Estupro

'Imprensa sensacionalista ignorou novidade em tese sobre estupro'.

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18 de julho de 2001, 17h59

Em 22 de junho, o 4º Grupo Criminal do nosso Tribunal de Justiça discutiu a possibilidade de se aplicar nova interpretação do Supremo Tribunal Federal, para fato julgado em 1996, estando o réu em plena execução da pena. É certo que, surgindo lei nova, mais benéfica ao réu, cabe aplicação retroativa. A Constituição Federal é expressa (art. 5º, XL). Mas discute-se sobre a interpretação nova, mais benéfica: aplica-se também a fatos anteriores, julgados sob outro entendimento? Dos sete desembargadores do Grupo, cinco votaram pela aplicação retroativa. Provavelmente, é decisão pioneira no país.

A última palavra não foi dada, porém. Cabem recursos. Novos pleitos, com base na decisão, deverão aportar em nosso tribunal, e também outros Grupos Criminais serão chamados a julgar. Parte da imprensa, contudo, ignorou a novidade da tese e destacou aspecto acessório. O tribunal teria abrandado a pena de estuprador, e esse seria, nessa ótica, o único objeto do processo.

Em verdade, e apenas por casualidade, a nova jurisprudência oriunda do STF trata de estupro. Como se sabe, certos crimes são rotulados de hediondos. O STF alterou jurisprudência que considerava hediondas todas as formas de estupro, afirmando que estão incluídos unicamente os crimes de estupro com lesões graves ou morte da vítima – ou seja, as formas “qualificadas”. Não vai nisso qualquer complacência com o estuprador, tanto que a pena mínima do estupro, em sua forma básica, continua sendo a mesma do homicídio.

E já que falamos no caso concreto, talvez seja instrutivo dizer que o 4º Grupo manteve a pena do réu, embora a base tenha sido exacerbada, na média (8 anos), e a redução pela tentativa tenha sido mínima. Ao fim, para uma tentativa de estupro, em que o agente foi impedido de consumar o crime por intervenção da BM, a pena ficou em 5 anos e 4 meses de reclusão.

Comparando com tentativas de homicídio vê-se que, para estes, a pena normalmente não passa de 4 anos. E mais: embora a lei permita o regime carcerário semi-aberto, o Grupo Criminal manteve o regime fechado, consideradas as circunstâncias do crime e sua gravidade.O “abrandamento” estaria confinado, pois, à possibilidade dada ao condenado de passar do regime fechado ao semi-aberto, e deste, para o aberto.

Mas para tanto, além do cumprimento de parte da pena, deverá se submeter a exame criminológico severo. A progressão depende sempre de decisão judicial e em casos de estupro é bastante rara. Nesse contexto, só se pode entender a ótica distorcida do noticiário pelo desejo de sensacionalismo. E certas reações raivosas, que testemunhamos, são apenas reflexos de desinformação, má-fé ou facciosimo.

Estou autorizado a dizer, por fim, como integrante do 4º Grupo, que o discurso da lei e da ordem, o apelo ao terrorismo penal, não é apto para solucionar os conflitos de gênero, pois o direito penal combate efeitos, e não causas.

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