Defesa da União

AGU defende quebra de sigilo pela Receita Federal

Autor

6 de fevereiro de 2001, 13h45

INFORMAÇÕES Nº AGU/AS-05/2001

PROCESSO Nº 00001.000302/2001-67

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2.386

REQUERENTE: CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO

REQUERIDOS: PRESIDENTE DA REPÚBLICA E CONGRESSO NACIONAL

Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União,

Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, requerida pela Confederação Nacional do Comércio, cujo objeto de controle reside nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro de 2001, que “dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências”.

Solicitou o digníssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Velloso, por meio da Mensagem nº 19, de 24 de janeiro de 2001, informações preliminares a serem prestadas pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, no prazo de cinco dias, nos termos do art. 10, caput, da Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999, posteriormente prorrogados por mais cinco.

Mediante o OFÍCIO Nº 094/AGU/AS/2001, de 15.01.01, foram solicitadas informações à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que as prestou por meio do OFÍCIO/PGFN/PG N.º 058/2001, de 23.01.01, encaminhando o Parecer CRJ N.º 138/2001, da mesma data (cujo conteúdo integra a presente manifestação).

Sustenta, em síntese, a Requerente que os preceitos impugnados violariam o disposto nos incisos X e XXXV do art. 5º da Constituição Federal. Requer seja concedida medida cautelar para suspender a eficácia das normas questionadas e que, ao final, seja julgada procedente a presente Ação.

1. DA PREVENÇÃO DO RELATOR DA ADIN 2.390

Inicialmente, é de se destacar que o objeto desta Ação encontra-se contido na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.390, cuja relatoria foi atribuída ao Ministro Sepúlveda Pertence. Distribuídas ambas as Ações no mesmo dia (01.02) e conforme decidido por este Tribunal no julgamento da questão de ordem da ADIn 2.110 (acerca do fator previdenciário: DJ 25.08.200, p. 00059), está prevento o Relator da mais abrangente, razão pela qual deve ser redistribuída a presente Ação.

2. DO NÃO-CONHECIMENTO DA PRESENTE AÇÃO

Em princípio importa considerar que distintas razões estão a impedir o conhecimento da presente Ação, como passamos a demonstrar.

2.1 Da Relação de Pertinência como Pressuposto de Admissibilidade do Controle Abstrato de Normas

Como sabido, a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal consagrou o requisito relativo à pertinência temática como indispensável pressuposto de admissibilidade do controle abstrato de normas provocado por aquelas entidades referidas no inciso IX do art. 103 da Constituição Federal.

A esse respeito, é digno de nota, entre outros, o seguinte acórdão:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Falta do requisito da pertinência. – Têm razão as informações quando sustentam que, no caso, falta um dos requisitos da ação direta de inconstitucionalidade que é o da pertinência entre a classe que a autora representa – a dos Delegados de Polícia – e o diploma legal impugnado que a essa classe não diz respeito. – Com efeito, para que haja essa pertinência é necessário que as normas impugnadas se apliquem, direta ou indiretamente, à classe representada pela entidade autora.- Ora, no caso, isso não ocorre. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.” (ADIMC-1464/RJ, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 13.12.96, p. 50159).

Sobre a matéria, decidiu a Corte, referindo-se a inúmeros outros precedentes:

“II. – A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembléias Legislativas e Governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. III. – Precedentes do STF: ADIn 305-RN (RTJ 153/428); ADIn 1.151-MG (‘DJ’ de 19.05.95); ADIn 1.096-RS (‘LEX-JSTF’, 211/54); ADIn 1.519-AL, julg. em 06.11.96; ADIn 1.464-RJ, ‘DJ’ de 13.12.96. IV. – Inocorrência, no caso, de pertinência das normas impugnadas com os objetivos da entidade de classe autora da ação direta. Negativa de seguimento da inicial. Agravo não provido.” (Agravo Regimental na ADIMC nº 1507, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6.6.1997, p. 24873).

Essa orientação colhe-se também dos seguintes arestos:

“LEGITIMAÇÃO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ENTIDADE SINDICAL – PERTINÊNCIA TEMÁTICA. Em se tratando quer de confederação sindical, quer de entidade de classe de âmbito nacional, cumpre, para definição da legitimidade ativa na ação direta de inconstitucionalidade, examinar a pertinência temática, tendo em vista o objetivo social, previsto no estatuto, e o alcance da norma atacada. Isso não ocorre quando a entidade sindical de trabalhadores impugna diploma legal, como é a Lei nº 2.470/95, do Rio de Janeiro, regedor da privatização. A pertinência temática há de fazer-se na via direta.” (ADIMC nº 1508, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 29.11.96, p. 47156).


