Lixo virtual

Advogado recorre da decisão que negou investigação de spammers

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25 de julho de 2001, 15h05

O advogado Amaro Moraes e Silva Neto entrou com recurso contra a decisão da Promotoria de Justiça do Consumidor de São Paulo, que negou o pedido de instauração de inquérito civil para apurar o envio de mensagens indesejadas (spams) aos internautas no Brasil. O recurso (0062716/0) foi impetrado no Conselho Superior do Ministério Público, na tarde desta quarta-feira (25/7).

Segundo o advogado, os spammers atentam contra um serviço de utilidade pública, que é a Internet. No recurso, Moraes compara os serviços oferecidos pela Web com os de água e luz. E cita que a pena para quem atentar contra esses serviços “ou qualquer outro de utilidade pública” é de um a cinco anos de reclusão e multa.

Veja o recurso impetrado pelo advogado.

Excelentíssimo Senhor Doutor Edgard Moreira da Silva, Digníssimo Promotor de Justiça do Consumidor:

Protocolo nº 221/01

Eu, Amaro Moraes e Silva Neto, nos autos da Provocação em epígrafe, inconformado, data maxima venia, com o r. despacho de fls. e fls. que determinou o arquivamento dos autos, de acordo com as prerrogativas que me são deferidas pelo artigo 107, parágrafo 1º, da Lei Complementar nº 734, de 26 de novembro de 1993, Venho Recorrer deste entendimento, consoante as razões de fato e de direito anexas.

Nestes Termos, observadas as demais formalidades legais e processuais, aguardando a oportuna remessa dos autos ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público.

Espero Deferimento.

São Paulo, 19 De Julho De 2001

Amaro Moraes e Silva Neto

OAB/SP nº 38.203

Razões do recurso

recorrente: Amaro Moraes e Silva Neto

recorrido: Promotoria de Justiça do Consumidor

Ilustríssimos Membros desta Egrégia Casa!

A par de seu inegável conhecimento jurídico e inequívoco senso pretoriano, as razões apontadas pelo ilustríssimo senhor doutor Edgard Moreira da Silva, digníssimo Promotor de Justiça do Consumidor, merecem reparo, como veremos a seguir:

da irretorquível competência da douta Promotoria de Justiça do Consumidor; do objetivo da provocação e o bem juridicamente tutelado; a independência do Ministério Público para requerer informações quanto à identidade e à qualificação dos usuários de Internet

1- Ao depois de breve e concisa – todavia aprofundada – análise dos fatos, pontifica o altíloqüo Promotor de Justiça do Consumidor o seguinte:

Nenhuma providência, porém, pode ser tomada por parte desta promotoria de justiça do consumidor, porque os fatos , como em si narrados, não versam relações de consumo, bem como a informação acerca da identidade e qualificação das pessoas detentoras de e-mails é sigilosa e somente pode ser obtida, sem prévia concordância do interessado, na hipótese de crime relacionado a fato determinado ou mediante ação judicial.

(sic et sic)

Discordo, eis que o princípio básico que permeia toda a construção jurídica do consumerismo é o da vulnerabilidade presumida. O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor trata de uma política que não visa o consumo em si, mas sim as relações de consumo àquelas que se envolvem todos quantos procuram bens e serviços para o atendimento de suas necessidades e aqueles que fornecem os bens para tal.

O spammer (seja esse fornecedor de bens ou de serviços) pode adquirir cd-roms com milhões de endereços virtuais, divulgados sem a autorização do consumidor-internauta. Há casos mais sofisticados (mas não menos reprováveis do ponto de vista da ética) onde fornecedores de bens ou serviços participam de listas de discussão sobre assuntos específicos e colhem, graciosamente, endereços selecionados de consumidores potenciais para, ao depois, entupirem suas caixas postais com propagandas não solicitadas (spam).

Portanto, a douta Promotoria de Justiça do Consumidor é competente para os objetivos requeridos pela provocação que gerou o presente recurso;

2) E além do spamming envolver relações de consumo, o spamming é também um crime cometido contra a segurança da Internet – que é um serviço de utilidade pública (artigo 265 do Código Penal).

Sob esse aspecto, sou forçado a concordar com a douta Promotoria de Justiça do Consumidor que ela é, efetiva e inequivocamente, incompetente para a apreciação da matéria suscitada, haja vista que a questão sub apreciativo tem como objeto a própria Internet e sua segurança e estabilidade. Daí o acerto do abrilhantado Promotor de Justiça a quo.

