Guerra do Paraguai

STF concede prisão domiciliar ao ex-general Lino Oviedo

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4 de julho de 2001, 21h57

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, já assinou o alvará de soltura do ex-chefe das Forças Armadas paraguaias, general Lino César Oviedo, para que ele aguarde em casa o julgamento do pedido para sua extradição.

O habeas corpus saiu, às 22h, da quarta-feira (4/7). O ministro determinou a comunicação do fato ao ministro da Justiça e ao governo paraguaio.

Oviedo foi condenado em seu país a dez anos de cárcere por tentativa de golpe de Estado em abril de 1996 e também foi apontado como o suposto autor intelectual do assassinato do vice-presidente paraguaio José María Argaña, ocorrido em março de 1999.

A Lei dos Estrangeiros estabelece que, durante processo de pedido de extradição, o paciente deve ficar sob custódia. Oviedo, entretanto, encontra-se preso há mais de 1 ano, enquanto a legislação penal estabelece que a prisão cautelar deve ser de, no máximo, 81 dias.

O presidente do STF converteu a prisão cautelar em prisão domiciliar com base no excesso de prazo.

No mês de junho, o STF suspendeu o julgamento do processo (pedido nº 794), requerido pelo governo do Paraguai, até que o Ministério da Justiça decida se dará ao ex-chefe militar a condição de refugiado político solicitada por seus advogados. O pedido de concessão de prisão domiciliar ou liberdade vigiada havia sido negado pelo relator da matéria, ministro Maurício Corrêa.

Na liminar concedida, o ministro Marco Aurélio determinou que Oviedo “deverá permanecer no endereço indicado, não empreendendo qualquer viagem sem autorização” do STF. “Para tanto”, prossegue, “a Polícia Federal há de adotar as providências cabíveis”.

O governo brasileiro, contudo, para manter seu relacionamento com o Paraguai hesita em decidir a questão. Em 1999, o governo argentino, que concedera asilo ao general, ao rejeitar o pedido de extradição feito pela Justiça paraguaia, abriu uma crise diplomática entre os dois países. Na ocasião, confinado na Patagônia, Oviedo manifestara a intenção de deixar a Argentina. Logo em seguida, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista coletiva convocada por ele, afirmou que caso pedisse asilo político ao Brasil, o general não seria atendido.

Oviedo, de 56 anos, foi detido pela polícia federal em 11 de junho do ano passado em Foz do Iguaçu. Foi levado para Brasília, onde ficou preso em uma cela da Superintendência da Polícia Federal e depois transferido para um quartel da Polícia Militar.

O ex-presidente do Paraguai, Raul Cubas, chegou a anistiar o general, mas a Corte Suprema do país declarou inconstitucional o decreto que comutava a pena de 10 anos para 3 meses. O ato presidencial foi revogado.

O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), César Gaviria, no ano passado, em encontro com o presidente paraguaio, Luis González Macchi, classificou o ex-general golpista Lino Oviedo de “fonte de perturbação da democracia” no Paraguai.

Veja, na íntegra, a decisão.

Supremo Tribunal Federal

Gabinete do Presidente

Habeas Corpus nº 81.127-2 Distrito Federal

Relator: Ministro Presidente

Paciente: Lino César Oviedo Silva

Impetrantes: José Fonseca e Outros

Coator: Relator da Ext nº 794

Decisão – Liminar

Prisão Preventiva – Extensão Temporal – Extradição – Suspensão do Processo – Princípio da Razoabilidade.

1. Os advogados José Carlos Fonseca, Paulo Affonso Martins de Oliveira e Walter Costa Porto impetram este habeas corpus da Extradição nº 794-7. Revelam que o paciente encontra-se sob a custódia do Estado, há mais de ano, no 3º Batalhão de Polícia Militar do Distrito Federal. Eis os fatos narrados.

a – em setembro de 1997, o paciente, general do Exército do Paraguai, já na inatividade, foi indicado, após eleição interna do Partido Colorado, candidato à Presidência daquele país;

b – as eleições anteriores estariam como que a prenunciar o êxito da candidatura, porquanto há cinqüenta anos o Partido Colorado as vence;

c – seguiram-se perseguições ensejadas por outras correntes do Partido que contavam com o apoio da Presidência da República;

d – Tribunal Militar Extraordinário condenou o paciente a dez anos de prisão, em virtude de “supostos delitos contra a ordem e a segurança das Forças Armadas” que teriam ocorrido, em diferentes unidades militares, em abril de 1966;

