Mensagens inconvenientes

Promotoria do Consumidor nega pedido para investigar spammers

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21 de julho de 2001, 14h33

A Promotoria de Justiça do Consumidor de São Paulo negou o pedido de instauração de inquérito civil para apurar o envio de mensagens indesejadas (spams) aos internautas no Brasil. O pedido foi feito pelo advogado Amaro Moraes e Silva Neto ao Ministério Público de São Paulo. Ele entrará com novo recurso na terça-feira (24/7), no Conselho Superior do Ministério Público.

A decisão é uma lástima para os internautas que mal conseguem distinguir as mensagens de seu interesse em meio a tanto lixo postal que se recebe sem querer.

De acordo com a representação, milhões de mensagens indesejadas enviadas por spammers podem atentar contra a segurança e funcionamento da Internet. No pedido de investigação, foi fornecida uma lista de endereços eletrônicos de pessoas e empresas que praticam o envio sistemático mensagens não solicitadas.

O advogado especialista em Internet, Omar Kaminski, considera que a prática, indubitavelmente, envolve relações de consumo e que o spam é “um marketing virtual barato, onde o fornecedor de bens ou serviços adquire cd-roms com milhões de endereços virtuais, divulgados sem a autorização dos internautas”. Kaminski também entrou com ação semelhante contra spammers no Ministério Público do Paraná, juntamente com Moraes. Mas contra outros representados.

Segundo ele há casos mais sofisticados de spams, “mas não menos reprováveis eticamente”, onde fornecedores de bens ou serviços participam de listas de discussão sobre assuntos específicos e colhem, graciosamente, endereços “selecionados” de consumidores potenciais. “Depois entopem suas caixas postais com propagandas não solicitadas”, criticou.

De acordo com a decisão do promotor, a solução deve partir do próprio internauta. “Tem-se recomendado aos internautas que não queiram receber cookies ou spams, para que procedam adequação do programa de navegação na internet (browser), de modo a inibir os cookies e spams, ainda que isso possa causar alguma perda na agilidade de navegação na internet”, escreveu ele em seu despacho de arquivamento do pedido, acenando para a auto-regulamentação.

Mas segundo Kaminski, para não receber spams, a tarefa é muito mais complicada. Deve-se ter em mente duas situações distintas:

a) quando o consumidor-internauta preenche voluntariamente o cadastro contido em muitos sites, nele deixando seus dados pessoais, e geralmente clicando em um determinado local, consentindo por decorrência, que seus dados pessoais sejam utilizados para diversos fins, desde estatísticas de acesso até o envio de propagandas de produtos de terceiros, caso em que a propaganda passa a ser “consentida”, não se configurando o spam;

b) quando o consumidor-internauta recebe e-mails de propagandas de empresas ou prestadores de serviços que nunca conheceu ou nunca ouviu falar, alguns até mencionando que coadunam com o fictício “105º Congresso Mundial de Spamers”, ou o jocoso “Do not spam it hurts all of us” provando, sobremaneira, que advém de uma mesma fonte, qual seja, um cd-rom com milhões de endereços, que é vendido abertamente na Internet por um preço irrisório, caso em que a propaganda passa a ser “não solicitada” e abusiva.

Para o advogado, uma das saídas é proceder o bloqueio (filtro) de todo o provedor de serviço e/ou acesso diretamente pelo programa de e-mail. Porém o usuário não receberá mais mensagens vindas daquele local genérico. “Observa-se que, na maior parte das vezes, o e-mail do spamer é falso, o que torna a saída inócua. Ademais, o protocolo HTTP (web) e o protocolo SMTP (e-mail) contém cada qual suas peculiaridades, utilizam-se de portas diferentes, portanto não podem ser confundidos nem tecnicamente nem juridicamente”, esclareceu.

Ele explicou, ainda, que existem entidades encarregadas desse trabalho de cerceamento, bloqueando diretamente nos “roots” aqueles praticantes contumazes de spam, como faz a empresa norte-americana Mail Abuse Prevention System LLC, com sede na cidade de Redwood/CA, conhecida como MAPS ou qualquer provedor de acesso que adote a lista RBL – Realtime Blackhole List.

Veja, na íntegra, a decisão.

