Julgamentos históricos

Veja a decisão do STF que não impede a família imperial de voltar ao B

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9 de junho de 2001, 13h56

Um pedido de habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal, em 14 de janeiro de 1903, pretendia a anulação do decreto que baniu a família imperial do Brasil. O pedido foi feito em favor de Gastão de Orleans, Conde d’Eu, sua mulher Izabel de Orleans e demais membros da ex-dinastia brasileira de Bragança.

Segundo o recurso, o decreto implicava constrangimento ilegal à família imperial e já teria sido revogado pela Constituição Federal. O STF afirmou que não tinha competência para julgar o pedido. Segundo o Supremo, a própria Constituição já havia suprimido a pena de banimento e por isso não existia impedimento para a família imperial voltar ao Brasil.

Esta é uma das decisões históricas do Supremo que figura entre outros julgamentos memoráveis disponíveis no site do Tribunal.

Veja, na íntegra, a decisão do STF

HABEAS-CORPUS Nº 1.974

Relator: Ministro Alberto Torres

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de petição de habeas corpus em que são impetrantes Olympio Lima e outros, em favor de Gastão de Orleans, Conde d’Eu e mais membros da ex-dinastia brasileira de Bragança.

Pedem os impetrantes que o Tribunal conceda em favor dos pacientes, que se acham na Europa, uma ordem de habeas corpus para que cesse o constrangimento ilegal que sofrem em suas liberdades.

E justificam, em síntese, o pedido alegando que, banidos do território nacional os pacientes, pelo Dec. nº 78 A de 21 de dezembro de 1889, foi este decreto revogado pela Constituição Federal, que não só deixou de o aprovar expressamente, para que pudesse produzir efeitos no regimen constitucional a cujos princípios é fundamentalmente oposto, como também explicitamente o revogou, quando aboliu a pena de banimento judicial.

Entretanto, dizem os impetrantes, os membros da dinastia destronada permanecem na Europa, desviados da comunhão brasileira e privados não só da liberdade física de entrar e demorar no Brasil, quanto das liberdades civis que a Constituição garante a brasileiros e estrangeiros e dos direitos políticos de brasileiros.

Este é, em suma, o fundamento do habeas corpus pedido e a petição se ocupa exclusivamente de demonstrar que o decreto de banimento foi revogado pela Constituição.

Trata-se de um requerimento de habeas-corpus, para cujo conhecimento originário é competente este Tribunal, pois que, conquanto os impetrantes não indiquem positivamente a autoridade a quem atribuem o constrangimento, esta só pode ser a do Poder Executivo, cujo chefe, o Presidente da República, está sujeito à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns (Lei nº 221 de 20 de novembro de 1894, art. 23 e Constituição Federal, art. 53).

A petição está regularmente instruída, com os requisitos do art. 341 do Código do Processo Criminal, não sendo caso para exigir o documento ou declaração a que se refere o § 2º deste artigo por não haver prisão e fundar-se o direito alegado em atos públicos, quais – o Decreto nº 78 A de 1890 e a Constituição Federal.

O habeas corpus é o meio legal próprio para vindicar o direito que se diz violado. Esse direito é, em suma, o de livre locomoção, garantido expressamente, na parte que se refere à comunicação com o estrangeiro, no art. 72, § 10 da Constituição e implicitamente, no que diz respeito à permanência e deslocação dentro do território, no § 1º do mesmo artigo.

Dos amplos termos do art. 82, § 22 da Constituição Federal, que manda dar o habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder, se depreende que este remédio jurídico pode ser aplicado à proteção da liberdade individual tomada em uma acepção mais lata do que o simples direito de não ser preso e conservado em prisão.

Não procedem contra esta ilação, necessária e imediatamente deduzida do conceito constitucional do habeas corpus, os argumentos fundados na construção jurídica dada a este instituto pela doutrina inglesa e americana.

Exclusivamente criado como o remédio específico contra a detenção ilegal, no direito anglo-saxônio, o habeas-corpus foi mantido com este caráter restrito em várias leis processuais, que o regulam e nenhuma das quais o define em abstrato, porque, ao lado dele a common-law e os estatutos estabeleceram diferentes writs para a defesa dos outros direitos de liberdade pessoal e semelhantes, aplicando, geralmente, quando outro não houver criado, e a violação do direito partir da autoridade ou funcionário público, – o writ of mandamus.

