Direitos autorais

Direito autoral: Ecad não tem monopólio de cobrança no Brasil.

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27 de janeiro de 2001, 13h21

Acompanhando o voto do Desembargador Walter D´Agostino, a 14ª Câmara Cível, em decisão unânime, considerou que o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), não é o único representante legítimo dos artistas brasileiros e, portanto, não pode cobrar direitos autorais em regime de monopólio.

Para os magistrados, só a comprovação da filiação do artista à associação arrecadadora garante a pretensão à cobrança.

Leia a íntegra da decisão

DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 10.028/2000

RELATOR: DES. WALTER FELIPPE D’AGOSTINO

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – COBRANÇA – DIREITO AUTORAL – ILEGITIMIDADE ATIVA – ECAD – Ante a regra do art. 5º, inciso XX da Carta Constitucional, em não se tendo filiado expressamente [inciso XXI] a artista ao ECAD, não é este parte legítima ativa para representar em Juízo os detentores dos direitos autorais.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 10.028/2000, em que é Agravante PICA PAU ALIMENTOS E DIVERSÕES LTDA e Agravado ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD.

ACORDAM, por de votos, os Desembargadores que compõem a Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em dar provimento ao recurso.

Trata-se de Agravo de Instrumento nos autos da Ação de Cobrança de Direitos Autorais, na qual rejeitou-se a preliminar de ilegitimidade do ECAD.

Inconformada a agravante recorre, alegando que o ECAD não tem legitimidade para pretender o monopólio da representação autoral nos moldes da Lei 9610/98; aceitando a legalidade desse princípio, verifica-se que o ECAD não comprova a titularidade alegada, e tampouco ser o escritório apontado no art. 99 [fls. 03] da Lei sobre Direitos Autorais, já que, além de ser inconstitucional tal determinação, a procuração anexada pelo agravado por si só demonstra não ser o escritório mencionado na Lei, eis que não contempla as assinaturas de todas as entidades representativas dos proprietários dos direitos autorais.

Aponta dois argumentos que determinam a ilegitimidade ad causam do ECAD, ou sejam: não trouxe o ato de filiação dos autores que alega representar, imposição da Lei 9610/98, art. 98, e a procuração anexada não é válida, pois, além de só conter assinatura de seis associações, é procuração genérica, ilegal, que não especifica o objeto, a ação a ser proposta, e o Réu [§ 1 do art. 1289 do CC].

Sustenta, que o agravado juntou ficha de cadastro constatando ser o artista Roberto Carlos filiado à SADEMBRA, entidade que não é representada pelo ECAD, o artista citado é representado pela CNDE filiada à SADEMBRA, ressaltando que a CNDE está contestando judicialmente a legitimidade do ECAD em arrecadar direitos autorais de seus associados.

Diz, ser o ato de filiação dos titulares de direitos autorais às associações absolutamente imprescindível para que o escritório substitua processualmente aqueles na defesa de seus interesses junto ao Judiciário, ou extrajudicialmente, e que o art. 98 da Lei sobre Direitos Autorais [fls. 06] estabelece como condição sine qua non para a legitimidade, a comprovação do ato de filiação do proprietário do direito autoral à associação arrecadadora, assim sendo, a pretensão de cobrar direitos autorais, além da necessidade da comprovação do ato de filiação, só pode ser realizada com expressa autorização do autor musical, que, frise-se, é o proprietário exclusivo de seu direito.

Requer a reforma da decisão declarando a ilegitimidade ativa do ECAD para representar em Juízo os detentores dos direitos autorais sem a efetiva comprovação da filiação destes a entidade, julgando extinto o feito.

O recurso, tempestivo, não foi contrariado.

Solicitadas vieram as informações [fls. 37].

Este o relatório

Reitere-se que o agravado não se dignou a responder [art. 527, III do CPC].

Estabelece imperativamente o inciso XX do art. 5º da Carta Constitucional que:

“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou permanecer associado”

e o inciso XXI desse mesmo artigo, de forma não menos imperativa, acrescenta que:

“as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”

Ora, se assim é, não se pode admitir que, sem a anuência expressa do interessado, artista, ou produtor intelectual de obras, em ver fiscalizada a sua produção, qualquer entidade se arvore de ser seu representante.

É justamente para dar cumprimento a essa regra da Lei Fundamental, que a Lei n. 9610 de 19 de fevereiro de 1998, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, em seu art. 1º determinou que:

“Esta lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos do autor e os que lhe são conexos”.

Em seu art. 98, no título VI, quando trata “Das Associações de Titulares de Direitos de Autor” e dos que lhe são conexos diz a Lei:

“Com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança”.

