Fora da asa dos pais

Juiz concede liminar para mãe expulsar filho de casa

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13 de junho de 2001, 0h00

Os pais não têm obrigação de sustentar os filhos, indefinidamente, e podem expulsá-los de casa quando são maiores de idade. O entendimento é do juiz da 2ª Vara de Iguape (SP), Francisco Glauber Pessoa Alves, ao conceder liminar para uma mãe que pediu a saída do filho de casa. “Chega o momento em que todo adulto tem de caminhar por si próprio. É o ciclo natural da vida”, afirmou o juiz.

De acordo com a ação, a mãe acolheu o filho devido “a situação difícil que ele atravessava”. Mas depois disso, ele teria passado a ameaçá-la de morte e expulsão constantemente. Segundo Alves, o filho deve deixar a casa porque “já é maior de idade, tem família e condições para trabalhar”.

No Brasil, ainda há pouca jurisprudência sobre o assunto. Em recente decisão, o juiz Nicolau Masseli, da 10ª Vara Cível de Minas Gerais, atendeu o pedido de uma esteticista contra a sua filha, que é jornalista. O juiz determinou que os oficiais de justiça utilizassem até a força policial em caso de resistência física. Veja a notícia sobre a decisão que autoriza a expulsão em MG.

Leia, na íntegra, a decisão da 2ª Vara de Iguape.

Autos nº.: …

Autora: M.N.

Adv°.: Dr. R.T.S.F.

Réu: M.A.S.

Sentença

EMENTA: CIVIL. COMPELIMENTO DE FILHO À SAÍDA DO LAR MATERNO. REVELIA. RESPALDO NOS DEMAIS ELEMENTOS NOS AUTOS CONTIDOS. RECONHECIMENTO DO PLEITO À LUZ DO DIREITO POSSESSÓRIO, SUBSIDIADO PELO DIREITO DE FAMÍLIA E PELAS REGRAS DE EXPERIÊNCIA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1 – Ação visando a saída de filho maior do lar materno, que ameaça a mãe de expulsão e morte.

2 – Revelia (art. 319, do C.P.C.). Presunção que, embora não seja absoluta, encontra amparo nos autos, a autorizar o acolhimento do pedido.

3 – Pleito assegurado à luz do direito possessório, subsidiado pelo direito de família e pelas regras de experiência comum.

4 – Procedência da ação (art. 269, I, do C.P.C.).

Vistos…

I – Relatório

1. Cuida-se de Ação Ordinária movida por M.N. em desfavor de M.A.S..

2. Em muito breve síntese, aduz a autora que: a) o réu, já absolutamente maior, é seu filho; b) acolheu-o em sua casa, considerando a situação difícil por ele atravessada; c) depois disso, passou a ser constantemente ameaçada de morte e expulsão, tumultuando o réu o seio familiar. Requereu a concessão de liminar e, ao fim, a saída dele de sua casa.

3. Juntou os documentos de fls. 6-8 e depois 16-19.

4. A liminar foi indeferida (fl. 20).

5. O réu foi citado (fl. 26-v.), tendo transcorrido in albis o prazo de defesa (fl. 27).

6. Favorável o representante ministerial (fl. 25).

7. Era o que cabia detalhar.

II – Fundamentação

8. É o caso de ser aplicada a revelia (art. 319, do C.P.C.), julgando-se antecipadamente a lide (art. 330, II, do C.P.C.).

9. Conquanto entenda que a revelia por si só não implica, em sede absoluta, na procedência da ação, uma vez que os efeitos da contumácia só digam respeito aos fatos, e não ao pedido em si, devendo existir uma mínima relação de proporcionalidade entre o contido nos autos e a pretensão a ser albergada (1), no presente caso merece acolhida a inicial.