A doutrina dos povos de onde importamos o nosso instituto, funda-se, pois, na especialização processual dos remédios; distingue e designa os meios de ação, segundo as violações do direito; não isenta nenhum destes de um remédio reparador.


Entre nós, onde não estão criados esses remédios, a razão não prevalece; e como a Constituição estende amplamente o habeas corpus a todos os casos de coação ilegal ou violência contra o indivíduo, é forçoso admiti-lo como instrumento próprio para suspender ou prevenir tais infrações, pela aplicação do brocardo: Ubi jus, ibi remedium, máxima que resulta tanto do nosso regimen político como das instituições daqueles povos.

Em espécie contém a petição um caso a que seja aplicável o

habeas corpus? É indispensável para o saber examinar a natureza do habeas corpus impetrado.

Os impetrantes não fundam o direito dos pacientes no decreto do Governo Provisório que os baniu, no anterior que lhes ordenou a retirada do território nacional, no ato de força que os compeliu a sair, nem nos efeitos destes atos até a data da Constituição.

Para eles, o direito dos pacientes à liberdade de vir ao Brasil e aqui permanecerem, nasce da Constituição que revogou, anulou e extinguiu a pena ou medida política de banimento.

Até aqui, porém, o que se encontra na petição é o ponto de direito: um decreto, legítimo ao ver dos impetrantes, que bane, e a lei fundamental posterior, que o revoga. Sendo desta lei que nasce o direito, há na petição uma lacuna em ponto capital, para que seja caso de expedir a ordem de habeas-corpus: a da violação atual da lei ou da ameaça de violação, que dê aos pacientes o caráter de indivíduos lesados em seus direitos ou sob ameaça de iminente lesão, indispensável para que compareçam perante o Tribunal e obtenham o provimento do remédio jurídico.

O habeas corpus não é um passaporte geral com que os tribunais de justiça possam premunir quaisquer pessoas contra eventuais perigos ou vagos temores; é um remédio de direito, aplicável a espécie precisa e concreta, de que são unidades certas o sujeito de um direito de liberdade e uma violação ou ameaça iminente de violação.

Ora, o caso exposto pelos impetrantes não é, visivelmente, um caso de habeas corpus contra violação atual da liberdade dos pacientes.

De tudo quanto alegam afirmativamente, como narração do fato em espécie, resulta, pelo contrário, a exposição do reconhecimento da plena liberdade dos pacientes assegurado pela Constituição.

Onde há violação atual dessa liberdade? A ordem da retirada do território nacional e a pena de banimento, dizem os impetrantes, estão suprimidas pela Constituição; a promulgação desta lei é, pois, o único fato positivo, que referem, como expressão do pensamento e vontade dos poderes públicos do Brasil, a respeito dos pacientes.

Em relação ao direito de liberdade lesado, cumpre distinguir, conforme a natureza da lesão, na diversidade de situação das pessoas ofendidas. Quando a autoridade pública prende um indivíduo, a retenção é o prolongamento da coação inicial.

Quando, porém, o constrangimento consiste, não em prisão, mas em fato impeditivo, qual o da hipótese, que se traduz, em última análise, pela proibição de entrar no território do país, não basta a permanência dos pacientes no estrangeiro para caracterizar a perduração do constrangimento; cumpre determinar, também, o ato positivo do poder, pelo qual é mantida e continuada a primitiva coação.

Ora, a única ação positiva do poder público alegado, posterior ao banimento, é a revogação deste pela Constituição.

A matéria não exigia regulamentação para que só por decreto pudesse ser posta em prática, não é também da competência dos poderes públicos notificar aos particulares que continuam a gozar dos seus direitos ou foram reintegrados neles por lei; não consta, ainda menos, que os pacientes tenham tentado voltar ao Brasil encontrando obstáculo material da parte do Governo. Não tem, pois, na espécie, aplicação o habeas corpus curativo.