Todavia a verdade é que, em parte, eu contribuí para que, esse erro tivesse vez, haja vista que, ao final de minha provocação, efetivamente requeri, por um lapso (provável decorrência de açodamento), que a provocação fosse encaminhada à Promotoria de Justiça, enquanto deveria pedir o desdobramento da provocação para mais de uma Promotoria, além da do Consumidor.


Errei, em parte, e, assim, me penitencio.

Entrementes incide em erro o abrilhantado Promotor de Justiça do Consumidor a quo ao dizer que a identidade e a qualificação de um usuário somente pode(m) ser obtida(s), sem prévia concordância do interessado, na hipótese de crime relacionado a fato determinado ou mediante ação judicial (sic et sic). Não concordo.

O pedido de individuação dos spammers – e não a quebra de sua privacidade – foi por mim requerido pelo fato deles atentarem contra a segurança da rede das redes de computadores – o que é crime tipificado pelo artigo 265 do Código Penal;

3) Como recentemente decidiu a Egrégia 2ª Câmara do Colendo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, sequer é necessária a autorização judicial para a obtenção da identidade e qualificação dos usuários de um provedor de acesso à Internet que, aparente ou pretensamente, esteja a cometer um crime.

Eu requeri – mais uma vez ressalto -, apenas, que fossem identificados os spammers. Em nenhum momento requeri a quebra de dados relativos à privacidade desses. Contudo, caso o zeloso Promotor de Justiça a quo não se considere competente para exercer tais misteres (como a polícia o faz), resta-lhe a possibilidade de requerer, judicialmente, uma ordem para lograr os objetivos da identificação e qualificação dos spammers;

4) Prosseguindo, consignado resta no r. despacho denegatório de abertura de inquérito que, ex vi:

Além disso, os fatos são genéricos, pleiteando-se e buscando-se a identificação de pessoas detentoras de e-mails em razão delas estarem encaminhando correspondência eletrônica no mundo virtual em virtude de se acessar às respectivas páginas e sites.

(sic et sic)

Permissa venia, sou forçado a discordar. Os fatos apresentados na provocação nº 221/01, não são genéricos; são específicos! Referem-se a pessoas determináveis (através de seus provedores) que congestionam a rede das redes, a Web, para se aproveitarem de u’a nova mídia publicitária, de duvidosa ética: o spamming.

Consigno, outrossim, que em nenhum momento da provocação sub apreciatio asseverei que os spammers encaminhem correspondência eletrônica no mundo virtual em virtude de se acessar às respectivas páginas e sites.

Deve ser ressaltado que o encaminhamento de spam não prescinde na esmagadora maioria dos casos, de acesso às respectivas páginas e sites. Neste caso, trata-se de cookies, que captam informações sobre o consumidor-usuário.

Pontuado isso sigamos em frente;

dos procedimentos da douta Promotoria de Justiça do Consumidor quanto à privacidade na Internet; da tipificação penal do spam e a auto-regulamentação da Internet

5) Na seqüência da estrutura de sua argumentação, o jubilado Promotor de Justiça do Consumidor a quo pondera o seguinte:

Outrossim, esta promotoria de justiça já instaurou procedimentos investigatórios em face das empresas provedoras de acesso à internet, estes em virtude de provocação do próprio interessado, a fim de buscar-se a tutela dos consumidores que teriam sua privacidade violada pelo uso indevido de informações contidas em seus e-mails e pela utilização de cookies, de modo que, regulando-os, também se consegue preservar a privacidade do internauta e evitar, o máximo possível, a remessa de spams.

Em primeiro lugar, porque os spams não são legalmente proibidos. Na verdade nem há como proibi-los, mas sim regular sua emissão, aplicando-se princípios éticos e legais, embora a tecnologia virtual seja cada vez mais desenvolvida.

(sic et sic)

No que diz respeito aos três inquéritos civis para a apuração das responsabilidades dos webmasters que plantam cookies em seus websites, atualmente em andamento sob a responsabilidade da excelsa Promotoria de Justiça do Consumidor, só tenho que tecer louvores.

Porém no que diz respeito a spam não ser crime, data maxima venia, figadalmente discordo.