10. Registre-se que o réu, casado, já é maior, donde não se cogita da indisponibilidade de direitos.

11. O pleito é curioso e incomum. Pesquisada a jurisprudência sobre o caso, não foi possível encontrar muita coisa. Do aferido, caso similar foi noticiado oficiosamente na Revista Virtual Consultor Jurídico em 29 de maio de 2001 (www.conjur.com.br), que teria ocorrido na 10ª. Vara Cível de Belo Horizonte, em Minas Gerais, sem que o teor oficial da decisão tenha sido divulgado.

12. Com efeito, não me parece que a resolução da pendência diga respeito ao direito de família pura e simplesmente. Há, é verdade, o dever dos pais para com os filhos no que toca à criação, educação e guarda (art. 384, I e II, do Código Civil).

13. Entrementes, sendo já absolutamente capaz o réu, não se pode impingir à autora um dever extensivo e infinito. Isso porque ele já é maior, tem família e condições para trabalhar.

14. Os pais não têm obrigação de sustentar os filhos indefinidamente. Chega o momento em que todo adulto tem de caminhar por si próprio. É o ciclo natural da vida. Também é de se assegurar um pouco de descanso aos que por nós, via de regra, tanto já fazem ou fizeram. Isso é uma regra de experiência comum, expressamente autorizada (art. 335, do Código de Processo Civil).

15. Ainda assim, acolhido pela mãe na sua casa, findou o réu por aproveitar-se da situação para, inclusive, ameaçá-la de morte e de despejo, dentre outras condutas censuráveis.

16. Essa forma de extrema ingratidão somada ao cumprimento do dever inerente ao pátrio poder pela autora, na medida do que era devido, e ainda à situação descrita nos autos resulta no necessário reconhecimento judicial de sua saída do lar é de mister.

17. Calha fundamentar legalmente essa desocupação forçada.

18. E aí entendo, como já adiantado, que no campo do direito material o socorro à pretensão da autora é dado principalmente pelo direito possessório e não como pugnado pela autora, com fulcro exclusivamente no de família (arts. 226, § 8°., e 230, ambos da Constituição Federal, além de 130, da Lei n°. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente).

19. Realmente, já sedimentou MOACYR AMARAL SANTOS que a “norma jurídica em que se tutela a pretensão poderá e mesmo convirá seja indicada. Mas não se impõe ao autor a indicação. A exposição dos fatos é suficiente para deles o juiz extrair o direito aplicável: da mihi factum dabo tibi ius; iura novit curia” (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 2°. vol., 20ª. ed., Saraiva, p. 134). No mesmo sentido, sobre o assunto, a pena autorizada de CALMON DE PASSOS, para quem o “nomen juris que se dê a essa categoria jurídica ou o dispositivo de lei que se invoque para caracterizá-la são irrelevantes, se acaso erradamente indicados. O juiz necessita do fato, pois que o direito ele é que o sabe. A subsunção do fato à norma é dever do juiz, vale dizer, a categorização jurídica do fato é tarefa do juiz” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. III, 8.ª ed., Forense, p. 159.).

20. Efetivamente, é a autora a possuidora, senão proprietária, do imóvel em que reside. Como forma de mera permissão ou tolerância, deixou que o réu ficasse em sua casa (art. 497, do Código Civil).

21. Contudo, não sendo mais do seu interesse a continuidade de tal situação, é de ser restituída na plenitude de sua posse (art. 499, do Código Civil). Já dizia IHERING que “A posse é o poder de fato, e a propriedade é o poder de direito sobre a coisa” (2). O nosso Código Civil adotou a orientação trilhada pelo autor alemão (3 e 4).

22. Segue então que a posse, perante terceiros, pode ser amplamente defendida. Entre dois possuidores que possuam título sobre ela, há de ser cotejado, pois, qual deles tem melhor predicativo ou, à falta do título, aquela que mais velha for (art. 507, parágrafo único, do Código Civil).