Será caso de habeas corpus preventivo contra possível proibição da entrada? Ainda, para este, a simples existência do direito é insuficiente; cumpre mais, diz a lei, que se apresentem razões fundadas (Decreto nº 848 de 1890, art. 46 letra b) para temer a iminência do perigo (Constituição, art. 72, § 23).

Quais as razões fundadas que alegam os impetrantes? Onde há ameaça iminente? Dizem que a Constituição revogou o banimento, não precisam um ato de que se depreenda a disposição do Governo de o manter, apesar disso; concluir este propósito da simples permanência dos pacientes na Europa, sem que, ao menos, tenham, por uma representação ou um requerimento, provocado a manifestação do Governo a respeito, é concluir demais.

A petição ou contém como aliás o confessam os impetrantes, um pedido de revogação do banimento, ato para o qual não tem competência o Tribunal, ou se resolve numa consulta jurídica, com que pretendem seja por este declarado, em tese, que a Constituição revogou o Decreto de 1890, o que também não é mister nosso.


Assim, os impetrantes não alegam nenhum constrangimento que ao Tribunal cumpra verificar se é ou não legal. Por este fundamento acorda o Supremo Tribunal Federal não conhecer da presente petição, pagas as custas pelos impetrantes.

Supremo Tribunal Federal, 14 de janeiro de 1903. ¾ Piza e Almeida, Vice-Presidente.

Alberto Torres, vencido quanto aos termos da conclusão. Não deixei de conhecer, mas neguei a ordem impetrada, por entender que o fundamento, baseado no estudo das alegações, importa decisão de meritis sobre o pedido. Em face de uma petição de habeas-corpus o julgador ou deixa de a conhecer, ou a indefere in limine, na primeira fase, ou concede a ordem, para exame ulterior do paciente, com os esclarecimentos do constrangedor. Negar a ordem é a forma habitual consagrada pela prática para exprimir o indeferimento na primeira fase.

O Tribunal só deixa de conhecer, a meu ver, quando:

a) não é competente;

b) a petição não está instruída;

c) o direito, em tese, não constitui caso de habeas corpus.

Ao expor o meu voto, perante o Tribunal, apoiei o fundamento de negação de habeas corpus, que consta do acórdão, com outras reflexões que desejo consignar e desenvolver aqui.

Como se vê do acórdão, os impetrantes deixaram de indicar na petição o fato positivo que constitui o constrangimento, condição essencial para ser obtida a ordem de habeas corpus.

Semelhante lacuna despertou-me dúvidas acerca da procedência do pedido, no tocante ao conhecimento exato, por parte dos impetrantes, da verdadeira situação dos pacientes; não constando da petição se ainda se julgam banidos, se consideram ilegítimo o banimento e se desejam e pretendem libertar-se dele.

A lei permite a qualquer requerer habeas-corpus em favor de terceiro. É um preceito liberal, válvula extrema do direito, pela qual, para prevenir todos os subterfúgios e astúcias do despotismo, se dá a este remédio, quanto à propositura, a feição de uma actio popularis.

Cumpre, porém, não esquecer que se trata sempre e unicamente de mais uma garantia à liberdade do indivíduo, a qual, se não carece ser solicitada, nem mesmo autorizada pelo paciente, há de ser sempre empregada em seu favor, isto é, no seu interesse e para seu benefício.

Desta observação elementar resulta que é condição indispensável do exercício de tal iniciativa a certeza do constrangimento, nos seus elementos componentes: ato de coação, por parte do constrangedor; e sentimento passivo da coação, por parte do constrangido, que se presume nos casos de prisão, mas pode não existir em outros. O requerente oficioso precisa para pretender o amparo da autoridade judiciária, demonstrar firmemente esse estado de fato.

Aliás, a liberdade se converteria em licença de provocações ociosas à justiça, quiçá de impertinentes intrusões sobre direitos e interesses alheios… Invitus agere nemo potest.

