Agressão milionária

Lutador que briga na rua pode pagar indenização milionária

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2 de julho de 2001, 17h49

Lutadores de jiu-jitsu que brigam na rua podem ser condenados à prisão e pagar indenizações milionárias. Em junho, o Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do Superior Tribunal de Justiça que condenou o empresário e lutador de jiu-jitsu, Bruno Meyer Gonçalves de Sá, a indenizar o empresário Luiz Felipe Rego de Andrade Maciel. O valor confirmado foi de R$ 1,2 milhão, o maior já fixado para causas do gênero.

Bruno espancou Luiz Felipe em frente a uma boate do Rio de Janeiro, deixando-o com fraturas na face. A surra teria sido motivada pelo namoro da irmã com o empresário Luiz Felipe. Além da indenização, ele foi condenado a quatro anos e meio de prisão. Mas está foragido em Miami, onde mora com a família.

O juízo de primeiro grau fixou a indenização em mil salários mínimos (R$ 180 mil). Mas o Tribunal de Justiça do Rio entendeu que o valor deveria ser de três mil salários mínimos (R$ 540 mil). “A brutalidade com que agiu o agressor e o sofrimento experimentado pelo autor, bem como a gravidade das lesões e as seqüelas morais e psicológicas estão indubitavelmente comprovadas”, afirmou o desembargador Adilson Vieira Macabu. O caso foi parar no STJ. A indenização foi novamente aumentada e confirmada, posteriormente, pelo STF.

Veja a decisão do TJ-RJ que aumenta o valor arbitrado em primeira instância

Tribunal de Justiça

Oitava Câmara Cível

Apelação Cível nº 9825/98

Apelante 1: Bruno Meyer Gonçalves de Sá

Apelante 2: Luiz Felipe Rego de Andrade Maciel

Apelados: Os mesmos

Relator: Desembargador Adilson Vieira Macabu

Apelação Cível. Ação de indenização. Dano Moral. Constituição Federal de 1988, art. 5º, inciso X. Prova induvidosa. Lucros cessantes. Fixação da indenização em valor adequado. Caráter compensatório e punitivo da indenização. Provimento Parcial.

Responsabilidade do réu decorrente de crime de ampla repercussão, praticado com brutalidade total repúdio por parte da consciência social e da Justiça. A vítima experimentou grande sofrimento, constrangimento e humilhação, advindo-lhes seqüelas físicas, morais e profundo abalo psicológico. Verbas indenizatórias que devem ser corrigidas monetariamente desde a data do ilícito danoso. Incidência de juros moratórios e compostos a contar da data do evento lesivo. A indenização deve ser majorada de modo a servir como fator de inibição a novas práticas ilegais e de freio a impunidade.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 9825/98, em que é 1º apelante Bruno Meyer Gonçalves de Sá e 2º apelante Luiz Felipe Rego de Andrade Maciel. sendo apelados os mesmos.

Acordam os Desembargadores da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, preliminarmente, não conhecer do Agravo Retido, por não ter sido pedida sua apreciação por este Tribunal, rejeitar a preliminar de argüição de nulidade do julgamento por decisão extra-petita e no mérito, negar provimento ao primeiro apelo, dando-se parcial provimento ao segundo apelo.

Adota-se, inicialmente, o relatório de fls. 534/536 da r. sentença e o de fls. 636/637. Acrescenta-se, ainda, que o 2º apelante pretende que todas as verbas indenizatórias fixadas pela sentença sejam devidamente corrigidas monetariamente desde a data do evento danoso, acrescidas, também, de juros de mora de 0,5% ao mês e juros compostos de 1% ao mês, desde a data do ilícito do qual foi vítima.

É o relatório.

Passa-se a decidir.

Preliminarmente, não se conhece do agravo retido interposto pelo 2º apelante, fls. 301/307, embora tempestivo, eis que não foram reiterado, expressamente, nas razões de apelação, a teor do art. 523, parágrafo 1º, do CPC. Assim, tem-se por renunciado o referido agravo retido. Visto que o recorrente interessado não se pronunciou requerendo o seu exame por este Tribunal.

In casu, trata-se de ação ordinária de indenização por perdas e danos materiais e morais e lucros cessantes proposta pelo autor, ora 2º apelante, que alega ter sido vítima de uma brutal agressão perpetrada pelo 1º apelante, no dia 25 de dezembro de 1995 quando, aceitando o convite feito pelo empresário Ricardo Amaral Júnior, compareceu e uma festa na boate Huppopotamus, onde celebraria a passagem da noite de Natal.

A causa dos desatinos relatados no processo teria sido o ciúme doentio do 1º apelante em relação ao namoro do 2º apelante com a sua irmã, cujo relacionamento amoroso havia terminado uma semana antes dos fatos, que deixaram seqüelas gravíssimas nos corpo e psique da vítima. Os autos revelam a dinâmica dos fatos. O 1º apelante, usando de sua privilegiada condição física e sendo lutador de Jiu-Jitsu, após agredir Cláudio Versiani com uma potente cabeçada em sua boca, desferiu-lhe um certeiro soco em seu rosto, que atingiu seu nariz provocando lesão interna no lábio, perda parcial de quatro dentes, fraturo no nariz, convulsão temporária, um dia no hospital e quinze dias sem sair de casa, somente porque resolveu dar ao réu boas informações a respeito do 2º apelante.


