'Oscar da Baixaria'

Maluf perde ação de indenização contra a Rádio Eldorado

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25 de julho de 2001, 19h10

O ex-prefeito Paulo Maluf perdeu ação de indenização contra a Rádio Eldorado que lhe atribuiu o “Troféu cara-de-pau”, na categoria “Capo de Tutti I Capi”, em 1999.

Maluf considerou-se ofendido por ter sido incluído no chamado “Oscar da Baixaria”. Pediu indenização, mas não foi atendido pela primeira instância.

O entendimento da Justiça foi diferente para o prefeito de Porto Alegre (RS), Tarso Genro, que foi eleito no mesmo programa como “mentecapto do século”. A Rádio foi condenada a indenizar o gaúcho. Leia a decisão que condena a Rádio Eldorado.

Maluf protestou contra o fato de a rádio imputar-lhe o título de “chefe de todos os criminosos”. Segundo sua defesa, para ser “Capo de Tutti I Capi, Maluf teria que ser condenado pela prática de vários crimes e de grandes dimensões, o que nunca ocorreu”.

A Rádio, representada pelo escritório Manuel Alceu Affonso Ferreira, alegou que a simples atribuição do título de “chefe” a um renomado político é algo que não poderia causar nenhum espanto. Segundo a advogada do escritório Camila Morais Cajaiba, o programa humorístico não o ofendeu por ter feito uma brincadeira. A defesa da rádio se baseou no artigo 28 da Lei de Imprensa.

Para a juíza Cláudia Longobardi Campana “tratando-se de pessoa pública, a vida privada e a vida pública, não têm limites tão marcantes como desejável seria”. Ela mandou o ex-prefeito pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios.

O advogado do ex-prefeito, Ricardo Tosto, do escritório Leite, Tosto e Barros, disse que vai recorrer da sentença. “A decisão deverá ser revertida porque o troféu cara-de-pau ofendeu e agrediu Maluf”, afirmou.

Veja, na íntegra, a decisão.

10ª Vara Cível Central

Processo nº 000.99.054841-4

Vistos.

Paulo Salim Maluf propôs ação de indenização em face da Rádio Eldorado Ltda., alegando que a ré, como veículo de informação na Cidade de São Paulo, resolveu instituir o “Troféu Cara-de-Pau”, a fim de outorgar ao seu vencedor o “Oscar da Baixaria” e para a surpresa do autor, resolveu incluir seu nome como concorrente ao citado “Oscar”, na “categoria” de “Capo de Tutti I Capi”, sendo divulgado todos os dias, por diversas vezes, durante o mês de abril de 1999. Assim, concorreria o autor na categoria de “Chefe de todos os chefes” (chefe de uma família da família mafiosa), conforme termo utilizado pelos italianos.

Aduz que a ré imputou ao autor o título de “Chefe de todos os criminosos” e, segundo ela mesma afirma, “por motivos óbvios”, mas não informam quais sejam esses motivos. Ressalta que a ré quer imputar ao autor a responsabilidade de ser o “Chefe”, o “Principal”, o “Mor”, de todos os fatos levantados na CPI e daqueles imputados aos políticos envolvidos. Diz que não foi condenado, com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pela prática de qualquer crime que lhe tenha sido imputado. Porém, para ser “Capo de Tutti I Capi”, teria que ser condenado pela prática de vários crimes e de grandes dimensões, o que nunca ocorreu. Requer indenização por danos morais e, em caso de procedência da ação, que a ré seja condenada a publicar a sentença em sua integralidade. Juntou procuração e documentos.

A ré, citada, contestou, alegando que a expressão “capo” significa em português simplesmente “chefe” e, dizer que a expressão “capo di tutti i capi” consistiria em atribuir crimes à pessoa do autor, é fantasiosa. Ressalta que a simples atribuição do título de “chefe” a um renomado político, com grande poder de liderança dentro e fora de suas bases partidárias, é algo que não poderia causar espanto algum. Muito pelo contrário.

Afirma que poucos são os homens, em nosso país, que podem se vangloriar de possuírem tão invejáveis credenciais. Sendo o autor um dentre estes poucos escolhidos, sua caracterização como “chefe”, ou mesmo, “chefe de todos os chefes”, jamais poderia configurar qualquer espécie de ofensa ou difamação, e sim, a mera constatação de sua posição de liderança no cenário público nacional.

Alega que os crimes de “roubo, extorsão, corrupção, homicídio, tráfico de entorpecentes, lenocínio, etc., sequer foram cogitados na transmissão ora impugnada, pois, essas denúncias jamais seriam feitas em tom de pilhéria. Aduz que as matérias atacadas apenas traduziram o espírito de liberdade com o qual a nossa sociedade foi brindada com a promulgação da Constituição Federal de 1986 e que a conduta da ré se pautou pelo “animus jocandi”. Ao decidiu tornar-se um homem público, conforme ele mesmo ressalta, o autor assumiu voluntariamente o ônus de ter seus atos e conduta permanentemente sujeitos à crítica pública.

Impugna o pedido de indenização, posto que não causou qualquer dano ou ofensa à moral do autor, pois os atos encontram-se plenamente resguardados pela Constituição Federal e pelo Estatuto de Imprensa.

Contudo, em caso de precedência da ação, deverá ser observado o teto indenizatório previsto na Lei Especial; e quanto à publicação de eventual sentença condenatória, deverão ser estritamente observados os parâmetros fixados no artigo 75, “caput”, da Lei nº 5.250/67.

