Assassinatos no Pará

ONU recebe denúncias sobre assassinatos de trabalhadores no Pará

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13 de julho de 2001, 12h01

O assassinato do sindicalista José Pinheiro Lima e sua família, ocorrido em 9 de julho deste ano, no Pará, foi denunciado às Nações Unidas.

A relatora especial sobre Execuções Sumárias, Asma Jahangir, recebeu a denúncia encaminhada pelo Centro de Justiça Global, Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará, Comissão Pastoral da Terra, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. As entidades enumeram outros assassinatos e também criticam a violência policial contra famílias de trabalhadores rurais no Pará.

Em abril deste ano a relatora da ONU recebeu um relatório de entidades de defesa de Direitos Humanos do Brasil sobre a situação das execuções sumárias. Na ocasião, anunciou que fará uma visita oficial para investigar a situação no Pará.

Nos últimos 90 dias foram presos 108 trabalhadores rurais no Pará. Também nos últimos três meses, no sul e sudeste do Pará, mais de 1500 famílias foram despejadas em operações da Polícia Militar. As entidades afirmam que os despejos impossibilitam a continuidade do trabalho de famílias pobres e ainda destroem por completo seus poucos bens, além de ser violentas em alguns casos.

Veja a denúncia encaminhada à ONU

Exma. Sra.

Dra. Asma JAHANGIR

DD. Relatora Especial Sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias e Arbitrárias das Nações Unidas

Senhora Relatora,

O Centro de Justiça Global, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, a Comissão Pastoral da Terra e a Fetagri (Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura do Pará), vêm por meio desta informar a execução sumária do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá, no Estado do Pará, José Pinheiro Lima, de sua esposa Cleonice Campos Lima e de seu filho Samuel Campos Lima, de 15 anos.

No último dia 09 de julho, por volta das 19:00 horas, dois pistoleiros assassinaram a tiros o sindicalista JOSÉ PINHEIRO LIMA, 59 anos, sua esposa CLEONICE CAMPOS LIMA, 53 anos e seu filho SAMUEL CAMPOS LIMA, 15 anos.

Os pistoleiros chegaram a pé na residência de José Pinheiro, que fica na Rua Antônio Chaves, 215, em Morada Nova, a 12 km de Marabá, no Estado do Pará e entraram na casa da família. Assassinaram primeiramente a Sra. Cleonice, que assistia televisão na sala. Em seguida, foram até o quarto do casal, onde estava José Pinheiro, que, inclusive, se recuperava de “malária”. Atiraram a queima roupa.

O filho do casal, Samuel, estava chegando em casa quando se deparou com os pistoleiros e foi alvejado no peito. Ainda correu por aproximadamente 100 metros, mas faleceu logo em seguida. Após o crime, os pistoleiros saíram correndo do local, pegaram uma moto e foram pela rodovia PA – 150 em direção do município de Jacundá.

O sindicalista era membro da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá e, há dois anos, estava designado pelo Sindicato para acompanhar cerca de 120 famílias que estão ocupando a Fazenda São Raimundo, localizada na região do Rio Preto, a 130 km de Marabá. A Fazenda São Raimundo, possui cinco mil e seiscentos hectares, foi vistoriada pelo INCRA em 1999 e declarada improdutiva através de decreto de desapropriação assinado em janeiro de 2001. No entanto, as famílias continuam acampadas e ainda não foram assentadas pelo Órgão fundiário.

O fazendeiro, João David de Melo, proprietário da Fazenda São Raimundo, tem usado de todos os meios para impedir o assentamento das famílias na área. O clima sempre esteve tenso na Fazenda São Raimundo e José Pinheiro Lima, como principal liderança do acampamento, era a pessoa mais ameaçada. No início do ano de 2000, após a morte do sindicalista Dezinho, em Rondon do Pará, um conjunto de entidades de Marabá teve uma audiência com o Secretário de Defesa Social, Paulo Sette Câmara, e entregaram-lhe uma lista com os nomes de vários sindicalistas ameaçados de morte na região. José Pinheiro era uma deles.

O assassinato da família Lima não é um caso isolado. O clima é tenso na região, há inúmeras fazendas em situação de conflito permanente e várias lideranças correm perigo de vida. As ações do Governo do Estado, via Secretaria de Segurança Pública, na região de Marabá, tem contribuído para o recrudescimento da violência no campo nos últimos meses. Atendendo imposição dos fazendeiros da região, reunidos na exposição agropecuária em Marabá, o governador Almir Gabriel autorizou a polícia militar a cumprir vários mandados de reintegração de posse, retirando, em alguns casos de forma violenta, centenas de famílias das fazendas ocupadas.

A polícia civil, chefiada pelo delegado Alcântara, montou uma verdadeira cassada às lideranças dos trabalhadores nas ocupações, são mais de 100 prisões nos últimos meses. Enquanto por um lado todo aparato das polícias militar e civil é colocado a serviço dos fazendeiros, por outro, quando um trabalhador é assassinado, a polícia civil alega não ter carro, pessoal ou combustível para ir ao local do crime ou empreender perseguição aos pistoleiros. Prova disso, é que na semana passada um trabalhador rural, acampado na Fazenda Três Poderes, próximo à fazenda São Raimundo, foi assassinado por pistoleiros e a polícia civil só foi ao local após as entidades fornecerem combustível para viatura. Para levar o corpo ao IML, as entidades tiveram que fretar outro carro.

Inúmeras denúncias têm sido encaminhadas ao Secretário de Segurança do Pará, Dr. Sette Câmara, sobre formação de quadrilhas de pistoleiros fortemente armados nas fazendas com o objetivo de assassinar trabalhadores, mas o secretário de Defesa Social e o comando da polícia civil têm se negado a apurar as denúncias.

No dia 09 de julho pistoleiros fortemente armados, se passando por supostos seguranças particulares da fazenda Santa Rita de Cássia, prenderam trabalhadores rurais que estavam acampados na área da fazenda. A polícia sequer verificou se a empresa realmente existia, e se os supostos seguranças possuíam porte de arma e não checaram a procedência das suas armas.

No caso da execução do delegado sindical José Pinheiro de Lima e sua família não foi diferente. A polícia civil do Sul e Sudeste do Pará, esteve no local do fato, por meio de um delegado e sua equipe. Mas as testemunhas tiveram dificuldades para prestar depoimento, pois se deslocaram até a sede da superintendência por volta das 21:00 e só prestaram depoimento às 01:00 hora da manhã, sendo que os representantes de entidades que estavam no local não presenciaram nenhuma outra atividade que demandasse muito tempo ou que justificasse tanta demora.

Até a madrugada do dia 10 de julho de 2001, a polícia civil não tinha realizado nenhuma busca no sentido de diligenciar para identificar os autores do crime, que com toda certeza estão ligados a questão agrária e a perseguição de lideranças de trabalhadores no Estado do Pará.

Nós gostaríamos de agradecer a atenção de V.Exa. para este relatório e estamos à disposição para outras informações através dos telefones 55 – 21-5477391 ou pelo endereço eletrônico [email protected].

Atenciosamente,

James Cavallaro

Diretor – Centro de Justiça Global

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