O artigo 265 do Código Penal é concludente quanto à sua tipicidade. Transcreverei:

Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de água, luz, força ou calor, ou qualquer outro de utilidade pública:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

(os sublinhados são nossos)

A Internet é um serviço de utilidade pública, eis que se entende por útil a qualidade de um bem ou serviço que o torna apropriado para satisfazer os desejos dos agentes econômicos (conferir in Dicionário Eletrônico da Porto Editora, disponibilizado, na Internet, em: http://www.portoeditora.pt/dol/.

Como bem o pondera Plácido e Silva, o sentido de utilidade pública não se modifica porque saia da órbita privada e venha atingir o domínio público. Assim, sem fugir ao conceito comum, a utilidade pública é igualmente o interesse, o proveito, a vantagem, que se possam tirar das coisas para satisfazer uma necessidade de ordem pública, ou se impõe por um interesse coletivo (De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1967, p. 1617-18).


Com o desenvolvimento das novas tecnologias, é inegável que a Rede Mundial de Computadores tornou-se de utilidade pública, na razão direta em que é útil à coletividade.

Ademais, o crime que se evidencia é o disposto no art. 265 do Código Penal, o qual o spammer comete ao enviar mensagens publicitárias não solicitadas. Nesse sentido, pondera o eminente jurista Cláudio Heleno Fragoso que, ex vi:

Atentar contra a segurança pública é tornar insegura a operação do serviço, fazendo-o perigoso (envolvendo riscos consideráveis de dano). Atentar contra o funcionamento é pôr em risco de paralisação o serviço. Presume-se o perigo com a prática da ação, sendo este, pois, crime de perigo abstrato

(sic et sic – cf. In, lições de direito penal de Cláudio Heleno Fragoso. São Paulo: José Bushatski editor, 1959, p. 672)

6) Concluindo esse tópico, transcreverei mais um parágrafo do r. despacho hostilizado, ex vi:

Em segundo lugar, porque todos os provedores, segundo normas da internet (rfc2142), devem possuir o endereço virtual abuso@(respectivo provedor).com.br para se informar dos spams e-mails ofensivos ou abusivos.

(sic et sic)

Ora… quanto à observância de normas internas da Internet pelos provedores de acesso, tenhamos em mente que, de acordo com o artigo 5º, inciso II, da Magna Carta que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

E a RFC 2142 (Request for Comments) não é lei. É um padrão desejável, não u’a norma lacto senso. Mais: somente pode ser acessada pelos que detêm o conhecimento da língua de Shakespeare, haja vista que inexistem locais onde possam ser localizadas suas traduções do inglês para nosso idioma, bem como não existem indícios pacíficos que de que são ou estejam sendo obedecidas, em qualquer lugar do mundo;-

7) Não fosse tudo isso suficiente para caracterizar o spammer como delinqüente, temos no artigo 146 do Código Penal que é crime constranger alguém (…), depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda. E que que é, entre outras coisas, o spamming senão a tipificação dessa conduta?

8) Nos parágrafo 8º do r. despacho recorrido foi afirmado o seguinte:

Ademais, para que se remetam e-mails para os usuários da internet faz-se necessário que ele forneça o seu endereço virtual ou ele seja captado de alguma forma, por exemplo, quando algum site é acessado pelo usuário e esse fornece seu endereço. Também, tais spams podem ser recebidos em razão do acesso de uma determinada página na internet (cookies e browser)

(sic et sic)

Concordo. Afinal os e-mails das vítimas dos spammers somente podem ser obtidos através de seu consenso ou independentemente desse.

Contudo, tanto sendo obtidos licitamente ou não, isso não desfigura a tipicidade do crime. Se um cidadão usuário da Internet – em dando ou não o seu e-mail – recebe mensagens comerciais não solicitadas enviadas em massa, isso tem o condão de tornar ilícita a postura do spammer, tipificando-se, pois, a sua conduta.

9) Pouco antes de encerrar a apresentação das razões que levaram ao indeferimento de abertura de inquérito para serem apuradas as responsabilidades penais dos spammers apontados na provocação, o respeitado e respeitável Promotor de Justiça do Consumidor a quo pontua o seguinte:

Por isso que se tem recomendado aos internautas que não queiram receber cookies ou spams, para que proceda adequação do programa de navegação na internet (browser), de modo a inibir os cookies e spams, ainda que isso possa causar alguma perda na agilidade de navegação na internet.

(sic et sic)

Por outra feita discordo do entendimento da digníssima Promotoria de Justiça do Consumidor a quo.