23. No entanto, para que a posse seja ad interdicta é mister tão somente que ela seja justa, de uma maneira geral (em relação ao proprietário, possuidor indireto e possuidor de fato, deve a mesma ser justa), sendo que em relação a terceiros qualquer posse confere o direito aos interditos (5) , ainda que injusta, uma vez que não foram eles as vítimas da violência, clandestinidade ou precariedade.

24. E, no caso, sequer se cogita de simultaneidade de posses, posto que do que se desenhou aqui, posse não tinha o réu, mas mera detenção.

25. Se é assim, cumpre reintegrar a autora no que lhe pertence, de maneira integral e plena, posto que inequivocamente demonstrou que não mais permite ou tolera que o réu permaneça em sua residência.

26. Por isso tudo é que a inaugural merece guarida.

III – Dispositivo

27. Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação movida por M.N. em desfavor de M.A.S., determinando a reintegração na posse da autora do bem imóvel onde reside em sua plenitude, com a saída do réu.

28. Em conseqüência, extingo o presente feito com julgamento do mérito, com fulcro no art. 269, I, do Código de Processo Civil.

29. Tendo sido a autora representada por defensor público municipal e não ocorrendo pois a hipótese ensejadora da sucumbência (ônus financeiro com profissional da advocacia, que no caso é pago pelo ente federativo), entendo descabida condenação em honorários advocatícios de sucumbência, sendo certo que o réu deverá arcar com as despesas processuais, incluídas as custas (art. 20, parágrafo 2º., do C.P.C.).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Iguape, 11 de junho de 2001.

Francisco Glauber Pessoa Alves

Juiz de Direito

Notas de Rodapé:

1 – Neste sentido, a autorizada lição de ARRUDA ALVIM: “Outro aspecto que temos de considerar, haurido do art. 319, é o de que são reputados verdadeiros os fatos, o que não implica, contudo, que a demanda seja necessariamente ganha pelo autor, pois daqueles fatos, ainda que devam ser considerados verídicos, segundo a lei, poderão não decorrer as conseqüências tiradas pelo autor, como poderão eles não encontrar apoio em lei, o que, então, levará, apesar da revelia, a um julgamento de improcedência”. Mais à frente, arremata o jurista: “A vitória do autor, assim, não é inexorável, como se houvesse uma relação de causa e efeito entre a não-contestação e a procedência da ação”(os grifos não são do original) (Manual de Direito Processual Civil, vol. 2, 6ª ed., RT, p.333).

2 – Neste sentido: RTJ 115/127; RTFR 154/137; RT 708/111; RTJESP 103/234; JTA 105/149. Na mesma linha, de que o juiz pode não considerar provados os fatos (RT 493/162; JTA 45/190; Lex-JTA 140/344), julgar o autor carecedor de ação (RTJESP 50/139) e julgá-la improcedente (RT 597/199, RTJESP 49/126, JTA 89/93). Fonte: Theotônio Negrão, in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 27 ed. Saraiva, art. 319, nota 6, p. 277.

3 e 4 – A teoria simplificada da posse, José Bushatsky Editor, 1976, p. 51. Art. 485. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade. Assim: Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 12. ed., p. 18; José Carlos Moreira Alves quem , Posse, Tomo I, vol. I, 1ª ed., p. 370; Orlando Gomes, Direitos Reais, 9.ª ed., p. 23; Silvio Rodrigues, Direito Civil, vol. 5, 23. ed., Saraiva, p. 20; Tito Fulgêncio, Da Posse e das Ações Possessórias, v. 1., 9.ª ed., pp. 10-1; Washington de Barros Monteiro, ob. cit., pp. 19-20.

5 – Cfr. Silvio Rodrigues, Curso de Direito Civil, vol. 5, 26. ed., ob. cit., p. 34: “Em rigor, perante terceiros, que não o proprietário, qualquer posse dá direito aos interditos. Com efeito, ainda que a posse tenha vícios, o possuidor será garantido em sua posse, contra terceiros que não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de terceiros que não tenham melhor posse. Visto que estes nada podem argüir contra aquele”.

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