“Na ação ajuizada por entidade sindical, perquire-se a legitimação considerada a pertinência temática, ou seja, o elo entre os objetivos sociais da confederação e o alcance da norma que se pretenda ver fulminada. Isto não ocorre quando atacado preceito alusivo a anistia e a remissão, visando-se a preservação do erário – Art. 4º, da Lei nº 11.508, de 28 de junho de 1994, do Estado de Minas Gerais.” (ADIMC nº 1151, Rel. p/ o Acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 19.5.95 p. 13992).

Evidenciou ainda o Colendo Supremo Tribunal Federal que a relação de pertinência deve ser aferida, de modo específico e analítico, em face de cada conteúdo normativo impugnado:

“Rejeição da preliminar de inépcia da inicial e procedência, em parte, da falta de pertinência temática com referência à expressão ‘taxas’ impugnada no § 4º do artigo 26 da Lei em causa.” (ADIMC-1556/PE, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 22.08.97 p. 38759).

As decisões transcritas isentam de qualquer dúvida as seguintes conclusões:

a) exige-se a pertinência temática como requisito objetivo de configuração da legitimidade ativa nas ações diretas de inconstitucionalidade propostas por confederação sindical;

b) a pertinência temática consiste na vinculação entre as normas impugnadas (isto é, o objeto da ação) e as finalidades ou objetivos institucionais da entidade autora;

c) a vinculação entre os fins institucionais da entidade autora e as normas impugnadas “há de fazer-se pela via direta”, sem mediações ou relações transversas;

d) a pertinência temática deve ser perquirida relativamente a cada conteúdo normativo constante de um mesmo texto legal impugnado.

No caso em exame, são impugnados os arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105, de 2001. Tais artigos, em síntese, estabelecem os parâmetros básicos para a remessa de informações acerca de operações efetuadas por usuários de instituições financeiras – remessa a ser realizada por instituições financeiras em favor da Administração Tributária da União – assim como disciplinam o exame de documentos, livros e registros de instituições financeiras por autoridades e agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

As normas impugnadas, por evidente, não têm por destinatários específicos as pessoas que realizam atividade comercial. Ao contrário, cuidam de disciplinar o relacionamento da Administração Tributária com as instituições financeiras, tendo em vista o eficaz e regular exercício do poder de tributar titularizado pelo Poder Público – atingem, portanto, de modo reflexo e indistintamente, a todos aqueles que se sujeitam ao dever de pagar tributos assim como a todos que usufruem da atividade estatal viabilizada pelos recursos tributários.

A Requerente, de início, externa opinião no sentido de que o Poder Executivo da União teria imposto ao Congresso Nacional “um conjunto de normas jurídicas, que sobre o pretexto de fazer justiça social, acarretam na verdade, uma das maiores violações a direitos fundamentais constitucionalmente assegurados da história nacional”. Alega, em seqüência, que os referidos dispositivos permitiriam ao Estado “invadir a vida privada e a intimidade do indivíduo”, “extinguindo a possibilidade de privacidade na vida financeira das pessoas, violando frontalmente o disposto no inciso X do artigo 5º, da Constituição da República”.

Ademais, afirma que a Lei impugnada “também exclui a possibilidade do Poder Judiciário evitar a lesão ou a ameaça a um direito constitucionalmente tutelado”, o que implicaria violação ao inciso XXXV do art. 5º, da Constituição. Por fim, alega a parte autora que o ato impugnado “também viola o princípio da razoabilidade que deve nortear a atuação do legislador ordinário quando este versar sobre restrições à direitos fundamentais”.

A Requerente não indica em que medida as normas impugnadas estão afetas, de modo imediato e específico, aos objetivos institucionais da Confederação Nacional do Comércio.

Ao contrário, limita-se a insistir em uma suposta violação a direitos fundamentais de caráter individual sem demonstrar, de modo algum, em que medida as normas impugnadas dizem respeito às pessoas que representa.

Pressupõe, outrossim, sem qualquer esforço em demonstrar o requisito de pertinência temática, que uma suposta violação de algumas garantias individuais inscritas no art. 5º da Constituição legitimaria a atuação da Confederação Nacional do Comércio em sede de controle abstrato de normas.

Conforme se observa em seu Estatuto, a Confederação Nacional do Comércio compõe-se de pessoas jurídicas de natureza sindical, e tem por objetivo institucional básico a representação de interesses relativos a agentes comerciais privados.