e – a Constituição paraguaia, no artigo174, consigna competir aos tribunais militares processar e julgar processos envolvendo delitos e faltas de natureza militar “cometidos por militares em serviço ativo”;

f – recurso julgado pela Suprema Corte paraguaia foi desprovido, fulminando-se a candidatura do paciente;

g – o Partido Colorado lançou outra chapa, com os nomes de Raul Cubas e Luiz Argana, alfim vitoriosa na eleição, quando alcançada a maioria absoluta;

h – em campanha eleitoral, o candidato à Presidência Raul Cubas prometeu indultar o paciente;

i – forças políticas ligadas ao Presidente então em exercício lograram aprovar, no Congresso, a denominação “Lei Anti-Oviedo”, impondo, para a obtenção do benefício do indulto, o cumprimento de pelo menos metade da pena. Ainda de acordo com o mencionado diploma, as restrições políticas permaneceriam até o término do período originalmente estabelecido na condenação;

j – o Presidente eleito, Raul Cubas, honrando a promessa de campanha, comutou a pena do paciente, ato que veio a ser atacado via ação de inconstitucionalidade, havendo a Corte Suprema paraguaia acolhido o pedido;

l – o Presidente eleito comunicou àquele Tribunal que não acataria a pecha de inconstitucionalidade ao decreto de comutação da pena, surgindo, assim, grave crise institucional e iniciando-se o processo de impeachment;

m – o Vice-Presidente Luiz Argana foi assassinado “por bandidos”, numa avenida de Assunção, em 23 de março de 1999;

n – o paciente, visando ao restabelecimento da paz social, apresentou-se, na manhã de 24 de março, no Palácio do Governo, solicitando ao Presidente a própria reclusão na Guarda Presidencial, no que foi atendido;

o – em 26 de março de 1999, na Praça do Congresso, adeptos do governo enfrentaram os que respondiam pelo “arganismo”, bem como os oposicionistas, estudantes e camponeses. Estes últimos liderados por sacerdote católico e reclamando o perdão das respectivas dívidas, entraram em luta corporal que desaguou na morte de vários jovens e no ferimento de centenas de pessoas;

p – o falecimento do vice Presidente e dos jovens foram atribuídos ao paciente, formalizando-se, a partir daí, o pedido de extradição;

Sustenta os impetrantes o caráter político da extradição, afirmando ainda que o Governo do Paraguai ofereceu recompensa de cem mil dólares pela captura do paciente, “vivo ou morto”. Relatam que partidários das idéias do paciente foram presos e torturados, procedendo-se a detenções arbitrárias de descendentes e a invasões de casas, sem ordem judicial, com o emprego de armas por militares que, encapuzados, dispararam-nas. O Ministro da Defesa teria ameaçado levar o paciente, no caso de este ser preso, em gaiola, por todo o país. Ressaltam que, no ultimo º`de junho, o paciente requereu ao Ministério da Justiça fosse-lhe reconhecida a condição de refugiado, nos termos da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Mediante ao Aviso nº 0572, de 18 de junho deste ano, o Ministro de Estado da Justiça, Dr. José Gregori, comunicou a formalização do pedido ao Relator da extradição, Ministro Maurício Corrêa, ao qual restou pleiteada a concessão de liberdade vigiada ou prisão domiciliar para o paciente, esclarecendo-se, entre outras coisas, o tempo da custódia, a existência de mandado de prisão originário da Interpol, passível de ser executado nos demais países, e o fato de a própria Lei nº 9.474/97 dispor sobre a impossibilidade de entrega do extraditando, ainda que recusada a solicitação de refúgio, enquanto permanecem.

circunstâncias que lhe coloquem em risco a integridade física. O pleito foi indeferido pelo Relator, que disse da alta de amparo legal quanto à liberdade, suspendendo, no entanto, a tramitação do processo relativo ao pedido de extradição. Requerem os impetrantes a transferência do paciente, em prisão domiciliar, para a Casa 3 do Conjunto 2 da QI

16.do Lago Sul – SHIS, nessa cidade, juntando documento no qual o proprietário do imóvel declara aceitar a permanência do paciente naquele local. O pedido final refere-se à confirmação da liminar. Aos autos anexaram-se as peças de folha 9 a 45.

