lojista e meio de pagamento, é preciso que se tenha formas contratuais e legais de se assegurar, com auxílio da tecnologia da criptografia, a confidencialidade dos dados financeiros de um consumidor que se dispôs a declarar, por exemplo, o número de seu cartão de crédito.

A Sra. Juliana Behring, diretora da divisão de comércio eletrônico do Grupo Pão de Açúcar (site Amélia), destacou que o site do Pão de Açúcar Delivery foi, em junho de 1996, um dos pioneiros em comércio eletrônico no Brasil, tendo surgido a partir da larga experiência de comércio varejista adquirida pelo Grupo Pão de Açúcar.

Atualmente, entende a palestrante, que com a evolução do comércio no ambiente virtual, é preciso que a legislação não engesse as formas que as empresas terão para disponibilizar mecanismos de uso facilitado para o consumidor neste novo ambiente de compras, que é a Internet. O cliente, na sua opinião, não pode encontrar muitas barreiras para efetuar a compra no ambiente virtual, devendo lhe ser facultado, por exemplo, o uso de assinaturas digitais por meio de senhas.

Alertou que o Grupo Pão de Açúcar vem enfrentando uma barreira específica quanto às formas de pagamento no comércio eletrônico, uma vez que o boleto bancário não tem validade jurídica e, quando se vende a prazo, o estabelecimento se sujeita à inadimplência muito grande. Segundo ela, o site do Grupo opera hoje com diversas formas de pagamento, a saber: cartão de crédito, 60%; cheque, 35%; vale-refeição eletrônico, 3%; e dinheiro, 2%. Com relação ao boleto bancário somente irão utilizá-lo para vendas à vista, pois nas vendas a prazo a validade jurídica do boleto é muito questionável. Algumas empresas do segmento de cartão de crédito já estão se mobilizando para oferecer meios de pagamento mais seguros na Internet.

Por fim, a Sra. Juliana Behring insistiu que o legislador não deve permitir que apenas um órgão seja autorizado a emitir a certificação digital. Mostrou muita preocupação também com a avaliação dos órgãos que poderão conceder a certificação digital, bem como a periodicidade dessa avaliação. No seu entender, essa avaliação deveria ser inferior a dois anos, porque a tecnologia corre muito rápido, e as ferramentas oferecidas no ambiente eletrônico também evoluem num ritmo muito intenso.

Na última audiência pública realizada pela Comissão Especial, em 22/03/2001, foram ouvidos S.Exa., o Dr. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, e o Dr. Marcos Diegues, Coordenador do Departamento de Atendimento do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor.

O Ministro Ruy Rosado destacou, inicialmente, a grande responsabilidade dos legisladores na tarefa de normatizarem as condutas das pessoas no novo ambiente da Internet, cujas conseqüências já são significativas para uma parcela da sociedade brasileira. Assim, entende que a lei sobre os serviços da sociedade de informação é necessária para trazer segurança às relações decorrentes dos negócios gerados neste novo ambiente. A tarefa do legislador será de dar solução a algumas questões, porém evitando criar um instrumento de contenção, que prejudicaria o desenvolvimento do mercado. Assim, entende o Ministro, deve-se, como princípio básico, não dificultar e, sim, facilitar o exercício da atividade informática na rede mundial de computadores.

Como parâmetro inicial deve-se observar, diz ele, a lei modelo da UNCITRAL (modelo aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas), que enuncia: “Não se negarão efeitos jurídicos, validez ou força obrigatória à informação pela só razão de que está em forma de mensagem de dados”. Isto é, não ter nenhum preconceito com relação ao que consta da rede; segundo, não impor sistemas prévios de fiscalização e de controle aos participantes dos serviços de informática; terceiro, manter e acentuar a necessidade de proteção do consumidor; quarto, permitir a aplicação do direito existente para todas as situações que não exijam regulação específica.


Os temas a serem enfrentados na tarefa de legislar sobre ações praticadas no ambiente Internet podem ser assim elencados:

decidir sobre a proteção da privacidade do titular dos dados pessoais inseridos na rede;

definir as atividades que não podem ser veiculadas na Internet, como, por exemplo, programas que gerem danos informáticos, difusão de material pornográfico, apologia ao terrorismo, violações à propriedade intelectual, dentre outras;

dispor sobre os métodos para garantir a autoria e a veracidade dos documentos eletrônicos;

estabelecer a responsabilidades dos agentes que atuam na Internet, como o autor da informação, o receptor dela, os intermediários que prestam serviços de telecomunicações dos que prestam serviços de busca.

Com relação especificamente ao comércio eletrônico, destaca o Sr. Ministro, é preciso definir os requisitos específicos do contrato celebrado na rede; o lugar onde é celebrado, o tempo, a lei aplicável, a formalização do contrato, a sua prova, o meio e o modo de reclamação, a assistência que possa ser dada ao consumidor e a responsabilidade do prestador de serviços ou do fornecedor dos produtos comercializados.

