Tamanho de petição

Advogado critica postura de juiz que mandou reduzir petição

Autor

  • Ricardo Penteado

    é membro do IDPE – Instituto de Direito Político e Eleitoral membro do Iasp – Instituto dos Advogados de São Paulo e advogado especialista em Direito Eleitoral

4 de junho de 2001, 0h00

Foi com surpresa, repulsa e terror que li o quanto noticiou a revista eletrônica “Consultor Jurídico” a respeito de decisão do MM. Juiz da Comarca de São José, no Estado de Santa Catarina, que determinou a emenda de uma inicial que considerou ter sido exagerada no número de suas laudas.

Comparando-se a um “capitão do navio ou do avião” o magistrado da causa, desdenhou do tamanho da peça e determinou a sua emenda, visto que, no seu sentir, tal pedido – por ele sumulado em 5 linhas – poderia ser veiculado em 5 ou 10 páginas no máximo:

Mas, poder-se-á dizer: o magistrado não dispõe de instrumentos ou atribuições para repor as coisas no seu devido caminho pois a parte deve sempre ter livre acesso à Justiça. Data venia, penso de forma diferente. O artigo 125 do Código de Processo Civil qualifica o juiz como “diretor do processo”, vale dizer, como o capitão do navio ou do avião. Em tais condições não só ele tem a faculdade como também, a meu juízo, o dever de adotar as medidas que se fizerem necessárias para “velar pela rápida solução do litígio”, inciso II, e “reprimir atos contrários à dignidade da justiça”, inciso III, dentre outros.

Com esta descerimoniosa desenvoltura, criticou o trabalho do advogado aduzindo, em suma, que o profissional teria sido prolixo ao veicular o pedido do autor.

Não se tratou – é fácil perceber – de inépcia da peça ou de falta de atendimento de algum requisito processual. Tanto isto é verdade que S.Exa. compreendeu muito bem o pedido e se permitiu sugerir que o mesmo poderia ser veiculado em 5 ou 10 páginas no máximo.

Com o devido acatamento, não se trata de um erro que deveria ser resolvido pelas partes nos autos do processo através dos recursos processuais cabíveis (error in judicando).

Neste caso, testemunhamos um erro que não só atinge um processo de nulidade insanável (error in procedendo) como avilta o Estado de Direito. Nunca se viveu – ao menos no Estado de Direito – situação em que um magistrado se sente investido na autoridade de dirigir a defesa das partes e não apenas de administrar o processo em função do direito das partes e da prestação jurisdicional.

Quem “decide” quantas páginas deve ter uma inicial não é a vontade do juiz mas, sim, o direito da parte que é operado pelo advogado. E no trabalho do advogado nenhum juiz, NINGUÉM, pode se arvorar no papel de lhe dizer quantas páginas deve ter uma inicial. Assim como ao juiz ninguém pode ousar tolher sua palavra – que manifesta seu livre convencimento e os fundamentos de sua decisão – ao advogado ninguém pode ousar calar a boca ou dizer quantas palavras servem para defender um direito sob seus cuidados.

O advogado que subscreve esta carta jamais assinou petição com tantas páginas como no caso em comento. Todavia, sem tê-la lido, atendo-se apenas às razões invocadas pela decisão arbitrária, pode dizer, sem medo de errar, que S. Exa. não precisou de muitas linhas para cometer o pior dos erros de um magistrado: o de não querer ouvir; o de cassar a palavra do jurisdicionado o de julgar a ação antes mesmo da contestação.

O juiz que sabe de antemão quantas laudas deve ter uma inicial é porque já sabe quantas laudas terá a sua sentença. E se já sabe isto é porque prejulgou a demanda e perdeu o primeiro predicado que o qualifica para a nobre e indispensável função jurisdicional: a imparcialidade.

Na sentença o Juiz até pode consignar que certos arroubos de erudição seriam desnecessários para o conhecimento do pedido. Mas aquilo que não é necessário não chega a ser vedado, sendo certo que o excesso de fundamento não prejudica o pedido, antes, o esteia com mais conforto.

O desapreço que o pensamento aqui criticado denota pela necessidade de dar fundamento ao direito invocado parece ser denunciado até mesmo pelo último parágrafo da decisão aqui comentada, onde se manifesta, quase que inconformado, a contrariedade em relação à obrigação de ter que atender, burocraticamente, a um comando constitucional:

Postas essas considerações que atingiram três laudas porque o inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal manda que as decisões do juiz devam ser fundamentadas, abro o prazo de dez dias para que o autor adeque a inicial aos parâmetros razoáveis, não olvidados os requisitos de lei.

O subscritor é advogado e, nesta qualidade, não poderia deixar de comentar violência igual contra o Direito e contra a nossa função, consagrada como essencial à administração da justiça nos termos da constituição federal.

O melhor é aprender com o verdadeiro Capitão de um Navio: Tempestade não se domina com autoridade. Não é com a voz do Capitão que se arbitra o tamanho dos vagalhões ou a velocidade dos ventos; e não é com o seu medo que ele encontrará o caminho mais curto para a bonança de um porto seguro. O Capitão que tem medo do mar não deve sair de casa.

Veja o despacho do juiz que manda um advogado reduzir a petição.

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    é membro do IDPE – Instituto de Direito Político e Eleitoral, membro do Iasp – Instituto dos Advogados de São Paulo e advogado especialista em Direito Eleitoral

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