Vitória da IstoÉ

Ex-ministro da Defesa perde ação de indenização contra IstoÉ

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8 de junho de 2001, 0h00

O ex-ministro da Defesa, Élcio Álvares, perdeu ação de indenização de danos morais contra o Grupo de Comunicação Três, responsável pela edição da revista IstoÉ. A ação foi movida devido a uma série de reportagens publicadas sobre as investigações da CPI do Narcotráfico, no Estado do Espírito Santo. O conjunto de reportagens ganhou o prêmio “Esso de Jornalismo”, no ano passado.

De acordo com a juíza, Cláudia Longobardi Campana, as reportagens não ofendem o ex-ministro. Para ela, os textos jornalísticos são objetivos e incisivos.

O advogado da IstoÉ, Clodoaldo Pacce Filho, disse que “a decisão do Poder Judiciário garantiu, ao cidadão comum, o livre acesso a informação”. O ex-ministro ainda pode recorrer da sentença.

Veja a decisão, na íntegra

10ª Vara Cível Central

Processo nº 004.99.759631-0

VISTOS

ÉLCIO ALVARES propôs AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS S/A alegando que a revista “Isto É”, nas edições nº 1566 e 1567, datadas de 06 e 13 de dezembro de 1999, publicou reportagens lesivas à honra e dignidade do autor, que exercia o cargo de Ministro, sob os títulos: “defesa aberta”, “buraco na defesa”, gosto de jogar cartas a dinheiro” e “constrangimento fardado”.

Afirma que a reportagem se utilizou de diagramação capciosa de fotos e títulos, pretendendo “passar” aos leitores relações de intimidade entre o autor, o Deputado José C. Gratz e Dejair Cabo Camata, valendo-se de fantasioso organograma que consta de relatório que conclui inquérito policial, elaborado pelo delegado Francisco Vicente Badenes Júnior.

Aduz que tal relatório recebeu reprimenda exarada pelo Ministério Público Estadual e que a ré prestigiou um delegado de personalidade duvidosa em detrimento do autor que tem uma vida dedicada à causa pública sem qualquer registro desabonador. Alega que jamais advogou para o crime organizado e que a última intervenção do autor no referido processo deu-se em 10/01/1991, antes de sua posse no Senado, menciona que o cargo de senador não é incompatível com o exercício da advocacia.

Afirmou que Solange e Dório Antunes são advogados corretos e que a Assessora especial Solange não comanda reuniões no Ministério da Defesa e não coordena o grupo encarregado da criação da ANAC e que o episódio no qual foi envolvido o Comandante da Aeronáutica Walter W. Braue é fantasioso. Aduz a final, que recebeu inúmeras manifestações de solidariedade, inclusive de membros do Congresso Nacional. Requer a condenação em indenização por danos morais e que a revista seja judicialmente compelida a publicar a sentença com o mesmo número de páginas e destaque das reportagens trazidas a este pleito. Juntou procuração e documentos.

A ré contesta alegando, preliminarmente, inépcia da inicial, porque não indica o autor quais seriam as frases caluniosas, injuriosas e difamatória. No mérito, afirma que as matérias mencionadas não têm qualquer intenção ofensiva à honra do autor, mais limitam-se ao animus narrandi. Aduz que os jornalistas não fizeram afirmações a partir de suas convicções, mas sim através de depoimento e documentos que foram levados à CPI da Câmara Federal para apuração de narcotráfico e crime organizado, inclusive ao autor foi dada oportunidade para esclarecimentos e foi publicada a sua carta resposta.

Relata que o autor é homem público e a imprensa tem o dever de acompanhar fatos de interesse público, que impor censura aos órgãos de imprensa seria restringir o exercício da cidadania e que, inclusive, outros órgãos de imprensa noticiaram o fato. Afirma que a tentativa de desqualificação do Delegado Badenes é impertinente ao feito e informa que o delegado recebeu o prêmio Nacional dos Direitos Humanos e que o autor advogou atuou na advocacia, já eleito defendeu Alberto Dariva e Adelino N. Pereira, relacionados com a operação Marselha e que o autor exerceu a advocacia em sociedade com Solange e Dorio, investigados pela CPI do narcotráfico por suspeitas de envolvimento com o crime organizado.