Na primeira análise que fez sobre o Projeto de Lei nº 1.589/99, de autoria do Deputado Luciano Pizzatto, o Sr. Ministro apontou que alguns princípios recomendáveis para o comércio eletrônico foram adotados na proposição, a saber: libera o fato informático de qualquer autorização prévia (art. 3º); preserva a legislação de proteção ao consumidor (art. 13); cria um sistema de garantia da autenticidade e veracidade dos documentos (art. 24 e seguintes). Ao dispor sobre o contrato, o PL nº 1.589/99, enumera os requisitos que deve conter a oferta, que são genericamente os mesmos requisitos que constam do art. 5º da Diretiva da União Européia, com ênfase para a identificação do ofertante, a exigência do seu endereço geográfico e os seus dados profissionais. Entretanto, a proposição é omissa quanto: ao objeto do contrato, esclarecimento acerca do preço, outras despesas da compra, tributos, enfim tudo aquilo que é de responsabilidade do comprador. O projeto ainda não se refere à oferta ou à comunicação comercial não solicitada.

O projeto tem a clara preocupação de preservar as informações privadas do destinatário, quando em seu art. 5º define que tais informações são sigilosas, mas, em seu parágrafo, permite a transferência desses dados se houver cláusula com destaque no contrato. Adverte, porém o Sr. Ministro, que sabidamente os contratos de adesão não são lidos com a devida atenção pelos consumidores. Assim, entende ele, ainda que postas em destaque essas cláusulas, elas passam despercebidas e a regra proposta permitirá o uso indiscriminado dos dados pessoais se a referida cláusula constar do contrato. Essa regra, portanto, parece não ser conveniente para o cidadão, e a transferência dos seus dados somente poderia ser feita mediante contrato próprio ou sua manifestação expressa e inequívoca.

O Ministro Rosado destaca que o Brasil precisa se conscientizar da importância dos bancos de dados pessoais, uma vez que seu uso indevido poderá servir à prática de crimes, fins comerciais e políticos, que não são de interesse do cidadão.

Com relação à responsabilidade do provedor por intermediar a divulgação de informações de conteúdo questionável, a solução apresentada no PL nº 1.589/99 parece ser interessante, pois determina que o provedor, a partir do momento que tome conhecimento do usos indevido da rede, fica obrigado a tomar certas providências para impedir a continuidade da conduta irregular do usuário. Porém, ainda seria conveniente que o legislador previsse uma norma exigindo que o provedor incentive seus usuários a utilizar certas ferramentas já disponíveis pela tecnologia atual, para impedir que fatos irregulares aconteçam. Medidas dessa tipo poderiam evitar, por exemplo, a prática do “spam”, que é o envio indevido de malas diretas a milhares de pessoas sem a sua solicitação.

Assim, o Ministro Rosado resume a questão da responsabilização do provedor, dizendo que ela poderá ser total, intermédia ou nenhuma. No primeiro caso, existiria um controle prévio total, que seria desinteressante para a democracia e, talvez, contrária aos princípios constitucionais adotados no Brasil. A opção de exercer nenhum controle implicaria na liberação absoluta, causando uma ampla falta de responsabilização no processo. Por fim, a solução adotada pelo PL nº 1.589/99, que seria a intermédia, obrigaria o provedor a tomar certas providências uma vez já acontecido o caso. A responsabilização do provedor poderá ser penal, administrativa ou civil.

No Título II do projeto de lei, que trata do comércio eletrônico, poderiam ser incluídas disposições relacionadas às questões contratuais, abordando, por exemplo, os aspectos relacionados ao lugar e ao momento da celebração do contrato. Talvez seja o caso, de incorporar os princípios e regras referentes aos contratos firmados a distância, como aceitos no Código Civil Brasileiro e no Código de Defesa do Consumidor. Com relação ao lugar do contrato, faz-se necessário analisar com cautela a definição de um ou outro princípio, porque, em determinado momento, o Código Civil entende que a lei aplicável é a lei do domicílio ou da sede do fornecedor, mas o Código de Defesa do Consumidor já determina que o fornecedor teria que se adaptar às diversas legislações de todos os lugares onde estivesse o consumidor.


Assim, destaca o Ministro Rosado, parece ser conveniente, em princípio, adotar a lei do fornecedor, mas, quando essa sede for usada como artifício para burlar a proteção do consumidor, adotar-se-ia como regra a lei do consumidor.

Com relação ao art. 51 do PL nº 1.589/99 que permite a utilização do juízo arbitral, o Sr. Ministro entende que este incentivo da lei abriria um precedente perigoso para o consumidor, que se vê forçado, na maioria das vezes, a assinar um contrato de adesão. Na sua opinião, os conselhos e comissões de arbitragem que estão se organizando no Brasil junto às associações comerciais podem não ter a devida imparcialidade e independência necessária para julgar tais causas.