Se assim é, e sabendo-se que a “mens” constitucional procura impedir os monopólios, não se pode admitir, com o respeito que merecem as decisões em sentido contrário, que sem prova de filiação possa o agravado representar a agravante.

Porque oportuno, veja-se o que consta do escólio trazido à colação:

“A autorização para que as entidades associativas tenham legitimidade para representar seus filiados judicialmente tem que ser expressa [CF, art. 5º, XXI], sendo necessário a juntada de instrumento de mandato ou de ata da assembléia geral com poderes específicos, não bastando previsão genérica constante em seu estatuto. Com esse entendimento, a Turma confirmou acórdão do TRF da 1ª Região que, ante inexistência de autorização específica, decretou a ilegitimidade ativa ad causam da Associação Nacional dos Funcionários do Departamento de Polícia Federal – ANSEF para pleitear, mediante ação ordinária, o reajuste de 28,86% para seus filiados.

Afastou-se a aplicação do art. 5º, LXX, b, da CF, porquanto se trata, na espécie, de ação ordinária, e não de mandado de segurança coletivo [LXX – o mandado de segurança coletivo por ser impetrado por:…] b] organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;]. Procedente citado: RE [Ag.Rg.] 225.965-DF [DJU de 5.3.99]. RE 233.297-DF, rel. Min. Octávio Gallotti, 20.4.99]”.

A liberdade de associação foi, portanto, assegurada pela Carta de 1988 alterando significativamente a disciplina da matéria concernente ao Sistema de Direito Autoral, regulado pela Lei n. 5988/73, garantindo, face aos incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI, a plena liberdade de associação.

Ora, se a palavra é associação, impossível se admitir a compulsoriedade como consta dos arestos trazidos.

Como corolário destas razões traz-se à colação a opinião do Eminente Ministro Waldemar Zveiter, publicada em Cadernos de Estudos “In Verbis nº 03 – outubro/novembro de 1996 sob o Tema O Direito do Autor e a Liberdade de Associação” no qual culmina sua opinião com a seguinte e lapidar opinião:

“Registre-se que, promulgada a Carta Política de 1988, o Executivo editou o Decreto nº 99.180, em 15 de março de 1990, que ao dispor sobre a organização e o funcionamento de órgãos da presidência da República e dos Ministérios e no âmbito da Secretaria de cultura, em seu art. 27 criou o conselho Nacional de Política Cultural ao qual deferiu a competência, dentre outras, [inciso II] para atuar como instância de conciliação para dirimir questões pertinentes aos direitos do autor, atribuindo, no art. 28, ao Departamento de Proteção Cultura, [I] controlar e fiscalizar o cumprimento da legislação relativa aos direitos do autor e [II] proceder à distribuição e ao pagamento dos direitos autorais e conexos, bem como informar aos destinatários os critérios adotados para a respectiva apuração; modificando assim o que dispunha o Decreto 84.252 de 28/11/1979, que regulamentou a pré-falada Lei 5.988/73 no que diz com a subordinação e fiscalização do ECAD pelo extinto C.N.D.A.

De tais preceitos, ainda que se possam compreender editados, em face do que dispôs a Constituição de 1988 quanto aos direitos exclusivos do autor [art. 5º, inciso XXVII], a sua obra, bem como a proteção, o direito de fiscalização e aproveitamento econômico, consoante os ditames que a lei vier a estabelecer, o Executivo não a implementou.

Contudo, ainda que implementados, jamais poderiam levar à conclusão de se admitir vinculação forçada das entidades associativas que do ECAD não desejem participar; em face da ampla liberdade que a Constituição Federal lhes garantiu para atuação representativa de seus integrantes.

O princípio que adveio com a promulgação da nova Carta é o da mais absoluta liberdade associativa, vinculando-se ao ECAD aquelas entidades que assim optarem.

Portanto, afigura-se incompossível manter-se o ECAD com atividade monopolista que o constituinte extinguiu, revogando o sistema anterior, liberando os interessados, para, livremente, escolherem a melhor forma de se organizarem, restabelecendo a livre concorrência”.

À conta dessas razões, dá-se provimento ao recurso para, reformando-se a decisão agravada, julgar-se parte ilegítima ad causam o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição-ECAD para o pleito ao qual se refere o presente, em razão de que julga-se extinto o processo nos moldes do que estabelece o art. 267, VI do CPC, condenado o autor nas custas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% do valor da causa.

RELATOR

DES. WALTER FELIPPE D’AGOSTINO

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