O que é proposto pelo iminente membro do Ministério Público a quo é, venia concessa, divorciado do direito. Assemelha-se à história do ladrão que, na Delegacia de Polícia, diz que furtou o carro ¡porque esse não tinha um alarme contra roubos!

Todavia, mesmo que a medida de ativar filtros etotera e tal pudesse livrar a caixa de correio eletrônico do internauta dos abusos dos spammers, isso não impediria que a rede fosse prejudicada como um todo. Posso desenvolver meios para que a mensagem indesejada seja excluída de minha caixa de correio eletrônico. Mas não posso evitar que ela seja enviada. E no envio, Excelências, é que está o crime;

10) Pouco antes de chegar nas linhas finais da decisão, nas quase últimas marcas do r. despacho denegatório de abertura do inquérito pleiteado, temos que:

Dessa forma, o adequado e permitido juridicamente é adotar medidas para que os provedores sejam proibidos a repassar ou, de qualquer forma, dar acesso aos usuários da internet a terceiros, sem que haja autorização.

(sic et sic)


Nesse tópico deve ser ressaltado que muitos spams não partem de provedores de acesso, mas sim de provedores de serviço (aqueles que fornecem e-mails grátis e que, muitas vezes, sequer têm sede em solo pátrio). Conseqüentemente a realização de filtragens pelos provedores de acesso poderia resultar em indireta quebra de privacidade. Afinal, como provar que o alto volume de mensagens eletrônicas enviada por determinado usuário é, de fato, spam, sem que seja violado o conteúdo de diversas dessas mensagens?

Enfim, para não se receber spam, a tarefa é muito mais complicada. Uma das saídas (eis que não há solução) é se proceder ao bloqueio (filtro) de todo o provedor de serviço e/ou acesso diretamente via programa de e-mail. Nesse caso, porém, o usuário não mais receberá mensagens vindas daquele local genérico. Contudo, como já pude constatar, na maior parte das vezes o e-mail do spammer é falso, o que torna a saída inócua. Caso desejasse me valer das prerrogativas que me são deferidas pelo artigo 14, caput, inciso III da Constituição Federal (projeto de iniciativa popular), certamente buscaria outras alternativas; spams, e-mails; o que já foi feito e o que resta a fazer

11) Na seqüência das razões do r. despacho aguerrido, temos que:

Agora, pretender-se impedir a remessa de spams ou e-mails não encontra amparo legal e quiçá tecnológico, sob pena de inviabilizar o próprio sistema de navegação on line.

(sic et sic)

Meu objetivo com a presente provocação não foi impedir remessa de spams ou e-mails, mas a punição, exclusiva, dos spammers, o que encontra amparo legal.

Não temos como evitar os crimes contra a vida, mas nem por isso deixamos de punir os que contra essa atentam;

12) Ao finalizar as razões do r. despacho objeto do presente recurso, o excelentíssimo Promotor de Justiça do Consumidor a quo posicionou-se desse modo:

Assim, os procedimentos instaurados em face dos provedores já se mostram suficientes para atacar-se eventuais abusos da utilização da internet, não se vislumbrando, jurídica e fatidicamente fundamentos para quebrar-se o sigilo de identificação de endereços virtuais para adoção de medidas restritivas sem a ocorrência de fato determinado, que possa indicar lesão ao consumidor ou violação da lei.

(sic et sic)

Discordo. Os abusos perpetrados são infinitamente maiores. Eqüivalem-se à migração de Lillipute para Brobdingnag. De anão e gigante; de pouquíssimo a muito.

Os procedimentos até agora adotados (inquéritos contra os cookies) não bastam para a preservação de nossa privacidade. Não será, estou certo, a instauração de um único inquérito que evitará os abusos perpetrados contra a nossa privacidade.

Punir os webmasters que, sorrateiramente, introduzem cookies em nossos computadores é uma coisa. Punir-se os spammers é outra – e completamente diferente no que tange à tipificação. Não se confundem, enfim, os figurinos legais.

Há um ilícito há ser apurado.

Consignada a minha indignação de cidadão, aguardo que a provocação nº 221/01 seja desdobrada, apurando a douta Promotoria de Justiça do Consumidor as responsabilidades dos abusos decorrentes nas relações de consumo e a Promotoria de Justiça competente o crime de atentado contra a segurança da rede, para que assim hoje, como sempre, se faça.

São Paulo, 25 de julho de 2001

Amaro Moraes e Silva Neto

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