Quanto à opção que o projeto de lei faz na questão da entidade certificadora, o Ministro Rosado alerta para o velho hábito do colonial cartorialismo. Não é recomendável que a lei estabeleça o monopólio em favor dos notários. Seria conveniente examinar os termos do Decreto-lei nº 290/99, de Portugal, que permite a qualquer entidade credenciada a função de certificar a autenticidade do documento virtual. Pergunta, então o Sr. Ministro, por que, por exemplo, os tribunais, bancos, repartições públicas, OAB, Correios não podem autenticar seus documentos? Bastaria que a administração pública selecionasse os certificadores e os fiscalizasse, na busca de um serviço confiável e eficiente, sem o ranço do cartorialismo monopolista.

Ao dispor sobre as infrações criminais, o PL nº 1.589/99 apenas equipara a certas figuras e delitos que já estão previstos na legislação comum e que podem ser cometidos pelas pessoas, sem ser pela via da rede, a fim de que se possa equiparar esses delitos àqueles que podem, assim, ser praticados no ambiente da rede. Porém, destaca o Ministro Rosado, não são apenas esses delitos descritos no projeto de lei que são específicos da informática e seria oportuno que o legislador fizesse a previsão de delitos que, não estando na legislação comum, são próprios da informática, a exemplo da invasão hostil do ambiente informático de outrem, dentre outros.

O Dr. Marcos Diegues, representante do IDEC, começou sua exposição dizendo que, do ponto de vista do IDEC, ou mais especificamente do ponto de vista do consumidor, não há necessidade de nova legislação para regular o comércio eletrônico no Brasil. O IDEC entende que o Código de Defesa do Consumidor, quer pela sua modernidade ou pela qualidade de elaboração, é absolutamente aplicável e satisfatório para regular o comércio eletrônico entre o fornecedor e o consumidor.

Mesmo com a importância para o consumidor de se legislar sobre a assinatura eletrônica e certificação digital, faz-se necessário chamar a atenção para o art. 48, do Código de Defesa do Consumidor, que diz claramente que qualquer manifestação de vontade do fornecedor é considerada um documento válido e passível de execução.

O IDEC também entende que o direito à informação é um direito fundamental do consumidor e esta preocupação consta do art. 4º, alíneas “a” e “d” do PL nº 1.589/99, no momento em que se refere à oferta de contratação eletrônica exigindo informações claras e inequívocas. A questão dos sistemas de segurança também está prevista no projeto de lei, que exige que esses sistemas sejam informados ao consumidor. A exigência de que essa informação seja dada ao consumidor é fundamental e permitirá que ele se sinta mais seguro no relacionamento com qualquer fornecedor que haja dessa maneira.

Com relação às informações derivadas de bancos de dados, o Dr. Diegues entende que é importante que haja uma legislação tratando, de forma mais detalhada, a possibilidade de transferência, cessão ou venda de dados particulares do consumidor que são fornecidos quando este transaciona no ambiente Internet. Porém, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) trata a questão dos bancos de dados de forma generalizada, com informações relativas a consumo, mas não são específicas no tocante à privacidade de dados do consumidor. De outro modo, o CDC exige, com relação ao banco de dados, que o consumidor seja sempre comunicado, por escrito, de que está sendo aberto um banco de dados com informações a seu respeito ou que um registro em seu nome está sendo modificado. Assim, entende o Dr. Diegues, que se essa exigência legal do CDC for cumprida, a partir desse momento, o consumidor poderá dirigir-se a empresa que o incluiu indevidamente e exigir que simplesmente retire o seu registro do banco de dados.

O art. 8º do projeto de lei traz uma disposição que obriga que a mensagem de caráter publicitário ou oferta de negócios possa ser identificada pelo destinatário como tal, segundo a necessidade, e que tome conhecimento do seu conteúdo. Tal disposição é válida e absolutamente pertinente, apesar do CDC conter uma regra semelhante.

O representante do IDEC ainda chamou a atenção para os termos do art. 10 do projeto de lei, no qual há uma ressalva quanto à responsabilidade do intermediário que fornece ou oferece serviço de armazenamento de arquivos ou de sistemas necessários para operacionalização da oferta eletrônica. No PL nº 1.589/99 só existem duas únicas condições em que o intermediário seria responsabilizado, por meio de ação regressiva. Porém, o CDC já estabelece a responsabilidade solidária para todos os casos, sendo mais amplo no tocante à proteção dos direitos do consumidor.

Finalmente, o Dr. Marcos Diegues elogiou o art. 13, do PL nº 1.589/99, que diz, única, exclusiva e puramente: “Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor”.

Ainda com o propósito de enriquecer os conhecimentos sobre a matéria, este relator realizou reuniões em São Paulo com a participação de parlamentares desta Comissão Especial, tendo recebido valiosas contribuições e sugestões adicionais de diversos participantes, em especial da BRISA, da CNI, da ABRANET, da ASSESPRO/ABES, da AmCham e de outras entidades representativas do setor.

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