Tutela antecipada

'Há casos que dispensam prova inequívoca para concessão de tutela'.

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27 de julho de 2001, 15h20

O instituto da tutela antecipada, regulamentada no Brasil através da Lei 8.952, de 13.12.94, modificou o artigo 273, do Código de Processo Civil, representando uma das mais revolucionárias alterações do nosso ordenamento processual.

Não se buscou mera simplificação ou agilização do sistema processual, mas verdadeira contemplação do direito material, de maneira célere, sem prejuízo da segurança das relações, pois conforme leciona Carnelutti, o tempo é inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas.

Entre nós, a busca por uma prestação jurisdicional mais célere foi iniciada com a possibilidade de julgamento antecipado da lide, mas a medida mostrou-se tímida e suscetível ao abuso do direito de defesa, para se atingir o bem da vida.

Outras medidas de caráter antecipatório e satisfativo vieram a ser concedidas pelo Judiciário, dentro do seu Poder Geral de Cautela, enfrentando resistências doutrinárias e jurisprudenciais.

O legislador, por sua vez, passou a admitir liminares satisfativas em ações possessórias de força nova (art. 928, do CPC), nos contratos de alienação fiduciária (busca e apreensão do Dec. Lei 911/69), nas ações relacionadas ao direito do consumidor (art. 84, da lei 8078/90) e nas ações de despejo (art. 59 da lei 8245/91).

De acordo com orientação jurisprudencial majoritária as instituições financeiras, enquanto fornecedoras de produtos e serviços a consumidor final (pessoa física ou jurídica), igualmente estão sujeitas às regras da Lei 8.078/90 (CDC), inclusive quanto à antecipação da tutela. Há que se observar, porém, que não se admite o levantamento de depósito em dinheiro, sem a prestação de caução idônea.

Mas, apesar da constante preocupação em ver resolvidos os litígios, inclusive com o deferimento de tutelas antecipatórias, há em sentido contrário a preocupação do exame com a irreparabilidade do dano e das dificuldades de reparação.

Tal preocupação, em se manter o fiel da balança, passou a levar em conta as conseqüências danosas causadas pela negativa da tutela em confronto com aquelas causadas com a sua concessão, bem como a avaliação da compatibilidade entre o pedido e suas conseqüências, pois se o prejuízo for maior do que o direito lesado, não se poderia conceder a tutela.

Nem se diga que a simples revogação do ato afasta as conseqüências do dano, pois em certas situações os resultados são tão prejudiciais que mesmo eventual reforma não impedirá a ocorrência dos danos, justificando o prudente e cauteloso exame do pedido de liminar.

Por estas razões a doutrina se mostra vacilante quanto às conseqüências da reversibilidade e “não admite a antecipação quando a reversibilidade só puder ser reparada em dinheiro..”. Sérgio Bermudes, in A Reforma do CPC, Ed. Saraiva, em sentido contrário, se legitima a “reversibilidade através das perdas e danos”, de acordo com o Prof. Arruda Alvim, posição a que nos filiamos.

Ademais, o sistemático indeferimento dos pedidos de tutela, quando úteis e necessários, pelo argumento do risco da irreversibilidade poderá ensejar o descaso e sub aproveitamento do instituto, desestimulando o praticante do direito.

As lacunas existentes permitiram a criação de medidas cautelares inominadas e mandados de segurança, nem sempre ajustados de maneira perfeita aos casos concretos, utilizados mais como forma de impedir a ocorrência de um dano irreparável ou de difícil reparação.

Já a antecipação satisfativa de direito material (art. 273, CPC) deduzida em ação de conhecimento, vem preenchendo expressivo vazio até então existente, reservando-se às cautelares, sem caráter satisfativo, o atendimento do direito bastando que se encontrem presentes os requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”. Enquanto a antecipação punitiva, que decorre do abuso de direito, visa coibir a prática de recursos defensivos protelatórios e abuso do direito de defesa.

Não é demais lembrar que a cautelar previne (é meio) e visa atingir a futura tutela (fim), enquanto na tutela antecipatória se exige o fumus boni iuris qualificado (com prova inequívoca e verossimilhança das alegações), para se conseguir o próprio direito material de forma antecipada.

