Liminar tranca inquérito contra advogada acusada de desacatar FHC
31 de julho de 2001, 12h46
O juiz da 2ª Vara Federal de Sorocaba, Paulo Leandro Silva, concedeu liminar para trancar o inquérito policial contra a advogada Maristela Monteiro Pereira, detida em flagrante sob acusação de desacato ao presidente Fernando Henrique Cardoso durante uma manifestação política. O juiz mandou trancar o inquérito porque entendeu que não houve desacato.
Maristela foi detida por “carregar cartaz com dizeres desrespeitosos” ao presidente. Ela também teria chamado FHC de “ladrão”. Mas de acordo com a decisão, Fernando Henrique sequer ouviu a manifestação.
O pedido para trancar o inquérito policial foi feito pela OAB de Sorocaba, representada pelo presidente da Comissão de Prerrogativas, Alexandre Ogusuku. O mérito da ação ainda será julgado.
Veja, na íntegra, a decisão.
Autos: N 2001.61.1o.007686-0
Ação: Habeas corpus
Impetrante: Ordem dos Advogados do Brasil
Paciente: Maristela Monteiro Pereira
Impetrado: Delegado Seccional de Polícia de Sorocaba-SP.
2ª Vara Federal de Sorocaba
Vistos.
Trata-se de ação de habeas corpus, impetrada pela Ordem Dos Advogados do Brasil, representada pelo Dr. Alexandre Ogusuku, Em favor de Maristela Monteiro Pereira. Indicou como autoridade coatora o Delegado Seccional de Polícia de Sorocaba, Francisco Alberto de Souza Campos. Sustentou o impetrante a ausência de justo motivo para a investigação criminal e, conseqüentemente, para a propositura de ação penal pelo Ministério Público e face da paciente. Requereu, ao final, a concessão liminar da ordem, a fim de suspender 1º andamento do inquérito policial e anular a prisão em flagrante.
Fundamentou sua pretensão no fato de não estar caracterizado o crime de desacato que motivou a autuação em flagrante da paciente; na ameaça ao exercício da liberdade de expressão política prevista na constituição e na irregularidade da autuação, eis que a paciente, na condição de advogada, só poderia ser detida pela prática de crime inafiançável.
Juntou os documentos de fis. 13/22.
É o breve relatório. Fundamento e decido.
A ação de habeas corpus ostenta a condição de garantia constitucional destinada à defesa do direito individual de liberdade, previsto no caput e no inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal. Referida garantia vem prevista no inciso I. XVIII, do artigo 5º da Constituição e destina-se a fazer cessar violência ou coação à liberdade de locomoção, se já iniciada, ou evitar que se concretize, se ainda não iniciada, mas haja justificado receio de que ela venha a ocorrer, decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.
Em regra, a ação de habeas corpus não se presta para trancar inquérito policial, procedimento destinado à apuração de fatos que, em tese, configurem crime.
A paciente foi autuada em flagrante delito por, supostamente, proferir impropérios contra o Presidente da República que aqui esteve em visita, bem assim, de carregar cartaz com dizeres desrespeitosos.
Segundo consta das peças do auto de prisão em flagrante juntadas aos autos, a paciente teria chamado o Presidente de República de “ladrão”. As testemunhas ouvidas, integrantes da equipe de segurança Presidencial, afirmaram desconhecer se o Presidente chegou a ouvir as ofensas. A vítima, no caso o Presidente da República, não foi ouvida na polícia.
A conduta da paciente foi tipificada pela autoridade policial como desacato, previsto no art. 331 do Código Penal Brasileiro.
Em que pese à gravidade das agressões verbais proferidas pela paciente contra o chefe do executivo Federal, entendo, apoiado na jurisprudência e na doutrina mais autorizada, que é condição essencial para a caracterização do crime em testilha que o ofendido perceba ou escute diretamente a ofensa, o que não ficou demonstrado.
Outrossim, descaracterizado o crime de desacato, o fato poderá ser imputável a título de crime contra a honra que a teor do art. 145, parágrafo único, do CPB, condiciona-se à requisição do Ministro da Justiça.
Portanto, não configurado o crime de desacato imputado à paciente e ausente à requisição Ministerial mencionada, não há justa causa para o prosseguimento do inquérito policial e nem tampouco para o início da ação penal.
Posto isso, defiro o pedido de liminar e determino a suspensão do inquérito policial instaurado através de Auto de Prisão em Flagrante Delito em desfavor de Maristela Monteiro Pereira, para a apuração do crime de desacato praticado contra o Presidente da República, até o julgamento definitivo da presente ação.
Oficie-se à autoridade coatora comunicando-lhe o teor da presente decisão e requisitando as suas informações. Após, dê-se ciência ao 1. Representante do Ministério Público Federal.
Cumpra-se.
Sorocaba, 27 de julho de 2001.
Paulo Leandro Silva
Juiz Federal Substituto
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