Em face deste objetivo básico, não se vislumbra qualquer pertinência entre os fins da CNC e o objeto das normas impugnadas. Estas dizem respeito a relação entre as instituições financeiras e o Estado – relação que se limita a transmissão de informações essenciais ao exercício da Administração Tributária.


Nem se alegue que a CNC estaria a defender os objetivos políticos gerais descritos em seu Estatuto (especialmente no art. 1º, § 1º, incisos VII, VIII, IX, X, XI e XII). Colhe-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal manifestação no sentido de que a fixação de objetivos estatutários gerais, por entidades semelhantes à Autora, não permite o dilargamento da legitimação ativa para o exercício do controle abstrato de normas, de modo a alcançar hipóteses em que a norma impugnada não guarda “pertinência bastante com a área específica de sua essencial destinação corporativa”. Nesse sentido, merece transcrição o seguinte excerto do voto do Ministro Sepúlveda Pertence nos autos da ADI nº 1.151, in verbis:

“Certo, além dos interesses corporativos ínsitos à sua natureza sindical, propõe-se a entidade a pugnar por objetivos políticos gerais, quais ‘a defesa da consolidação e da manutenção do Estado democrático; a liberdade de pensar e de falar; o direito à segurança pessoal e à ampla defesa’ (art. 2º, I) ou ‘a defesa da moralização, da reforma e da modernização da administração pública, em todos os níveis, visando livrá-la das práticas clientelistas e assegurar maior eficiência à administração direta, indireta e fundacional’.

Estou, não obstante, em que a assunção pela entidade de objetivos cívicos altruístas, embora legítima, não lhe dilarga a legitimação ativa para a provação do controle abstrato, quando a norma tachada de inconstitucional não guarde pertinência bastante com a área específica de sua essencial destinação corporativa.

Do contrário, não se explicaria que a Constituição houvesse restringido às entidades sindicais ou de classe a legitimidade para a ação direta, ao invés de prodigalizá-la às entidades civis em geral que se dispusessem igualmente à defesa desinteressada do regime constitucional ou de setores específicos de seu universo normativo.” (ADI nº 1.151, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19.5.1995).

Naquele caso, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence acabou por conhecer da ação, por considerar que, na espécie, restava configurado liame entre os fins institucionais da autora e o objeto da norma impugnada, o que não se verifica na presente Ação. De fato, insurge-se a parte autora contra uma suposta invasão da “vida privada e a intimidade do indivíduo”. Não demonstra, todavia, em que medida referido direito individual alcançaria as entidades comerciais representadas pela CNC.

Tampouco a parte autora demonstra o vínculo de pertinência de modo específico, em relação à cada norma componente dos artigos impugnados.

Conclui-se, ante o exposto, estar ausente na presente Ação o requisito objetivo da pertinência temática, razão suficiente para o seu não-conhecimento, sob pena de se ver reconhecida em favor da Requerente legitimidade amplíssima, para a eventual defesa de qualquer direito fundamental, independentemente da existência de relação imediata com a atividade de seus representados, o que evidentemente seria contrário à jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.

2.2 Da Ausência de Fundamentação do Pedido de Declaração de Inconstitucionalidade

Em verdade, o pedido formulado pela Requerente está a carecer de fundamentação. Com efeito, não se vislumbram na inicial razões específicas e suficientes para a alegada ilegitimidade dos dispositivos impugnados. O fato é que a inicial está repleta de impugnações genéricas.

Aos escassos argumentos apresentados, são acrescentadas transcrições jurisprudenciais e doutrinárias. Em relação a estas transcrições, exime-se a parte autora de estabelecer qualquer conexão em relação ao caso ora apreciado.

Limita-se, assim, a impugnações genéricas, sob a invocação de direitos fundamentais que supostamente estariam sendo violados. Não demonstra, todavia, em que medida tais direitos teriam sido violados por meio de cada uma das normas impugnadas. Ignora, por exemplo, as diversas normas da Lei Complementar nº 105, de 2001, que buscam exatamente preservar os valores constitucionais que a parte autora considera violados (em que medida, por exemplo, considera a parte autora que os §§ 2º e 5º do art. 5º violam o direito à intimidade?).

Enfim, da leitura da inicial, resta evidente que a Requerente parte de conclusões no sentido da inconstitucionalidade das normas impugnadas, eximindo-se em apresentar qualquer fundamentação. Pressupõe, portanto, aquilo que deveria evidenciar de modo consistente e fundamentado, ou seja, que as normas atacadas seriam contrárias à Constituição.