Relata, por fim, que diante de farta veiculação destes fatos pela imprensa, o autor manteve-se passivo e foi demitido do cargo de Ministro da Defesa. Requer a improcedência e alternativamente a fixação da indenização no limite de 200 salários mínimos, nos termos da lei da imprensa.

Houve réplica.

Na audiência, a conciliação restou infrutífera.

É o relatório. Fundamento e decido.

O processo deve ser julgado no estado em que se encontra, porque estão nos autos os documentos imprescindíveis e a matéria debatida é de direito, nos moldes do artigo 330, inciso I do CPC.

Trata-se de ação de indenização por danos morais proposta pelo então Ministro da Defesa contra órgão de imprensa (revista) que veiculou reportagens que segundo o autor seriam lesivas à sua honra e dignidade.


Afasto a preliminar de inépcia que se confunde com mérito e com este será analisada. De fato, a existência ou não de termos ofensivos à honra do autor constituem-se no próprio mérito da ação.

No mérito, a ação é improcedente.

As liberdades e direitos individuais devem coexistir harmoniosamente. A liberdade de manifestação não é absoluta, precisa respeitar inclusive, o direito à imagem, à intimidade e à honra. No conflito entre tais direitos, de mesma hierarquia, deve se pautar o exegeta pela interpretação sistemática da Constituição Federal.

Vedada a prática da censura, imprescindível que o jornalista observe o respeito à verdade e à dignidade do ser humano, tendo como ponto de partida uma liberdade que não é absoluta.

Notícia falsa ou errônea, que cause dano a outrem, pode conduzir a indenização por dano moral. Mesmo notícia verdadeira se apresentada com tratamento distorcido, exagerado ou escandaloso também o será. Por outro lado, existem também os fatos suspeitos, isto é, acerca dos quais não há juízo de certeza, principalmente os que envolvem acusações criminais.

Neste cenário, a lição do MM Juiz Antônio Jeová Santos: “…Não justifica a emissão de notícia, o fato de ela ter a autoridade policial como fonte. Um boletim de ocorrência nem sempre retrata a verdade, porque elaborado no vestíbulo, no crepitar de algum fato. O jornalista que, na posse de notícia fornecida por autoridade policial e que, somente por isso, informa o que ouviu na Delegacia, ou reproduz o que está escrito em boletim de ocorrência, sem verificar a exatidão da notícia para adequar a informação aos dados subministrados pela realidade, corre o risco de estar noticiando fato agravante e ofensivo…Mesmo a fiel reprodução de documentos obtidos em delegacia de polícia, não exonera a responsabilidade. O acesso à informação não autoriza a omissão do jornalista em valorar de forma crítica a procedência e adequação da notícia..”(Dano Moral Indenizável, 2ª ed. Lejus, p.345/347).

O Manual de Redação e Estilo do Estado de São Paulo, Eduardo Martins, 1990, p.22, dá como instrução específica “…Nunca atribua um crime à alguém, a menos que a pessoa tenha sido presa em flagrante (e não haja dúvidas a respeito da sua culpa) ou confessado o ato. Mesmo que seja polícia quem faz a acusação, recomenda-se cautela para que jornal, involuntariamente não difunda uma versão que se possa mostrar equivocada ou inverídica…4-Nos títulos, especialmente, estas instruções deverão ser seguidas à risca. Como norma, procure sempre mostrar ao leitor que se trata de uma acusação ou denúncia, e não de um fato provado…5-Finalmente, lembre-se de que todo acusado tem o direito de resposta. O ideal é publicar a denúncia e a explicação ou réplica do acusado ao mesmo tempo…”

