Contra-golpe

Quem denuncia advogado à OAB pode ser obrigado a indenizá-lo

Autor

24 de julho de 2001, 18h26

Quem denuncia advogado ao Tribunal de Ética da OAB pode ser obrigado a indenizá-lo. Foi o que aconteceu com a ex-cliente do advogado Arthur Gomes Neto, que terá de indenizá-lo por danos morais em R$ 12.600. A determinação é do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A ex-cliente entrou com uma representação contra o advogado, acusando-o de “não ter escrúpulo”. Também o apontou como “um daqueles advogados que só visam levar vantagens em situações embaraçosas”. Mas o Tribunal de Ética mandou arquivar a representação feita pela ex-cliente por falta de comprovação dos fatos. O advogado se sentiu ofendido com as acusações e entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais.

Ele queria receber R$ 40 mil. Mas o TJ-SP entendeu que o valor deveria ser menor. De acordo com a decisão, é “inafastável a conclusão de que houve abuso e excesso” por parte da ex-cliente.

Veja, na íntegra, a decisão.

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 118.710-4/0, da Comarca de São Paulo, em que é apelante Arthur Gomes Neto, sendo apelada Eliana Santos Lemos:

Acordam, em segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do Relator que ficam fazendo parte do acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Theodoro Guimarães (Presidente sem voto), Osvaldo Caron (Revisor) e Paulo Hungria.

São Paulo, 15 de maio de 2001.

J. Roberto Bedran

Relator

Voto nº 10652

Apel. nº 118.710-4/0

Comarca: São Paulo

Apte. Arthur Gomes Neto

Apda. Eliana Santos Lemos

Responsabilidade civil. Ação de Indenização por danos morais, decorrentes de ofensas contidas em representação ao Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, formulada por cliente contra o patrono. Improcedência, configuração, porém, dos atos danosos, a vilar a honra e dignidade do autor. Condenação pronunciada, estimada a Indenização em R$ 12.600,00. Apelação provida.

1. Ação de indenização por danos morais decorrentes de representação ao Conselho de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, movida por advogado contra a cliente que a formulou, foi julgada improcedente pela r. sentença de fls. 166/170, cujo relatório se adota.

Inconformado, o autor apela, para buscar a reforma, alegando caracterizadas as ofensas e os prejuízos de ordem moral experimentados, pelo que requer a condenação da ré ao pagamento da indenização, que sugeriu arbitrada em R$ 40.000,00.

Recurso regulamente processado, com resposta e o preparo anotado.

É o relatório.

2. O inconformismo convence e merece provido.

Conquanto não se possa negar dispusesse a ré do direito de representar contra o seu patrono, providência, de resto, mandada arquivar pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, por falta de comprovação dos fatos alegados, é inafastável a conclusão de que houve abuso e excesso, vindo a praticar as graves ofensas de ordem moral apontadas no libelo.

Basta considerar que o qualificou como um profissional inescrupuloso, que, sob ameaça de “levá-la para o xadrez dormir com prostitutas”, propôs-lhe receber, por serviços prestados, honorários muito superiores aos antes verbalmente combinados entre as partes, parecendo, por isso, “não honrar a classe, movido tão somente pela auri sacra fames, ou seja, a execrável sede do dinheiro de que nos fala Virgílio na Eneida…” (fls. 9/12)

E, mais ainda, pendente ação de cobrança de honorários advocatícios, em que a apelada foi condenada a pagar ao autor o valor atualizado de R$ 3.300,00, voltou ela a atacar a conduta profissional e o comportamento ético de seu ex-patrono, mais uma vez o apontado como um daqueles advogados sem escrúpulos e que só visam levar vantagens de situações embaraçosas de seus clientes (fls. 68).

É evidente que tudo isso importou em frontal lesão ao conceito, à reputação e à imagem do apelante, exposto, perante o órgão de classe e colegas advogados, a tais tipos de considerações pessoais, formuladas sem a mínima prudência e cautela na divulgação de fatos a envolver o seu nome e atuação profissional.

A ninguém seria lícito negar o profundo sofrimento psicológico experimentado pelo autor, por ter sua dignidade assim atacada. Grande, certamente, foi a sua humilhação, com o enorme o constrangimento por que passou no episódio, no qual, além de ter de se defender das graves acusações feitas em relação à sua conduta profissional, figurou como advogado sem escrúpulos e argentário.

O dano moral, portanto, foi indiscutível, porquanto houve séria e gravosa moléstia à parte afetiva do ofendido, fundamente afetado em seu patrimônio moral.

Não se deve olvidar que, segundo Savatier, o dano moral caracteriza-se “por todo sofrimento humano que não é fundado por uma perda pecuniária”, compreendendo todo atentado à reputação da vítima à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio, às suas afeições, etc. (Traité de la Responsabilité Civile, Vol. II, nº 525).

Por sua vez, Dalmartelo, em sua obra Danni Morali Contrattruali, citado por Rui Stoco, bem enuncia, como elementos configurados do dano moral, a privação ou diminuição dos bens que têm um valor preponderante na vida do homem e que “são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e dos demais sagrados afetos, classificando-os em dano que afete a parte social do patrimônio moral (honra, reputação etc.); dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade etc.); dano moral que prova direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.); e dano moral puto (dor, tristeza etc)” (I Responsabilidade Civil e sua interpretação Jurisprudencial. R.T., 4ª edição, pág. 674).

Impositiva, pois, a procedência da ação.

Na fixação do valor da indenização pelos danos morais, com sua função reparatória, penalizante e de reconhecido efeito psíquico a que o ofensor não reincida na falta, e para a qual, segundo precisa lição do saudoso Desembargador Walter Moraes, recomendável “uma estimação prudencial, que não dispensa sensibilidade para as coisas da dor e da alegria, para os estados d’alma humana” (R.T. 650/66), devem ser considerados o grau de culpa, que foi grande, a intensidade do sofrimento e funda sensação de angústia que certamente experimentou o autor, bem assim a sua qualificação profissional de advogado militante no foro, e, é claro, a própria situação econômica da ré, que , sem ser excelente, positivamente não é má, desde que, como assistente social da Prefeitura Municipal de São Paulo, registra renda líquida mensal comprovada, para outubro de 1998, de R$ 2.100,00.

Tudo isso sopesado, arbitra-se a indenização em R$ 12.600,00 (doze mil e seiscentos reais), valor correspondente, atualmente, a setenta salários mínimos vigentes.

A ré arcará, também, com o integral pagamento das verbas de sucumbência, as custas processuais e os honorários advocatícios do autor, estes arbitrados em 15% sobre o valor da condenação.

3. Do exposto, dá-se provimento ao recurso.

J. Roberto Bedran

Relator

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!