No que toca ao pedido da tutela e seu exame verificamos que o próprio texto legal se encarrega de enunciar os pressupostos essenciais, a saber:

I – a iniciativa da parte;

II – a possibilidade de deferimento parcial;

III – a antecipação da tutela material.

I – Da iniciativa

A iniciativa da tutela é reservada à parte interessada, não podendo o magistrado determiná-la de ofício, ainda que útil ou necessária.

Entendemos, data vênia que o pedido possa ser formulado pelo autor ou pelo réu, em especial nas ações dúplices, pelo denunciante, denunciado, opoente, reconvinte e substituto processual, incluindo o Ministério Público, conforme orienta Nelson Nery Jr.


II – A possibilidade de deferimento parcial

O exame e acolhimento parcial da providência antecipatória não prejudicada o direito, mas pelo contrário, poderá facilitar o encaminhamento do feito, exame do direito, além de corroborar na solução do litígio pela via conciliatória.

III – A antecipação da tutela material

Ao estabelecer o pressuposto da antecipação da tutela material, deu o legislador a possibilidade de se examinar o pedido formulado na peça inicial, mas não o condicionou a apreciação unicamente no momento preliminar. Com base nestes argumentos, abstraímos que o exame e antecipação do direito material poderá ser formulado em múltiplas fases do processo, seja com o oferecimento da inicial, da defesa, réplica, no saneador, na sentença e, inclusive, em Segunda Instância, conforme teremos oportunidade de abordar.

Uma das hipóteses de tutela é após o oferecimento da defesa, art. 273, II, CPC, quando se verificar a situação de abuso do direito de defesa.

Nem se diga que será vedada a renovação do pedido de tutela, pela ocorrência da preclusão processual, pois basta que o interessado apresente novos argumentos e elementos, para motivar o novo pedido.

O pedido de tutela (com ou sem deferimento) deverá ser proferido em decisão fundamentada, em obediência a preceito constitucional (art. 93, IX, CF), sob pena de nulidade, permitindo ao inconformado o conhecimento dos fundamentos da decisão, para poder articular seu recurso.

Tem como natureza jurídica à “prestação jurisdicional cognitiva, emergencial, executiva e sumária” buscando desde logo a aplicação de efeitos de uma futura sentença de mérito, passando a ser vista como execução lato sensu de pretensão deduzida em Juízo.

Requisitos objetivos “Caput, do art. 273, CPC” para motivar o pedido de tutela, em geral:

1º) existência de prova inequívoca;

2º) verossimilhança das alegações;

Prova Inequívoca

Tem se entendido por prova inequívoca aquela a respeito da qual não mais se admite qualquer discussão. É a prova extreme de dúvidas, que não deixa outra opção ao julgador, ou no dizer de Luiz Fux: é a alma gêmea da prova de direito líquido e certo necessária à concessão do mandamus.

Logo, com maior razão não se admite a realização de audiência de justificação.

Para Calmon de Passos, a apreciação da prova inequívoca somente seria possível após o encerramento da fase de postulação, com a conclusão do estágio de resposta do réu e depois de cumpridas eventuais medidas de regularização do processo (Revista de Direito 34/73).

Verossimilhança das alegações

A verossimilhança (conceito subjetivo) é a razoável aceitabilidade da versão, plausibilidade ou probabilidade de ser, ou no vocabulário jurídico De Plácido e Silva: “A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas” (Revista Forense, vol, 334/472).

Dano (concreto ou presumido)

Dano concreto quando as circunstâncias, de maneira evidente, revelam o risco do dano (ex: muro construído de maneira irregular com riscos de cair).

Dano presumido, a manutenção da situação não enseja evidente risco de dano, mas são facilmente presumíveis (ex: manutenção do protesto de um título confessadamente pago pelo devedor).

A simples demora na solução do litígio não pode ser considerado como motivo de caracterização da existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, salvo em situações especialíssimas” ( STJ 1ª Turma, REsp 13.368-PR, Rel. Min. José Delgado).