2. Observem-se as peculiaridades que envolvem o pedido de extradição. A defesa, empolgando certas circunstâncias que melhor serão analisadas no julgamento final da extradição, caso negado o pedido de refúgio, articula com o caráter político, o móvel político da solicitação feita pelo Governo do Paraguai. Mais do que isso, e ainda a ser deliberado pelo Plenário, tem-se a passagem do tempo, no que projetada, além da razoabilidade, a prisão preventiva visando à extradição. Ninguém desconhece que a lei de regência da extradição prevê a permanência, do extraditando sob a custódia do Estado enquanto em tramitação o processo, Descabe, entrementes, potencializar a interpretação literal, a interpretação gramatical, a interpretação verbal e, com isso, chegar à indeterminação do prazo concernente à custódia. O dispositivo da lei nº 6.815/80 assenta-se em quadro de normalidade, na razão natural das coisas, cuja força é inafastável. O preceito sobre a manutenção da custódia, enquanto em andamento e não decidido o pedido de extradição, alicerça-se na premissa de que este último é merecedor de julgamento em tempo hábil, uma vez transcorridos alguns meses da formalização do pedido. Assim não se entender, ter-se-á, em verdadeiro processo acessório da persecução criminal, algo que não é agasalhado quando em curso está. Conforme se depreende da legislação processual penal, em gela, há de decidir-se a ação ajuizada no prazo máximo de oitenta e um dias, cabendo ao Estado aparelhar-se com a finalidade de cumprir, exemplarmente, a norma de regência. Pois bem, o prazo alusivo ao desfecho da própria ação penal fez-se, na espécie, multiplicado. A prisão do paciente foi determinada em 26 de maio de 2000, dando-se às dezessete horas de 11 de junho imediato. No dia seguinte, recolheu-se o extraditando ao Núcleo Federal de Brasília, vindo a ser transferido para as dependências da Polícia Militar do Distrito Federal. O pedido de extradição foi distribuído em 30 de junho de 2000, e, tendo em conta, é certo, a sobrecarga de processos suportada pelos integrantes do Supremo Tribunal Federal, não houve ainda o julgamento. Acresce que o paciente, diante da votação te aqui ocorrida em processo de extradição a versar também sobre pedido de refúgio – pronunciando-se o Relator e outros Ministros pela inaplicabilidade do dispositivo da lei reguladora do instituto, se já julgada a extradição – requereu ao Ministério da Justiça o reconhecimento do status de refugiado. Por força de lei, deu se a pronunciamento do Executivo quanto àquele pleito, não havendo previsão de quando isso acontecerá haja vista, até mesmo, o aspecto político que se alega, na espécie.

O decurso de dilatado espaço de tempo a partir da prisão do paciente a esta altura, mais de um não – e a paralisação, em virtude de lei, do processo de extradição, que já devia ter sido decidido, conduzem ao acolhimento do pedido ora formulado, considerada, ainda, a particularidade e o extraditando, sob o ângulo penal, não ter vida pregressa condenável. Ao contrário, trata-se do oficial do Exército da mais eleva patente, havendo sido credenciado, por partido de projeção maior, à Presidência da República do Paraguai. Note-se, também, o fato de, no Brasil, sob os mais diversos aspectos, o quadro mostrar-se favorável à permanência do extraditando no território nacional, em face da existência de ordem de prisão que se irradia, porque a envolver a Interpol. Vale ter presente, portanto, que tudo indica a permanência do extraditando em território brasileiro, a aguardar o reconhecimento da condição de refugiado, tal como previsto na lei nº 9.474/97, ou, negado o pedido, o julgamento final da extradição por este Tribunal.

3. Defiro o pleito de concessão de liminar, viabilizando assim, a prisão domiciliar. O paciente deverá permanecer no endereço indicado, não empreendendo qualquer viagem sem autorização desta Corte. Para tanto, a Polícia Federal há de adotar as providências cabíveis.

4. Atende o extraditando para o alcance, em si, deste ato processual e a necessidade e, confiando ano Estado Democrático em vigor no Brasil, colaborar, quando menos na defesa dos próprios interesses, com o Judiciário e as demais instituições nacionais, honrando, mesmo, a patente militar alcançada e, com isso, cumprindo, sem qualquer tergiversação ou outros abrandamentos, a prisão domiciliar tal como estipulada.

5. Expeça-se o alvará de soltura, endereçado ao 3º Batalhão de Polícia Militar e à Polícia Federal, a ser cumprido nos estritos termos desta decisão e com as cautelas legais, ou seja, caso o extraditando não esteja recolhido por motivo diverso do retratado na Extradição nº 794-7.

6. Dê-se conhecimento desta decisão ao Ministro de Estado da Justiça, para que cientifique o Governo Requerente.

7. Com a abertura do segundo semestre judiciário de 2001, procede-se à distribuição deste habeas.

8. Publique-se.

Brasília, 4 de julho de 2001.

Ministro Marco Aurélio

Presidente

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