No mesmo sentido o Manual Geral da Redação da Folha de São Paulo (2ª ed., 1987, p.27): “…Em qualquer caso, nenhum texto com acusações criminais deverá ser publicado enquanto não forem esgotadas todas as possibilidades de ouvir a parte acusada, a fim de que suas declarações sejam apresentadas ao leitor na mesma edição…Denúncias – O jornal registra denúncias de terceiros, mas garante aos denunciados o direito de expor seus pontos de vista junto com os dos denunciantes…”

Fatos que encerrem acusações criminais ou que digam respeito à honra de pessoa humana devem ser tratados com cautela, mesmo quando forem levados a público por terceiro.

Este é o caso dos autos. As denúncias narradas nas reportagens foram levadas a público pelo Delegado Dr. Badenes e não pela revista.

Recorde-se, por primeiro, que este não é o Foro competente para análise da veracidade das denúncias formuladas pelo Delegado.

A discussão destes autos é se a revista ultrapassou os limites Constitucionais do respeito à dignidade, decoro e atingiu a honra do autor, publicando temerária e precipitadamente matéria suspeita ou, ainda, se utilizou texto ou forma jocosa e ofensiva ao autor.

Neste ponto, interessante notar que a imagem do autor, que exercia cargo de Ministro de Estado, é mais exposta que a de outrem, porque atividade pública não se coaduna com a obscuridade. A transparência com relação à vida pública, deve ser total, o que por mais das vezes implica em exposição de fatos relevantes da vida privada. Vida pública e a vida privada não têm delimitação tão marcante quanto desejável seria.

A investigação lato senso é um dos papéis da imprensa no cenário social. O órgão de imprensa deve apontar, apurar e divulgar, inclusive denúncias de terceiros, responsabilizando-se por excessos cometidos, por erros de informação.

Por outro lado, mesmo que a versão seja de terceiro, que ocupe função pública, a imprensa deve guardar cautela para que não divulgue uma notícia ou versão que posteriormente se mostre equivocada. Isto porque o poder de difusão dos órgãos de comunicação, é tamanho que, por mais das vezes, o desmentido não é capaz de restituir a todos os que foram atingidos pela notícia, o estado da verdade.


O confronto entre o dever de divulgar denúncia embasada e a possibilidade de que esta se mostre errônea existe e paira sobre a atividade jornalística de modo inexorável. Tratando-se de acusação que envolva a honra das pessoas imprescindível que seja tratada com cuidado, dando-se ao agravado oportunidade, o mais cedo possível, de rebatê-las.

As matérias debatidas foram publicadas nas edições de nº 1566 e 1567 da revista “Isto É”, datadas de 06 e 13 de dezembro de 1999 (fls. 29 e ss).

Na edição nº 1566, consta no rodapé da capa “Política, onda de denúncias atingem o ministro da Defesa”.

No interior da revista a reportagem sob o título : defesa aberta, descreve um fato, qual seja, o momento em que o delegado Francisco Vicente Badenes Jr foi à Assembléia Legislativa do Espírito Santo para falar à CPI estadual sobre as investigações que comandou a respeito dos grupos de extermínio…E menciona que “em meio à papelada entregue por Badenes e que lhe valeu o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos de 1996, há um organograma, encabeçado pelo ministro da Defesa, Élcio Alvares, que aponta as ligações do PFL do Estado com grupos de extermínio, corrupção, tráfico de drogas e jogo do bicho…” e que o serviço de inteligência do Palácio do Planalto, comandado pelo general Alberto Cardoso, também estaria investigando as denúncias.

Na mesma edição e no próprio texto a revista publicou a resposta do autor, rebatendo as acusações constantes do relatório do Delegado.