Trinta minutos após a primeira agressão, imbuído de uma índole sanguinária e de instinto perverso, foi ao encalço do 2º apelante no estacionamento, e, quando o mesmo estava de costas indo em direção ao caro, atingiu-o de surpresa, desprevenido e sem qualquer chance de defesa, dando-lhe um violento soco no rosto, que o fez tombar ao solo desacordado e inconsciente. Enfurecido, o 1º apelante prosseguiu na sua fúria agressiva, tantos foram os chutes, socos e cotoveladas desferidos contra e vítima, que quase causaram sua morte.

Eis, em síntese, os fatos que vitimaram o 2º apelante, produzindo-lhe lesões corporais graves retratadas no exame de corpo de delito a que foi submetido, em 04 de janeiro de 1996, que resultaram em traumatismo de face e abdominal com perfuração duodenal, fratura da mandíbula, com colocação de placas e parafusos, deixando-lhe seqüelas graves, consoante descrição e fotos constantes dos autos, fls. 6/26, que revelam as atrocidades praticadas, fls. 34, 104, 108, 159 e 160, e que, com apenas vinte e seis anos de idade, residia sozinho em apartamento localizado na Av. Delfim Moreira, desfilando de Audi e que agiu com ferocidade desmedida agredindo pessoas, sendo certo que o 2º apelante teria morrido se não fosse a chegada providencial ao local do Professor Silvio Bhering, que colocou o agressor para correr, fls. 33.

Destarte, deve ser rechaçado o inconformismo do 1º apelante em relação aos lucros cessantes e ao direito a receber o pro-labore, questões que foram objeto de análise segura e com fundamentação apropriada pelo subscritor da r. decisão atacada (fls. 538, letras “e” e “d”), cujos fundamentos passam a integrar o voto, na forma regimental.

No que tange ao 2º apelante, sua irresignação em relação à sentença recorrida, procede, em parte.

Como se vê, na realidade, as despesas médico-hospitalares e de tratamento não reembolsadas pelo seguro e que não foram objeto de impugnação pelo réu, estão discriminadas e devidamente comprovadas às fls. 164/176, portanto, em condições de permitir ao autor o seu ressarcimento, reformando-se, em conseqüência, a sentença de fls. 538, letra “b”, a fim de que o réu pague a importância de R$ 8.630,80, na forma do pedido formulado pelo autor.

Por sua vez, a incidência de correção monetária e o cálculo de juros moratórios e compostos, devem ser considerados a partir da data do evento lesivo em relação a todas as verbas indenizatórias postuladas, porquanto a matéria versada nos autos está relacionada a ação de indenização decorrente de ato ilícito, ou seja, lesão corporal de natureza grave, os termos das Súmulas 43, 54 e 186 do STJ. Nesse ponto, a r. sentença recorrida também esta a merecer reparo.

Ao que se vê, a responsabilidade do réu pelos danos sofridos pela vítima é induvidosa. A brutalidade com que agiu o agressor e o sofrimento experimentado pelo autor, bem como a gravidade das lesões e as seqüelas morais e psicológicas estão indubitavelmente comprovadas.

Além das lesões sofridas, a vítima foi submetida, durante a convalescença hospitalar, a duas drenagens diárias com a finalidade de conter a infecção abdominal que se alastrava rapidamente em decorrência da perfuração abdominal que sofreu.

Registre-se que o laudo médico descreve, às fls. 446, que o autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas: “a primeira de laparotomia exploradora, no dia 26/12/95 (fls. 70), a segunda e a terceira, de redução + fixação de fraturas complexas de mandíbula à esquerda + malar à esquerda e drenagem de abscesso na goteira paristo-cólica direita, no dia 03/01/96” (fls.71 e 72).

Os autos retratam que a brutalidade da ação desenvolvida pelo réu foi assombrosa, com ferocidade desmedida, pois a própria testemunha por ele arrolada. Ana Paulo Rocha, em seu depoimento de fls. 227/229, assevera, verbis:

“Depois da vítima Luiz Felipe ter caído no chão, o acusado Bruno Sá continuou a bater em Luiz Felipe’que mesmo com Luiz Felipe desacordado o acusado Bruno Sá continuava batendo; que chegou a ver uma pisada dada por Bruno em Luiz Felipe que estava desacordado”.