Quanto aos danos, a análise do pedido será examinada com base no prudente arbítrio do julgador, como diria Cândido Rangel Dinamarco: O grau dessa probabilidade será apreciado pelo juiz, prudentemente e atento à gravidade da medida a conceder. A exigência da prova inequívoca significa que a mera aparência não basta e que a verossimilhança exigida é mais que o fumus boni iuris exigido na cautelar”. (A Reforma do CPC, Ed. Malheiros 995, p. 143).

De acordo com Luiz Fux, “o dano irreparável será aquele que se manifestará na impossibilidade de cumprimento da obrigação, ou seja, o esvaziamento da utilidade da decisão vitoriosa” (in Tutela da Segurança e Tutela da evidência, Ed. Saraiva, pg. 345).

Importante lembrar que no tocante às medidas cautelares deverá ser preenchido o trinômio necessidade-utilidade-adequação, a fim de obter a satisfação jurisdicional, logo, não há como aceitar pedido de tutela antecipada e se conceder a liminar de caráter antecipatório, quando se destinar a garantir o resultado da tutela cognitiva ou executiva, em especial quando forem satisfativas.

Em relação à tutela antecipada o pedido ainda poderá ser antecipado total ou parcialmente, isto quando se verificar a pertinência do acolhimento de apenas parte da pretensão (ex: declaratória de inexigibilidade de título, com indenização por danos e pedido de sustação do protesto, quando só a sustação for atendida).


Neste particular merece destaque a lição de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery “A tutela antecipada dos efeitos da sentença de mérito não é tutela cautelar, porque não se limita a assegurar o resultado prático do processo, nem a assegurar a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor, mas tem por objetivo conceder, de forma antecipada, o próprio provimento jurisdicional pleiteado ou seus efeitos.

Ainda que fundada na urgência (CPC 273, I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua mediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução ou, ainda, a viabilidade do direito informado pelo autor”.

Requisitos básicos para a antecipação da tutela genérica

a) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

b) o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Mesmo para responder a um processo é necessário que se demonstre o interesse processual, evitando-se assim a utilização do direito adjetivo para se dar direito a quem não o tem.

Conforme leciona Kazuo Watanabe, a cognição exigível para a antecipação da tutela é de natureza sumária, ou seja, menos aprofundada no aspecto da verticalidade. Tal circunstância determina o caráter provisório da medida, que será negada se houver perigo de irreversibilidade absoluta.

A análise da qualidade inequívoca da prova deve considerar a natureza sumária da cognição antecipatória. Conforme leciona Dinamarco, “a sabedoria do Juiz reside em dispensar os rigores absolutos de uma certeza, aceitando a probalidade adequada e dimensionando os riscos que legitimamente podem ser enfrentados”.

Prova inequívoca em cognição sumária é aquela que apresenta alto grau de credibilidade.

A verossimilhança da alegação significa que ela tem aparência de ser verdadeira. Trata-se de um juízo positivo de probabilidade.

Em que pese a aparente vinculação, a verossimilhança da alegação não tem por pressuposto necessário a prova inequívoca. Carreira Alvim bem leciona que: “Para se convencer da verossimilhança da alegação, o juiz não depende necessariamente da prova”.

Há fatos incontestes e questões exclusivamente de direito que dispensam a prova inequívoca para que se reconheça a verossimilhança da alegação e se conceda a tutela.

Conforme leciona Calmon de Passos, “Se é grande o risco de dano, as exigências quanto à plausibilidade se atenuam; se for mínimo o risco de dano, maiores devem ser as exigências no tocante ao convencimento sobre a plausibilidade do direito”.

Ao examinar um pedido de liminar, o julgador trabalhará sopesando as conseqüências da concessão da medida, exercendo o que Reris Friede denomina lógica crítica.

Execução provisória da tutela antecipada deferida.

Quanto ao risco de reversibilidade da medida, há que se observar que a execução será provisória, com observância dos incisos II e III do art. 588 do CPC.

Conforme leciona Sérgio Bermudes, “Sendo necessário conciliar o caráter satisfativo da tutela antecipada com o veto a possíveis efeitos irreversíveis da decisão que as concede, cabe ao juiz em cada caso impor as medidas assecuratórias que sejam capazes de resguardar adequadamente a esfera de direitos do réu (cauções, etc)”.