Ministério Público do Estado de São Paulo

Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital

Protocolo nº 221/2001

Interessado: Amaro Moraes e Silva Neto

Requeridos: Apurar (detentores de e-mails [email protected] e outros)

Assunto: Remessa de Spams Indesejados no acesso a Internet e pelo uso de serviços e Sites.

Trata-se de representação formulada pelo interessado, relacionando os e-mails:

(Lista suprimida)

Em seguida, noticia que as pessoas detentoras desses e-mails, por intermédio de spamming, estariam atentando contra a segurança e regular funcionamento da internet, remetendo milhões de mensagens eletrônicas aos usuários desse serviço de utilidade pública, sem que eles tenham manifestado interesse em recebê-los, razão pela qual requer providências do Ministério Publico e a fim de determinar aos provedores de acesso à Internet que formem a qualificação das pessoas detentoras dos e-mails acima relacionados.

Nenhuma providência, porém, pode ser tomada por parte desta Promotoria de Justiça do Consumidor, porque os fatos, como em si narrados, não versam relações de consumo, bem como a informação acerca da identidade e qualificação das pessoas detentoras de e-mails é sigilosa e somente pode ser obtida, sem prévia concordância do interessado, na hipótese de crime relacionado a fato determinado ou mediante ação judicial.

Além disso, os fatos são genéricos, pleiteando-se e buscando-se a identificação de pessoas detentoras de e-mails em razão de elas estarem encaminhando correspondência eletrônica no mundo virtual de se acessar às respectivas páginas e sites.

Outrossim, esta Promotoria de Justiça já instaurou procedimentos investigatórios em face das empresas provedoras de acesso à Internet, estes em virtude de provocação do próprio interessado, a fim de buscar-se a tutela dos consumidores que teriam uma privacidade violada pelo uso indevido de informações contidas em seus e-mails e pela utilização de cookies, de modo que, regulando-os, também se consegue preservar a privacidade do internauta e evitar, o máximo possível, a remessa de spams.

Em primeiro lugar, porque os spams não são legalmente proibidos. Na verdade, nem há como proibi-los, mas sim regular sua emissão, aplicando-se princípios éticos e legais, embora a tecnologia virtual seja cada vez mais desenvolvida.

Em segundo lugar, porque todos os provedores, segundo normas da Internet (RFC2142), devem possuir o endereço virtual abuso@(respectivoprovedor).com.br para se informar a respeito de dos Spams e-mails ofensivos ou abusivos.

Ademais, para que se remetam e-mails para os usuários da Internet faz-se necessário que ele forneça o seu endereço virtual ou ele seja captado de alguma forma, por exemplo, quando algum site é acessado pelo usuário e este fornece seu endereço. Também, tais spams podem ser recebidos em razão do acesso de uma determinada página ou internet (cookies e browser).

Por isso que se tem recomendado aos internautas que não queiram receber cookies ou spams, para que proceda a adequação do programa de navegação na Internet (browser), de modo a inibir os cookies e spams, ainda que isso possa causar alguma perda na agilidade de navegação na Internet.

Dessa forma, o adequado e permitido juridicamente é adotar medidas para que os provedores sejam proibidos a repassar ou, de qualquer forma, dar acesso a informações dos usuários da internet a terceiros, sem que haja autorização.

Agora, pretender-se impedir a remessa do spams ou e-mails não encontra amparo legal e quiçá tecnológico, sob pena de inviabilizar o próprio sistema de navegação on line.

Assim, os procedimentos instaurados em face dos provedores já se mostram suficientes para atacar-se eventuais abusos na utilização da Internet, não se vislumbrando, jurídica e taticamente, fundamentos para quebrar-se o sigilo de identificação de endereços virtuais para adoção de medias restritivas sem a ocorrência de fato determinado, que possa indicar lesão ao consumidor ou violação da lei.

Diante do exposto, não se vislumbrando a hipótese de atuação da Promotoria de Justiça do Consumidor, indefiro a representação em epigrafe, deixando de instaurar inquérito civil em relação aos fatos nela noticiados e determino o arquivamento do presente protocolado.

Dê-se ciência ao interessado.

São Paulo, 21 de junho de 2001.

Edgard Moreira da Silva

Promotor de Justiça do Consumidor

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