A segurança, no estatuir estas condições, é o que constitui a idoneidade jurídica do terceiro requerente, a aptidão da sua expontânea iniciativa; e o juiz, a quem cumpre zelar pela circunspecção do poder que representa, e atingir, através das fórmulas, o fenômeno jurídico em sua finalidade objetiva, deve aplicar todas as faculdades de exame para inquirir se o instrumento com que se apela para a sua autoridade jurisdicional, exprime um real interesse jurídico, contestado e por isso sujeito ao seu critério, mas veraz no fato e legítimo em Direito.

O confronto de dados constantes da petição, entre si, e com fatos notórios, convenceu-me que tal não sucede no presente caso. Encontrei na singularidade de ser requerido este habeas corpus por três jornalistas de Santos e de se notarem na petição lacunas sobre elementos de fato e de Direito, quando a ex-dinastia brasileira tem procuradores nesta capital, aqui possui amigos pessoais e políticos, entre os quais se contam eminentes jurisconsultos, a confirmação de que a espontaneidade dos impetrantes não é fundada.

Vi nestas observações uma razão secundária, adminículo de reforço ao fundamento principal, base suficiente e completa da decisão.

Para ilustração do ponto jurídico, acrescentarei, porém, que, se me fundasse unicamente neste argumento para negar o habeas-corpus, nada mais faria do que aplicar a regra do nosso Direito a interpretação que a regra idêntica do Direito anglo-saxônio dá a jurisprudência norte-americana.

A lei que confere a qualquer o direito de requerer habeas corpus em favor de terceiro é ainda, na União e em alguns Estados, o habeas-corpus act de Carlos II (1769). Em outros Estados, os estatutos reproduzem, quanto ao assunto, as mesmas expressões desta lei. É assim que ela se exprime, na seção II: “it (the habeas-corpus) shall and may be lawful to and for the person so committed, or any one in his behalf”; e mais abaixo: “upon request, made in writting, by such person, or any in his behalf”. É o nosso mesmo princípio: “O habeas corpus será requerido pela pessoa detida ou por alguém em seu favor (in his behalf) e concedido ao detido ou a alguém em seu favor”.


Ao que se vê, são estes termos tão amplos quanto os da nossa lei. Eis, todavia, como é o princípio aplicado pela doutrina e jurisprudência: “WHENEVER a party is restrained of his liberty, or is unlawfully detained or confined, he may make an application for a writ of habeas-corpus before the proper court or judge; and this whether the illegal detention or imprisonment be under criminal or civil process: if the prisoner be so restrained or coerced that it is impossible for him to act, the application need not proceed directly for him. It may be made on his behalf by some other persons if the court or judge is satisfied that the prisoner is so coerced as to be unable to make it”. (W. Church, on Habeas-Corpus, 2ª edição, § 89, pág. 141); o que significa que a faculdade, geralmente conferida por lei, só é permitida pelos tribunais quando se lhes prova que o prisioneiro está de tal forma constrangido que lhe é impossível requerer. Em nota a este parágrafo, documenta Church a suma que faz da jurisprudência, citando copiosa coleção de arestos.

Nestes se estabelece que a impossibilidade do requerimento pessoal deve ser, em regra, comprovada por meio do processo sumário a que se dá o nome de affidavit; entretanto, adverte o escritor, este processo não é essencial, porque, como observa HURD, a sua exigência poderia estimular os detentores a tornar mais rigorosa a coação; sendo, porém, sempre indispensável que, por qualquer forma, se demonstre ao juiz a impossibilidade do requerimento pessoal.

Se assim pratica a jurisprudência americana, em casos de constrangimento atual, de prisão; que doutrinaria ela a respeito de casos de simples ameaça, quando os pacientes estão livres, gozam de direitos civis no Brasil e ainda não denunciaram sequer o propósito de voltar ao país?

Naquela República não se confunde a liberdade com a licença; não se interpreta a lei, que dá garantias à liberdade pessoal, como concessão a qualquer de provocar o juízo dos tribunais sobre constrangimento que não sabe definir, em favor de constrangidos que ainda se não deram por tais e contra ato que se começa por declarar revogado.

Aplicando as mesmas razões para chegar a conclusão menos severa, creio, eu não estaria fora do espírito da nossa lei, que é, na letra, idêntica à americana.

