Batalha internacional

Os novos desafios do setor privado no comércio

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28 de fevereiro de 2001, 0h00

A disputa entre Brasil e Canadá, no caso Embraer-Bombardier, tem merecido grande destaque na imprensa, e tem sido objeto de acaloradas análises críticas. A maioria delas, porém, concentra-se apenas na avaliação do resultado da controvérsia, passando ao largo de reflexões fundamentais que o tema suscita, por ser, sem dúvida, o paradigma de um novo tipo de conflito internacional, resultante da competição por mercados e por ganhos de exportação, em especial de produtos de alto valor agregado.

O ponto central dos debates tem sido, equivocadamente, apenas a diplomacia econômica brasileira, e se esta estaria devidamente preparada para as batalhas a serem travadas no comércio exterior, deixando de lado o papel igualmente relevante a ser desempenhado pelo setor privado nacional.

O Itamaraty conhece sua tarefa nesta guerra – intermediar os interesses privados nacionais e o mundo globalizado, representando o país nos foros comerciais internacionais e regionais, como OMC (Organização Mundial do Comércio) e Mercosul – e sua tradição é de excelência. Mas e o setor privado brasileiro? Estará suficientemente consciente do papel ativo que lhe cabe desempenhar para enfrentar os desafios que o aguardam? Este sim nos parece o tema chave que deveria permear os debates.

Os dados recentes da OMC deveriam servir de alerta. As disputas no âmbito desta organização tem tido progressão geométrica, alcançando, em apenas cinco anos – até janeiro de 2000 – um total de 189 casos (49 notificações apenas entre julho de 1999 e janeiro de 2000), contra os 300 conflitos examinados durante os 47 anos de existência do seu predecessor GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio).

O número de países que usam procedimentos antidumping quase quintuplicou no período entre 1987 e 1999 – foram abertas 178 investigações só entre janeiro e junho de 1999. Destas, 28 foram abertas pelos EUA, 32 pela União Européia, e 11 pela Argentina.

Chama atenção o fato de que o Brasil abriu somente uma, e foi alvo de oito, contra sete que atingiram os EUA e somente duas que afetaram a Argentina. Se não bastasse, os direitos compensatórios antisubsídios também tiveram aplicação expressiva. A União Européia iniciou vinte processos e os EUA, dez, encerrando 1999 com 61 medidas em vigor.

Paralelamente, multiplicam-se normas técnicas, fitossanitárias e "sociais", aplicadas com o fim de restringir o acesso de nossos produtos a outros mercados.

Todas essas ações, embora efetivadas pelos governos estrangeiros, são impulsionadas por interesses privados, movidos pelos expressivos valores em jogo. As cifras dos casos levados à OMC dispensam comentários.

Quanto às barreiras nacionais, chegam a U$25 bilhões, apenas no fluxo comercial Brasil-EUA (estimativa de Gary Hufbauer do Institute for International Economics de Washington,). Devido às medidas protecionistas americanas, os empresários brasileiros perdem U$6 bilhões anuais em oportunidades de negócios só nos setores de açúcar, aço e suco de laranja.

Sobram exemplos semelhantes também no Mercosul, como a queda na receita da exportação brasileira de cabos de alumínio para a Argentina, de U$2 milhões, em 1995, para apenas U$13 mil, em 1997 (enquanto o mercado crescia de U$35 milhões em 1997 para U$75 milhões, em 1998), graças à imposição de direitos antidumping. Mais recentemente, a imposição argentina de direitos antidumping contra os frangos brasileiros tem causado prejuízos que, em apenas um mês (julho), já montavam a 1,3 milhão de dólares.

Estes números demonstram aos empresários brasileiros que, para conquistar e manter mercados no comércio internacional globalizado – cada vez mais competitivo, não basta competência técnica. É necessário também abandonar a postura passiva dos velhos tempos da economia fechada e organizar-se, investindo maior volume de recursos próprios para defender seus interesses particulares nas batalhas jurídico-comerciais, como têm feito seus concorrentes americanos, europeus e até argentinos.

É preciso ter consciência de que cabe à empresa privada, não ao governo, a tarefa de fiscalizar os competidores e denunciar os prejuízos que esteja sofrendo, e que não basta apresentar queixas genéricas à autoridade de plantão, esperando solução pronta.

Aos órgãos governamentais compete promover os interesses brasileiros nos foros comerciais internacionais e regionais, tarefa realizada com primor pelo Itamaraty, e implementar, no âmbito interno, instrumentos de defesa contra práticas desleais de comércio (dumping e subsídios), o que é executado com exemplar competência pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom).

Porém, para que haja ação governamental, os setores afetados por práticas desleais de comércio ou por medidas restritivas de acesso a mercados precisam preparar seu caso, para levá-lo ao governo já apresentando dossiês com dados e informações técnicas que possam servir de fundamentação à aplicação de medidas de defesa comercial, ou de munição aos diplomatas brasileiros, e, uma vez iniciado o processo, participar ativamente do seu seguimento.

Para isto, evidentemente, o setor privado terá de contar com a assessoria de peritos e de advogados dotados não apenas de inquestionável competência técnica e jurídica como, também, de conhecimento da realidade nacional, pois a defesa dos interesses brasileiros será mais eficiente se elaborada com base em concepção própria, ao invés de em padrões estranhos à realidade e às práticas do país.

É claro que esta ação prévia e conjunta com os órgãos governamentais exigirá investimentos que os empresários americanos, canadenses e europeus há muito descobriram trazer retornos substanciais, eficazes e rápidos. Por outro lado, as empresas que persistirem na inércia provavelmente descobrirão tarde demais terem incorrido em erro fatal.

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