Na edição seguinte, nº 1567, outra matéria na qual a revista apresenta cópia de documentos que comprovariam que o Ministro teria advogado quando já era eleito senador para indiciados como integrantes de uma quadrilha, desbaratada na denominada “operação marselha”. Mais uma vez, na mesma matéria, foram publicadas declarações do Ministro feitas quando recebeu a reportagem da revista.

A leitura apurada das matérias constata que a intenção preponderante dos jornalistas foi a de narrar um fato, qual seja, a denúncia feita pelo delegado da CPI.

Ambas as matérias não apresentam denúncias ou conclusões dos próprios jornalistas, mas sim do delegado e da repercussão dos documentos apresentados à CPI, com opiniões de políticos.

Assim é quando mencionam, na revista nº 1566, que “em meio à papelada havia um organograma encabeçado pelo Ministro”; “que no organograma de Badenes, o nome de Gratz vem logo abaixo ao de Élcio”; “todas essa coisas precisam ser apuradas com seriedade. Parece claro que ministro Élcio Alvares tem servido de escudo para a quadrilha que tomou conta do Estado, acusa o deputado Max Mauro (PTB-ES)”.

Vê-se, desde logo que a denúncia não parte do órgão de imprensa, mas sim foi apresentada publicamente em uma CPI. Em nenhum momento os jornalistas mencionaram que os fatos estariam comprovados, ao contrário, afirmam que estariam sendo apurados.

Não foram os jornalistas que elaboraram a denúncia e, portanto, não podem ser responsabilizados pela veracidade ou não da mesma.

Por outro lado, quando a primeira matéria foi publicada, o relatório do delegado já havia sido apresentado para apreciação do Ministério Público (fls.353, em setembro de 1998) e dos deputados integrantes da CPI.

Juntou o autor aos autos a cópia integral do relatório e da cota ministerial (fls. 387, datada de 07/12/1998), que já tinha sido enviado ao Promotor Público.

Juntou o réu diversas matérias veiculadas por outros órgãos de imprensa, na mesma época da reportagem da “Isto É, acerca do mesmo evento (fls. 531 e ss).

O fato era pois, àquela altura, público. Não houve precipitação em informá-lo.

A revista noticiou e divulgou fato público e não pode ser responsabilizada pela veracidade ou não das informações, porque em nenhum momento afirmou que o autor tivesse ligação com qualquer organização criminosa, mas antes relatou que havia denúncias públicas contra o autor.

Afastada a responsabilidade da revista sobre a veracidade das informações e sobre divulgação precipitada de fatos graves, resta a análise de excesso na forma e conteúdo das matérias.

Observo que predomina, nas reportagens, o animus narrandi. As notícias descrevem a denúncia e os fatos que se seguiram. A forma, títulos, manchetes, fotos não apresentam qualquer excesso.

Na realidade, sequer o autor indicou quais seriam as palavras ou fotos excessivas. A matéria não foi manchete em qualquer das duas edições da revista. Os subtítulos : “defesa aberta” e “ligações perigosas”, “gosto de jogar cartas a dinheiro”, nada tem de jocoso, mas estão de acordo com a natureza do texto jornalístico que é telegráfico, objetivo e incisivo. Não há alegação de montagem fotográfica. Não há palavras ou expressões indecorosas.

Resumiu-se a revista a narrar uma denúncia lançada por outrem, envolvendo personalidade pública, sem excessos ou jocosidade, apresentando, nas duas oportunidades, a resposta do agravado. Embora o fato, em si, seja desabonador, não foi denunciado pela revista, porque apresentado em uma CPI e em uma peça de inquérito policial e foi amplamente noticiado pelos órgãos de imprensa.

Não caracterizado, portanto, o animus injuriandi, de rigor a improcedência.

Isto posto JULGO IMPROCEDENTE a ação e julgo extinto o processo com fundamento no artigo 269, inciso I do CPC. Condeno o autor a pagar as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa.

P.R.I.C.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2001.

Cláudia Longobardi Campana

Juíza de Direito

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