Lucio de Mendonça. Não conheci do pedido, por ser o habeas-corpus meio inadequado ao efeito que pretendem alcançar os impetrantes, os quais deveriam dirigir-se ao Congresso Nacional e não ao Poder Judiciário. Manoel Murtinho.

João Barbalho. Votei que se não tomasse conhecimento da petição de fls. 2 – II, pelos seguintes motivos:

I. O que nessa petição é requerido envolve a revogação do Decreto nº 78 A, de 20 de novembro de 1890, que baniu do território do Brasil o Sr. D. Pedro II e mais membros da dinastia que até 15 de novembro daquele ano reinara em virtude do art. 4º da Constituição Imperial.

Tal decreto foi ato do Governo Provisório que, surgindo da revolução triunfante, enfeixava em suas mãos todos os poderes majestáticos; era uma conseqüência necessária e fatal da abolição do Império, medida complementar da proclamação da República e integrante das que então se tomaram a bem da nova ordem política; ato, assim, de caráter constitucional, por entender com a vida constitucional da Nação, como outros praticados pelo referido Governo, na fase inicial do regime que a revolução estabeleceu.

E é evidente que não cabe ao Poder Judiciário ter por nenhum semelhante ato ou suprimir seus efeitos.

II. Quando se lhe pudesse contestar esse caráter, e seria isso subversão de princípios e desconhecimento dos fatos, restava-lhe a qualidade de medida de ordem puramente política. A nova ordem de coisas a impôs a bem do regimen instituído em lugar do antigo, como condição indeclinável da estabilidade e segurança dele, arredando-se do país, por esse meio, elementos próprios a produzir perigosas agitações e graves perturbações da paz interna e capazes de lançar a nação às contingências da guerra civil.

E afirmam irrefragavelmente essa qualidade a índole e essência do ato (diverso em si do banimento judicial), os fins, o momento, as circunstâncias dele, e os termos mesmo do decreto citado.

Ora, providências de tal natureza escapam à ação do Poder Judiciário, achando-se inteiramente fora de sua missão constitucional.

Nas medidas de Governo, de administração, de polícia, entre as quais se incluem as que entendem com a segurança da ordem política e paz interna, como a de que se trata, ao Poder Executivo, para desempenho de sua função e pela responsabilidade que lhe cabe, sempre foi reconhecida uma esfera de ação sua própria, exclusiva e, em certo sentido, discricionária (salvo limite legal).

E se delas conhecer fosse lícito ao Poder Judiciário para revogá-las (que em última análise é o que se pretende no caso vertente), essa immixtão na esfera executiva seria a negação dos princípios da divisão dos poderes e da responsabilidade do Governo.


Esta doutrina inspira-se nos princípios orgânicos do regimen adotado em nossa Constituição e reflete a jurisprudência americana, tendo sido preconizada pelo grande MARSHALL no célebre caso Marbury v. Madison, onde ficou estabelecido que de medidas de natureza puramente política nunca podem os tribunais tomar conhecimento.

Ora, no caso que nos ocupa, trata-se, como fica demonstrado, de medida dessa natureza; e certo não é a este Tribunal que cabe declarar ter chegado o momento de ser ela abolida, por não ser mais necessária ou por qualquer outra razão; não lhe compete conhecer disso e revogar o banimento ou ter por caduco o decreto que o estabeleceu.

A apreciação do momento, da oportunidade, da conveniência de suprimir-se ou anular-se aquele ato não é a este Tribunal que incumbe.

III. Mas dizem os requerentes que o art. 72 § 20 da Constituição revogou o banimento da dinastia deposta (e isto até agora a ninguém havia ocorrido!).

Não é exato isso; nem o histórico, nem o espírito, nem os termos de tal disposição autorizam essa afirmativa.

Não podia ter sido, evidentemente não foi propósito dos constituintes, votando o citado parágrafo, suprimir aquela cautelosa providência do Decreto nº 78 A.

Dos Anais do Congresso Constituinte (vol. I, pág. 81) vê-se que a comissão incumbida de dar parecer sobre o projeto de Constituição, propôs completar-se o pensamento humanitário do art. 72 § 1º (supressão da pena de galés) “abolindo-se também (sic) a pena de banimento, que não mais figura nos códigos modernos”.

