Direitos feridos

A Internet não é terra sem lei, dizem especialistas.

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11 de fevereiro de 2001, 23h00

O nascimento e a ampliação vertiginosa da Internet no Brasil traz à baila uma questão controvertida aos doutrinadores e estudiosos do direito no campo dos direitos autorais, qual seja, a proteção legal a todo e qualquer tipo de criação intelectual veiculada através da rede.

A facilidade em disponibilizar, pela Internet, conteúdos, informações, bases de dados ou qualquer outro tipo de criação intelectual se entrelaça, igualmente, com a simplicidade na produção e edição de cópias de tais criações, em detrimento ao direito de seus autores.

Para muitos, a princípio, pode parecer que a Internet e o meio eletrônico como um todo, seja uma “terra sem lei”, um verdadeiro “velho oeste”, onde tudo é permitido, o que faz com que diversos sites violem a proteção autoral que gozam as informações veiculadas na rede, e que, futuramente, trará aos nossos tribunais delicadas e complexas lides, envolvendo vultosas indenizações.

E realmente, conforme será exposto nesse trabalho, a Internet não é, não foi e nunca será essa “terra sem lei”, gozando, toda e qualquer criação intelectual de proteção legal, ensejando indenizações aos seus autores e titulares, seja no campo moral, seja no campo patrimonial, independentemente do meio que a suporta (eletrônico ou tangível).

A PROTEÇÃO LEGAL

A proteção aos direitos do autor e dos titulares de criação intelectual é conferida pela Lei 9.610/98, a qual, em seu artigo 7º, inciso XIII, dispõe que “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de conteúdo, constituam uma criação intelectual” (g.n.)

Como se percebe, a redação da “nova Lei de Direitos Autorais”[1] prima pela perfeição ao dispor que são protegidas quaisquer criações do espírito, sejam elas expressas por qualquer meio, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro.

Assim, sem sombra de dúvidas, o meio eletrônico (e.g. internet) está inserido na proteção legal vigente, sendo perfeitamente cabível a reivindicação dos direitos autorais violados através desse meio.

Ressalte-se, ainda, que tal entendimento já é corroborado por alguns doutrinadores do campo dos direitos autorais, verbis:

“Os meios de comunicação ampliaram-se. Mas essa amplitude não pode justificar ou servir como elemento para violar o direito do autor. O espaço cibernético, por exemplo, não é um caminho livre e desocupado à disposição de todos e para tudo. Ele passa por portas delimitadas e perfeitamente controláveis” (PLINIO CABRAL, in “A Nova Lei de Direitos Autorais”, 1998, Ed. Sagra Luzzatto, g.n.).

“A Internet é uma grande rede de computadores que permite a qualquer um deles entrar em comunicação com qualquer outro a ela conectado. A comunicação de todo tipo de criação intelectual entre as diversas pessoas recoloca com intensidade a importância da propriedade intelectual (…) O uso de uma obra qualquer na Internet que seja protegida pela legislação de copyright estará formalmente sujeita às regras de cada país e aos acordos e Convenções Internacionais.” (JOÃO WILLINGTON e JAURY N. DE OLIVEIRA, in “A Nova Lei Brasileira de Direitos Autorais, 1999, Ed. Lúmen Júris, pág. 10/11, g.n.).

A EXTENSÃO DA PROTEÇÃO LEGAL

Obviamente, a Lei 9.610/98 visa a proteção de qualquer tipo de criação intelectual, motivo pelo qual, em seu artigo 7º, utilizou o legislador a expressão “criações de espírito”, e, especificamente, “coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de conteúdo, constituam uma criação intelectual”.

Portanto, a proteção conferida pela legislação vigente abrange aquelas obras explicitamente referidas no texto do artigo 7º, da Lei 9.610/98, porém a estas não se limita, podendo ser ampliada a qualquer tipo de criação de espírito humano, que constitua uma obra intelectual.