Saliente-se, entretanto, que o pleito não pode ser acolhido da forma como foi decidido, pois o dano moral não se cumula com dano estético, eis que ambos possuem a mesma causa e o estético é apenas um aspecto do dano moral. O Prof. Caio Mário da Silva Pereira considera ser o dano estético uma categoria do dano moral ( In “Responsabilidade Civil”, 2ª edição, nº 254)

Com efeito, o valor da indenização arbitrado no decisum dever ser considerado a título de danos morais, e o quantum fixado, de 1000 salários mínimos, há de ser majorado para 3000 salários mínimos, visto que o patamar estabelecido não se encontra em consonância com a melhor doutrina e a jurisprudência predominantes em circunstâncias como a dos autos.


Verifica-se, pois, que a r. sentença, não obstante ter atentado para todos os aspectos que determinaram a inequívoca responsabilidade do réu pelos danos morais sofridos pelo autor, fixou a indenização em quantitativo que merece ser ajustado, elevando-o, mormente em razão da gravidade do fato, da dor e das seqüelas sofridas pela vítima e da capacidade econômica do réu.

Na verdade, a indenização por danos morais tem como um dos seus pressupostos compensar a vítima pelo sofrimento, constrangimento, vexame e humilhação causados em razão do ato ilícito praticado pelo causador do dano. Está sobejamente provado nos autos que o réu já agrediu várias outras pessoas, que a dor experimentada pela vítima foi intensa em decorrência da gravidade das lesões sofridas, que o laudo médico acostado às fls. 446 demonstrou ter o autor corrido sério risco de vida, que o réu é um a pessoa riquíssima, desfrutando de invejável condição financeira e que tem contra si um mandado de prisão expedido pela 4ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça (fls. 489), estando foragido em Miami para escapar à ação da Justiça (fls. 517).

Nessa matéria, a jurisprudência vem atribuindo, de forma reiterada e sem prejuízo da finalidade compensatória, caráter punitivo à indenização, posto que, em casos como o desde processo, a indenização há de servir como fator de inibição a novas práticas lesivas e de freio à impunidade.

Portanto, despreza-se o caráter punitivo da reparação do dano moral acarreta o risco de se arbitrar valor inexpressivo sem correspondência ao mal praticado e à reparação necessária, além de estimular a prática de atos ilícitos, tendo em vista a capacidade econômica do ofensor e seu desprezo pelas leis e pela Justiça, dando à condenação um sabor de impunidade, o que é inadmissível.

Em situações como a do caso em reexame, o dano moral deve atender aos aspectos de repressão em relação ao autor do dano, de modo a dissuadi-lo de praticar novo atentado, e de compensação em relação a vítima do ato contra si perpetrado, que teve ferido seu intimo pelos sofrimentos tristeza e vexames sofridos, sua atividade profissional prejudicada e seu convívio em sociedade maculado.

Este processo demonstra a verdadeira natureza do dano moral, que deve servir para amenizar a situação da vítima que por pouco não morreu e que quase teve seu futuro interrompido pela fúria insana do agressor, que pode pagar o valor ora arbitrado, sem pestanejar, em razão de sua capacidade econômica.

Não basta a condenação penal ou civil, mas é indispensável que o causador do dano sinta a conseqüência altamente danosa de seus atos, que deve encontrar na ordem jurídica o arbitramento adequado. Por isso é que, com o passar do tempo, a preocupação crescente com a angústia, as dores, o sofrimento, a humilhação, justamente com a preocupação de transmitir à sociedade o sentimento de certeza da repressão à prática de atrocidades e atos ilícitos com os noticiados nestes autos, contribuíram para que as indenizações fossem fixadas em patamares mais elevados, com dupla finalidade: compensatória – para satisfazer e amenizar a dor das vítimas -, e punitiva ou repressiva – para inibir os causadores do dano, levando-se em conta, neste particular, as condições econômicas do autor da ofensa.

Assim sendo, em razão dos intensos sofrimentos morais e físicos já suportados pela vítima, seria razoável arbitrar uma compensação maior do que a fixada no julgamento monocrático. Eis porque entendi dever ser majorada a referida verba para 3.000 salários mínimos da época do efetivo pagamento, considerando, para tanto, a gravidade do comportamento do réu causador dos danos, sua respectiva capacidade econômica e, ainda, o caráter compensatório e punitivo que deve ter a condenação, pois me filio à corrente que vê na indenização por dano moral não exclusivamente a função compensatória que ela apresenta, mas por considerar revestir-se ela do caráter punitivo, de molde a que o valor fixado deve sempre servir de desestimulo, com a finalidade de evitar a reedição de fatos como o retratado neste feito e como fator de inibição a novas investidas e práticas lasivas.

Pelo exposto, preliminarmente, não se conhece do Agravo Retido por não ter sido pedida a sua apreciação por este “Tribunal, rejeitando-se a preliminar de nulidade do julgamento por ter sido a decisão extra-petita, e, no mérito, nega-se provimento ao primeiro apelo e dá-se provimento, em parte, ao segundo recurso, mantendo-se, no mais, a r. sentença recorrida, que julgou procedente o pedido inicial.

Rio de Janeiro,

Des. Luiz Odilon Bandeira

Presidente

Des. Adilson Vieira Macabu

Relator

Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2001.

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