Não aludiu ela aí, e tão pouco na discussão, ao banimento determinado por aquele decreto. E, ninguém, dentro ou fora do Congresso, manifestou tal pensamento.

E que não foi com o intuito de revogar esse ato que fora apresentada a emenda da comissão, vê-se dos termos dela: “§ 21. Acrescente-se – e de banimento judicial” (Anais cit., pág. 130).

E estas palavras: banimento judicial – inteiramente excluem o ato anterior do Governo Provisório, de 20 de dezembro de 1890, ato não penal nem judiciário do Poder Público, mas de natureza inteiramente diversa, como acima demonstrado ficou.

Admitir o contrário, além de sacrifício dos princípios de direito e das regras de hermenêutica, fora fazer aos constituintes a mais grave das injúrias, quer atribuindo-lhes um ato grandemente temerário e leviano, desconhecendo a situação do país naquele momento ou revelando o propósito de criar-lhe maiores dificuldades e perigos que os próprios daquela ocasião, quer mostrando-os sumamente ineptos, pois, querendo uma coisa, votaram, entretanto, outra diferente e falha de seu pensamento e intuito!

Que Congresso teria sido esse que queria revogar o banimento do

ex-Imperador e de sua família, ato que não teve lugar mediante processo criminal, que não foi praticado para punição de crime, que não constitui pena nem lhe precedeu sentença judiciária, – e limita-se, entretanto, a votar a abolição da pena de banimento judicial, que é só o que quanto a banimento diz a Constituição!!!

IV. Ao que fica exposto há, finalmente, a acrescentar que a garantia do habeas-corpus está entre as que o art. 72 da Constituição reserva aos brasileiros, bem como aos estrangeiros residentes no Brasil.

Mas pelo banimento os membros da dinastia deposta perderam a qualidade de brasileiros e a sua residência no Brasil, disso privados perpetuamente, o que, como ninguém ignora, é da natureza daquele ato. Enquanto este subsistir e até ser revogado por quem de direito, os banidos são como estrangeiros, estando fora da comunhão política a que antes pertenciam.

Ora, aqueles em favor de quem se requereu habeas-corpus, não podendo alegar a qualidade de brasileiros e devendo ser considerados estrangeiros, mas não tendo residência no Brasil, não reúnem as condições necessárias para se ampararem sob aquela garantia, e sendo-lhes negada, não sofrem eles ofensa em seus direitos, por faltar-lhes um dos requisitos que a Constituição exige.

Assim que, por mais que os membros da família banida pelo Poder que para isso era competente, se considerem, por seu nascimento, afeto e sentimentos, como brasileiros, e estimem em alto preço esta qualidade, revelando nisso grande nobreza de coração, que os honra e enaltece, é certo, todavia, que, perante a lei do país e perante a justiça deste, por brasileiros não podem eles ser havidos; e considerados na condição de estrangeiros, desde que não residem no Brasil, este Tribunal não lhes pode conceder a ordem de habeas corpus pedida, porque entre as suas atribuições não está a de dispensar na lei nem a de revogá-la.

Americo Lobo, nego o habeas-corpus ora requerido por não haver ato algum do Governo, posterior ao dia 24 de fevereiro de 1891, indicativo de que os Poderes Públicos do Brasil pretendam galvanizar o Decreto nº 78 A, de 21 de dezembro de 1889, derrogatório do Decreto nº 2, de 16 de novembro do mesmo ano, o primeiro dos quais foi virtualmente abolido pela Constituição da República, no art. 72 § 20 e no art. 7º das Disposições Provisórias.

Muito, pelo contrário, depois de decorridos quase 12 anos desde a promulgação da Constituição, não deu o Governo da União providência alguma no sentido de tornar efetiva a disposição do art. 2º – do Decreto nº 78 A – que prescreveu o prazo de um biênio para dentro dele liquidarem os membros da família de D. Pedro de Alcântara os bens de raiz por eles possuídos no território nacional.

Bernardino Ferreira.

João Pedro.

André Cavalcanti.

H. do E. Santo.

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