A INDENIZAÇÃO E SEU CÁLCULO

A indenização decorrente da violação de direitos autorais se divide em duas modalidades distintas, quais sejam, as decorrentes do dano moral e a do dano patrimonial, que, para facilitar o entendimento, abordaremos em dois tópicos distintos, a seguir.

O DANO MORAL

Os direitos morais do autor estão previstos no Capítulo II, do Título III, da Lei 9.610/98, a qual, em seu artigo 24, especifica os direitos morais do autor sobre sua obra.

Nesse sentido, qualquer violação a esses direitos do autor configuram prejuízo moral, que se presume, independentemente de prova, vez que se trata de dano decorrente da própria lei e suas disposições.

O cálculo da indenização se processa da mesma forma que qualquer indenização por danos morais, devendo o montante ser arbitrado pelo juiz da causa, sem prejuízo de que o autor sugira valores ao julgador, o que, ressalte-se, é recomendável para evitar o cerceamento ao direito constitucional de defesa.

Acrescente-se que, nos termos do artigo 27, da Lei 9.610, são inalienáveis e irrenunciáveis os direitos morais do autor, de modo que somente este pode reivindicá-los em juízo, não comportando, a princípio, na modalidade de direitos autorais, dano moral à pessoa jurídica.

O DANO MATERIAL

O artigo 29, da Lei 9.610/98, prevê, expressamente, diversas modalidades de utilização da obra em que se exige autorização prévia e expressa do autor, sendo que, violada tal disposição, caberá ao autor da obra o direito de indenização pelos seus direitos patrimoniais lesados.

A indenização material decorrente da violação de direitos autorais deve ser arbitrada na forma do Título VII, da Lei 9.610/98, que dispõe sobre as sanções civis relacionadas à matéria de que trata a referida Lei.

O artigo 103, da Lei 9.610/98, dispõe que o responsável pela violação dos direitos autorais pagará, a título de indenização patrimonial, o valor dos exemplares que tiver vendido, o que corresponde, logicamente, ao número de exemplares fraudulentamente editados, utilizados, apreendidos ou vendidos, multiplicado pelo valor unitário de cada um deles.

Em primeira impressão, pode parecer que o legislador, ao criar tal disposição, tomou por base a utilização e comercialização de obras físicas e não virtuais. Porém, não é verdade. Conforme já exposto no capítulo II, o legislador pensou em algo muito mais amplo, bastando a aplicação da analogia para a resolução de qualquer controvérsia.

Assim, teríamos que, na Internet, o número de exemplares fraudulentamente editados seria aquele correspondente ao número de acessos que a obra intelectual obteve dentro do site infrator.

Igualmente, com relação ao valor da obra, não é necessária sequer analogia, vez que basta valorarmos a criação intelectual, o que pode ser facilmente auferido por perícia técnica do valor intelectual do trabalho, ou pelo simples valor de venda daquela obra pelo seu autor no site de onde foi copiada ilicitamente.

Conclui-se, pois, que o valor da indenização deve ser o valor da obra indevidamente utilizada, multiplicado pelo número de acessos que ela obteve no site do infrator.

Porém, obviamente, o número de acessos à obra é prova difícil de ser realizada, vez que depende de perícia nos equipamentos do próprio infrator, que facilmente poderá ocultar tais dados, sem qualquer vestígio.

Por sorte, a Lei 9.610/98, no parágrafo único, do artigo 103, traz a previsão de que não sendo conhecido o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, a indenização deverá ser paga sobre 3.000 exemplares.

Assim, inviabilizada a perícia, basta aplicar o mandamento legal supra referido e calcular a indenização sobre o valor da obra, multiplicado por 3.000 (três mil), sem qualquer óbice.

CONCLUSÃO

Conclui-se, pois, que toda e qualquer obra intelectual que seja criação de espírito de alguém, seja ela veiculada por qualquer meio, inclusive a Internet, goza da proteção da lei, sendo que sua violação dá ensejo ao pleito de indenização por danos morais, exclusivamente ao autor da obra, e por danos patrimoniais, ao autor ou ao titular da obra, nos termos do exposto nesse trabalho.

Nota de Rodapé:

[1] Lei 9.610/98.

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