Tutela em 2º grau

Para suprir outra lacuna existente no sistema processual, relativo a tutela de urgência, de caráter satisfativo, perante os Tribunais, vinham sendo utilizadas medidas extraordinárias tais como o mandado de segurança e cautelares inominadas, como fora de impugnar ato judicial, a fim de se evitar danos de difícil ou impossível reparação, quando o recurso interposto contra a decisão era desprovido de efeito suspensivo, em especial para se obter efeito suspensivo nos agravos de instrumento.

Para evitar conseqüências de difícil ou impossível reparação, sem a necessidade de se utilizar medidas excepcionais, entendemos perfeitamente possível o uso da tutela antecipatória em segundo grau.

É importante frisar que o art. 273, do CPC, não previu expressamente o uso da tutela após a sentença, mas, por outro lado também não o impediu.

Nem se diga que a previsão legal deveria ser expressa e exclusiva para o primeiro grau, pois se assim fosse sequer o agravo de instrumento poderia ser usado com seu efeito ativo.

Outro relevante argumento é trazido por Roberto Armelim, na obra Aspectos Polêmicos da Tutela Antecipada (p. 448), manifestando-se no sentido de que o art. 5º da CF, dá o devido amparo ao exame pela Superior Instância, na medida em que o inc. XXXV, assim prescreve: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito “; LIV “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal “; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ele inerentes”.


Ainda segundo o autor “… garantido aos litigantes, pela Lei maior, o uso de todos os meios inerentes à ampla defesa, assim como já estabelecera a Declaração Universal dos Direitos do Homem ( toda pessoa tem direito de receber dos tribunais nacionais competentes recurso efetivo”) Aprovada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas de 10.12.48.

Desta forma, entendemos que o pedido de tutela será cabível tanto em ações originárias dos Tribunais (ex: rescisórias), como também naquelas de competência derivada ou recursal (ex: em apelações e agravos).

Em relação aos agravos de instrumento interpostos contra decisões negativas (ex: de indeferimento), que comportariam tão somente a suspensão do ato, modernamente se aceita a antecipação da tutela recursal, isoladamente pelo Relator, antecipando a decisão do Colegiado em verdadeira concessão de tutela, também conhecido como efeito ativo do agravo.

Com as alterações introduzidas no CPC, através da Lei nº 9.756/98, responsável pela modificação do art. 557, nos parece que as dúvidas remanescentes deixam de existir, na medida em que concedeu ao Relator a legitimidade e competência para, isoladamente, reconhecer e aplicar as hipóteses do artigo 273, I, II, CPC, quando houver risco de dano irreparável ou demonstração de que o recurso é meramente protelatório (Embargos de declaração, Embargos Infringentes, Recurso Especial, Extraordinário).

Ora, se o Relator pode: – negar seguimento ao recurso manifestamente improcedente, protelatório ou conflitante com Súmula ou jurisprudência dominante do próprio Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior, ou ainda, dar provimento ao recurso; nos parece perfeitamente possível que possa, este mesmo Relator, antecipar os efeitos da decisão de tutela, até que o ocorra o julgamento definitivo pelo Órgão Colegiado.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, o art. 202, II, do Regimento Interno, prevê a possibilidade de apreciação, concedendo ao Relator a possibilidade de decidir questões incidentais, cuja solução não seja da competência de outro Órgão do Tribunal de Justiça.

A preocupação que ainda incomoda alguns doutrinadores se refere ao suprimento do duplo grau de jurisdição, superável em nosso entender, através do reexame via Agravo Regimental.

Aliás, já há precedentes em decisão proferida em ação de Reintegração na Posse de bem móvel, cujo Rel. foi o Juiz Carlos Eduardo de Souza Goulart, em julgamento datado de 11.10.95, nos autos da Medida Cautelar nº 634.418-9, no 1º TAC.

Nas ações rescisórias, preenchidos os requisitos do art. 273, CPC, legítima se mostra sua postulação.

Concluindo, de maneira extremamente positiva se alterou dispositivo do Código de Processo Civil, permitindo ampliar, dinamizar e agilizar os procedimentos, reconhecidamente em primeiro grau. Mas caminhando para atingir o segundo grau, como forma eficaz de se evitar danos de difícil ou quase impossível reparação.

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