Adultério virtual

'Cópias de mensagens eletrônicas provam adultério virtual'.

Autor

31 de julho de 2001, 19h19

Desde a segunda metade do Século XX os juristas têm-se deparado, perplexos, com os impactos causados pelos avanços científicos e tecnológicos (em ritmo jamais observado) na Ciência do Direito, ora trazendo soluções de ponta para antigos litígios, cujo legislador jamais poderia prever, ora causando conflitos nunca dantes imaginados.

E é justamente no vetusto Direito de Família onde as repercussões de tais progressos são mais visíveis, fazendo, inclusive, ruir velhas estruturas jurídicas advindas do até então inquestionável Direito Romano, cujos institutos, com as suas presunções juris et de júri (que não admitem questionamento), estabeleciam sabiamente um ponto final para aqueles conflitos para os quais a Ciência e a tecnologia de então não eram capazes de solucionar.

Por exemplo, com o advento do exame de DNA, a mais fantástica contribuição científica à Ciência Jurídica até o momento, foi sepultada para sempre a máxima romana “mater semper certa est, pater incertus”,bem como a“exceptio plurium concubentium”, argumento de defesa utilizado para negar a paternidade de um filho quando a mãe, no período em que copulou com o suposto pai, também tivesse mantido relações sexuais com outros homens.

Provada tal performance feminina o seu filho não poderia mais ser reconhecido. A doutrina falava em “risco de paternidade”. Hoje, felizmente, com o sistema do DNA, a paternidade passou a ser cientificamente incontestável, tendo cumprido, a “exceptio plurium concubentium”, desde Roma Antiga, a sua função enquanto a Ciência não atingiu o atual estágio evolutivo. Afinal, com a “identificação digital genética”, dezenas que tenham sido os parceiros sexuais da mãe, é possível apontar qual deles é o pai, devendo o felizardo arcar com o ônus de assistir e alimentar o seu filho e herdeiro.

Por outro lado, dentre os novos conflitos surgidos podemos apontar o polêmico caso da “mãe de aluguel”, que após aceitar uma contrapartida financeira para gerar um filho que será entregue à esposa infértil do homem que lhe cedeu o sêmem para enxerto, não resiste aos encantos da maternidade e resolve quebrar o acordo. Parece inacreditável que há alguns anos tal realidade pertencia ao terreno da ficção científica.

Finalmente, o Direito não poderia ficar indiferente à revolução da informática e o seu inevitável impacto social. Atordoados, os seus profissionais, advogados, promotores de Justiça e juízes, têm queimado a pestana diariamente para solucionar aquilo que o legislador, um tanto estupefato, ainda não pode regular através de leis.

É o caso, por exemplo, trazido pela revista VEJA, edição nº1.704, de 13/6/2001 (pp. 122/129) e que trata, inclusive, do “adultério virtual”, citando um caso de um cidadão casado que era assíduo freqüentador de chats sensuais e que foi flagrado pela esposa praticando “sexo virtual”, modalidade através da qual duas pessoas se excitam mutuamente pela internet através de diálogo picante e simulador de um ato sexual até a atingirem o orgasmo, mediante masturbação disjunta e simultânea, diante do monitor de um microcomputador.

Como não se tocam, o ato sexual é pura fantasia, não podendo tal conduta caracterizar, juridicamente, a figura do adultério, que exige, para a sua caracterização, a cópula vagínica consumada, em que pese poder ser qualificada pelo cônjuge “traído” como conduta desonrosa que torna insuportável a vida em comum, e que também justifica o pedido de separação judicial, nos termos do art. 5º, da Lei nº 6.515/77. Para tanto, a cópia do texto de e-mail (o fantástico e veloz correio eletrônico, também jamais imaginado há alguns anos), pode, inclusive, ser um excelente meio de prova para a comprovação da conduta desonrosa, pela web, de um dos cônjuges, ensejadora do fim da sociedade conjugal.

Como se não bastasse tanta perplexidade, a mídia já anuncia para breve a clonagem do primeiro ser humano. É fácil imaginar as suas conseqüências no âmbito do Direito Civil: discussões acerca da admissibilidade da autonomia de sua personalidade e de quem será credor de alimentos (se de seu original ou do genitor deste), dos impedimentos matrimoniais em relação aos parentes do original, além de causar polêmica no direito das sucessões. Ou seja, se será considerado tão-somente herdeiro de seu original (por ser este o responsável único por sua criação) ou concorrerá com este no mesmo quinhão (meio a meio) da herança deixada pelo pai do original ou, ainda, se concorrerá em igualdade de condições (pro rata) com o seu original e demais herdeiros do original-avô.

Enfim, é de dar calafrios saber que, logo, os tribunais serão instados a decidir, inclusive, sobre a possibilidade jurídica de extensão, ao clone do cônjuge varão, do direito subjetivo de coabitação com a legítima esposa de seu original…

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!