Houve réplica.

A requerida pugnou pela degravação de uma fita cassete.

Na audiência, a conciliação foi infrutífera.

O processo foi saneado, sendo determinada a degravação da fita cassete.

O laudo pericial está a fls. 198/203.

A ré apresentou memoriais a fls. 222/225 e o autor a fls. 227/236.

É o relatório.

Decido.

Trata-se de ação de indenização por dano moral, tendo em vista a inclusão do nome do autor em programa de rádio na qual a ré instituiu o denominado “Troféu Cara-de-Pau”, na categoria “Capo de Tutti I Capi”.

Não foram argüidas preliminares.

A prova dos autos é a documental e a degravação de fita cassete.

A ação é improcedente.

Alega o autor que a expressão “Capo de Tutti I Capi” poderia se correlacionar com a classificação do autor como chefe de uma espécie de máfia, em estrita relação com a tradução do chefe da máfia italiana.

Por outro lado, a ré afirma que não houve “animus in juriandi”, não sendo imputado ao autor qualquer crime e invocou a liberdade de manifestação de pensamento que norteou a matéria pautada pelo “animus jocandi”.

É incontroverso que as matérias mencionadas foram levadas ao ar pela rádio. Ano se trata de programa jornalístico ou informativo, mas sim de crítica com contornos humorísticos no bojo de programação radiofônica.

As liberdades e direitos individuais devem coexistir harmoniosamente, inclusive a liberdade de imprensa, de manifestação de pensamento e o direito à imagem, à honra e intimidade.

A liberdade de manifestação de pensamento não é absoluta, de modo que neste caso imprescindível a análise de eventual lesão a direito de imagem que possa conduzir a dano moral.

Neste cenário, interessante notar que o autor exerce notória atividade pública, já que não só foi Governador do Estado, Prefeito do Município, mas também, por mais das vezes, foi líder de seu partido e, exerceu ainda, cargo de Deputado Federal.

O exercício de função pública expõe a imagem do indivíduo, de forma relevante, se comparada com os outros integrantes da sociedade, sendo este um dos ônus da função pública, que não se coaduna com a obscuridade.

Tratando-se, em outras palavras, de pessoa pública, a vida privada e a vida pública, não têm limites tão marcantes como desejável seria.

Em que pense os valores argumentos dos patronos do autor, a matéria levada ao ar, ano causou dano moral ao autor.

O laudo pericial que consta de degravação de fita cassete informa que o autor foi incluído no troféu “Cara-de-Pau” na categoria “Capo de Tutti I Capi” e indicou a leitura de matérias jornalísticas do Jornal O Estado de São Paulo (fls. 202/203). Em nenhum momento, o autor foi acusado de chefiar criminosos.

Tratando-se de matéria de cunho humorístico e crítico, não se pode imputar à ré o “animus juriandi”, mas tão somente a vontade de expressar manifestação crítica através da utilização do “animus jocandi”.

Ensina o Professor Silvio Rodrigues que: “As normas vigentes numa sociedade determinada, em um dado momento, podem ter eficácia maior ou menor, isto é, podem ser acompanhadas de maior ou menor força coercitiva. Na própria vida cotidiana se observa tal fenômeno. Desse modo, os preceitos de etiqueta são menos intensos do que os preceitos de moral e estes, menos intensos que as normas de direito. Entretanto, uns e outros apresentam certa força coercitiva e a desobediência a qualquer deles, provoca uma reação da sociedade, que é a sanção” (Direito Civil. Vol. I, 1993).

As normas de direito, inclusive as que dizem respeito à indenização por dano moral, são estabelecidas pelo Estado, diante de sua relevância e impõe sanção coercitiva. Seus contornos devem ser claros. Não se confunde com outras normas de convivências sociais estabelecidas por um grupo de pessoas, das quais diverge outro grupo e para as quais não há limites e sanções uniformes.

A ré exerceu mediante utilização de órgão de imprensa, através de matéria humorística, crítica a personalidade pública, que é o autor, concentrado as manifestações aos aspectos públicos, não mencionando ofensa pessoal ao autor.

A responsabilidade civil requer além da ocorrência de evento, a prova do dano, do nexo e da culpa. Ausentes tais requisitos, não há obrigação de indenizar.

Como mencionado, o autor como personalidade pública tem suas atividades e vida pública exposta à apreciação de todos, não podendo reclamar dano moral por crítica, inclusive aquela formulada jocosamente.

O humor tem como base o exagero de uma situação e a manifestação de pensamento, tem como ponto de partida a liberdade que só pode ser mitigada no caso de ofensa pessoal direta, o que não ocorre no caso dos autos.

A tradução feita pelo autor da expressão “Capo de Tutti I Capi” não encontra relação com a degravação efetuada e as conclusões postas na inicial, não foram diretamente veiculadas no programa radiofônico, que em nenhum momento classificou o autor como chefe de mafiosos, ou atrelou o nome do autor a condutas criminosas.

A menção ao sistema de saúde PAS, o superfaturamento de preços e dinheiro para financiamento de campanha, foram mencionados na matéria radiofônica tendo por base matéria jornalística. O locutor assim se expressou: “Leiam os ouvintes a matéria completa no Estadão de sábado”.

Assim, ausente o dano e a culpa, a ação é improcedente.

Isto posto, Julgo Improcedente a ação e condeno o autor a pagar as custas e despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa.

P.R.I.C.

São Paulo, 13 de julho de 2001.

Cláudia Longobardi Campana

Juíza de Direito

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