Ilegalidade

'Taxa Selic é inaplicável para cálculos de juros de mora tributários'.

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5 de julho de 2001, 14h29

A partir de janeiro de 1996, por imposição do art. 84 da Lei 8.981/95, com a redação que, posteriormente, lhe foi dada pelo parágrafo 3º do art. 61 da Lei 9.430/96, passaram os juros de mora das obrigações tributárias a ser calculados mediante a aplicação das Taxas Selic.

Trata-se de taxas de juros, que são fixadas pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (Copom), órgão integrante da Administração e vinculado, em última análise, ao Ministério da Fazenda, a quem compete à arrecadação dos tributos.

A estipulação da taxa Selic relaciona-se com as condições de Liquidação e Custódia de Títulos Públicos Federais. Estão tais taxas, portanto, sujeitas às oscilações decorrentes da credibilidade interna e/ou internacional de tais títulos e, ainda, às necessidades da política monetária governamental.

Neste sentido, ao aplica-la aos juros em matéria tributária está o Governo a transferir ao contribuinte os ônus de sua falta de credibilidade, o spread a ele exclusivamente imputável. É interessante ressaltar que o Governo, que diz querer apagar a memória inflacionária e, para isto, limitou ao máximo a possibilidade de correção monetária nas avencas privadas, finge tê-la abolido nos créditos tributários, que se expressam em reais, mas a substitui por uma taxa de juros que, inclusive, supera em muito as taxas inflacionárias correntes. É um expediente que não faz jus à seriedade de tratamento que o contribuinte tem direito de esperar dos governantes.

Ponto de especial relevância é que a fixação da taxa Selic é totalmente submetida ao arbítrio da Administração Federal, sendo fruto exclusivo de decisão administrativa a ser tomada pelo sujeito ativo da relação tributária, que dela diretamente se beneficia.

A atividade arrecadadora, segundo definição expressa do CTN, caracteriza-se como sendo absolutamente vinculada à lei (art. 3o), razão porque a Constituição Federal (art. 150, I) e o CTN (art. 97, I) estabelecem a impossibilidade de se exigir ou aumentar tributo, a não ser através de lei, tratando-se de competência legislativa absolutamente indelegável à Administração. Não se alegue que juros de mora não sejam tributo. Na verdade, qualquer acréscimo punitivo imposto aos tributos, aumenta-lhes a carga, acarretando como conseqüência à obrigatoriedade de que sejam as suas normas gerais estabelecidas por lei complementar. Este é o comando do art. 146, III, b) da Constituição Federal, quando reserva à lei complementar dispor sobre “b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.”

É fato que o parágrafo 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional – CTN, que data de 1966, estabelece que os juros de mora serão de 1% ao mês, se a lei não dispuser de forma diversa. Ante o disposto no art. 146, III, b) acima transcrito, cabe indagar-se se tal referência à determinação de juros por via da lei ordinária terá sido recepcionada pela ordem constitucional estabelecida em 1988. Parece-nos evidente que não.

No entanto, tal discussão afigura-se despiciendas, pois, ainda que, para fins de argumentação, se venha a admitir a possibilidade de que os juros de mora em matéria tributária possam ser fixados através de lei ordinária, não há como se sustentar à tese do Fisco de que a imposição da Taxa Selic decorre de norma legal expressa. Embora tal afirmação se revista de uma aparência de verdade, pois, como acima já acentuamos, foram leis ordinárias que determinaram a sua adoção, é indispensável que se ressalte que tal determinação equivale a uma delegação de poderes à Administração para a fixação de uma taxa variável, que será um dos componentes do crédito fiscal compulsoriamente exigido. Trata-se, sem dúvida, de ofensa direta e grave ao princípio da legalidade tributária, que não permite tal delegação de competência legislativa (art. 97 do CTN).

Portanto, do ponto de vista exclusivamente da legislação tributária, analisada no contexto do Sistema Tributário Nacional previsto na Constituição Federal, afigura-se inaplicável a Taxa Selic para fins de cálculo dos juros de mora tributários. Outros aspectos legais, porém, merecem ainda uma abordagem.

Insista-se na tese de que a fixação da Taxa Selic é instrumento típico de proteção à política monetária do Governo Federal e, dentro desse quadro, situa-se na área de discricionariedade administrativa, exercida, neste caso, pelo Conselho de Política Monetária.

Atualmente, por exemplo, a Taxa Selic, que vinha sendo gradualmente reduzida, voltou a ser aumentada e com viés de alta, como fruto da crise Argentina e, a seguir, da nossa própria crise energética, que vêm ambas exercendo violenta pressão sobre o valor do Real, em face do dólar americano. Trata-se, pois, repita-se, de uma taxa comprometida com a estabilidade monetária, nada justificando que seja utilizada como taxa moratória aplicável aos tributos.

O fato é que a relação tributária baseia-se em dados concretos, previamente estabelecidos por lei para vigência entre as suas partes ativa – a Administração e passiva – o contribuinte, não podendo o seu montante, do qual os juros moratórios são um dos componentes, ficar ao exclusivo alvedrio do sujeito ativo, que deles será o beneficiário direto.

A utilização da Taxa Selic como taxa de juros moratórios em matéria tributária evidencia-se escandalosa, quando se observa que o Governo vem intervindo nas relações privadas para impedir, por exemplo, que multas contratuais sejam superiores a 2% do valor do débito! A cobrança ao contribuinte, portanto, de tão extorsivas taxas de juros moratórios parece caracterizar inegável agiotagem oficial e indefensável locupletação, verdadeiro enriquecimento sem causa, injustificável em face da Constituição Federal e da Lei de Usura – Decreto 22.926/33, ainda em pleno vigor e que proíbe a cobrança de taxas de juros superiores a 12% ao ano.

Na verdade, somente às instituições integrantes do sistema financeiro nacional reconhece o Supremo Tribunal Federal o direito à cobrança de juros superiores aos fixados na acima citada Lei de Usura (Súmula 596). A Administração Pública não se assemelha às instituições financeiras, nem é razoável que se pretenda imune à aplicação das leis que restringem a usura.

A Medida Provisória 2089 reprime com severidade a prática da agiotagem. Como se justificar, então, que a pratique o Governo, contra seus próprios contribuintes?

São considerações sobre as quais certamente gostarão os contribuintes de ver se manifestarem os Tribunais Superiores.

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