Tal circunstância viola o dever explícito de oferecer razões e fundamentar as impugnações à legitimidade de lei ou ato normativo, o que decorre dos arts. 3º e 4º da Lei n.º 9.868, de 1999. Com efeito, é a própria jurisprudência desta Corte Suprema que impede seja conhecida ação direta de inconstitucionalidade naquela parte da impugnação absolutamente despida de suficiente fundamentação.


Tal entendimento foi reafirmado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 2.111 (relativa ao denominado fator previdenciário), no qual reconheceu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, acompanhando, à unanimidade, o voto do eminente Relator, Ministro Sydney Sanches, a inépcia da inicial, por ofensa ao art. 3o, I, da Lei no 9.868, de 1999, verbis:

“O Tribunal, em razão da falta de demonstração da alegada inconstitucionalidade formal (Lei 9.868/99, art. 3o, I), não conheceu da ação direta, na parte em que se sustentava violação ao processo legislativo (CF, art. 65, § único).” (Informativo STF, Brasília, 13 a 17 de março de 2000 – No 181).

Igualmente, no julgamento da ADIn 2.251, o Tribunal, em relação à argüição de inconstitucionalidade material de alguns dispositivos, não conheceu da Ação por falta de fundamentação (Informativo STF, Brasília, 21 a 25 de agosto de 2000 – N.º 199). A esse respeito, vale transcrever as seguintes decisões:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CAUSA DE PEDIR E PEDIDO

– Cumpre ao Autor da ação proceder à abordagem, sob o ângulo da causa de pedir, dos diversos preceitos atacados, sendo impróprio fazê-lo de forma genérica. […]”(ADIn 1.708, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13.03.98, p. 1)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INÉPCIA DA INICIAL.

É necessário, em ação direta de inconstitucionalidade, que venham expostos os fundamentos jurídicos do pedido com relação às normas impugnadas, não sendo de admitir-se alegação genérica de inconstitucionalidade sem qualquer demonstração razoável, nem ataque a quase duas dezenas de medidas provisórias em sua totalidade com alegações por amostragem.

Ação direta de inconstitucionalidade que não se conhece.” (ADIMC 259, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 19.02.93, p. 2030)

Impor-se-ia, nessa medida, o não-conhecimento da presente Ação.

2.3 Da Exigência de Impugnação Integral do Complexo Normativo em que se Insere o Diploma Impugnado

A jurisprudência deste Pretório Excelso exige, de modo inequívoco, seja oferecida, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação integral do complexo normativo em que se insere o Diploma contestado. Com efeito, reconhece a jurisprudência desse Egrégio Supremo Tribunal Federal: “Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade que impugna, em determinado sistema normativo, apenas alguns dos preceitos que o integram – deixando de questionar a validade de outros dispositivos com eles relacionados – dado que essa declaração de inconstitucionalidade, tal como pretendida, alteraria o sistema da Lei.

Com esse entendimento, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Partido Social Liberal – PSL, contra a Lei 3.329/99, do Estado do Rio de Janeiro, que cria o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro – RIOSEGURANÇA e dá outras providências.” (ADIn nº 2.133, Rel. Min. Ilmar Galvão, noticiado no Informativo n.º 180). Tal exigência decorre da impossibilidade de alterar-se, por via transversa, o sistema da lei – o que, além de em si mesmo ilegítimo, pode acarretar conseqüências ainda mais lesivas ao interesse público e, sobretudo, às imposições e ao plano regulativo constitucionais.

A incorporação de uma determinada lei em um complexo normativo, dessarte, confere-lhe um sentido sistemático específico no ordenamento jurídico, cuja desconsideração comprometeria, ilegitimamente, esse mesmo sistema normativo. Em verdade, na espécie dos autos, a impugnação padece exatamente desse vício, o que está a comprometer, de modo definitivo, a possibilidade de vir-se a dela conhecer.

Com efeito, pede a Requerente a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 5º e 6º da Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro de 2001, dispositivos estes que impõem a elaboração de normas de organização e procedimento para o acesso às informações financeiras. No que toca ao art. 6º, foi expedido o Decreto n.º 3.724, de 10 de janeiro de 2001, que “Regulamenta o art. 6º da Lei Complementar n.º 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas”.

Assim sendo, para que a referida Lei Complementar seja legitimamente submetida a um juízo acerca da sua compatibilidade com a Constituição Federal, exige-se o exame analítico da integralidade das disposições contidas no Decreto. Tal Diploma, no entanto, não foi impugnado, impossibilitando, em conseqüência, a completa compreensão do contexto normativo em que se insere o artigo vergastado, e que deveria ter sido indicado, igualmente, como objeto da presente Ação, razão pela qual, diante da jurisprudência firmada por este Supremo Tribunal Federal, impõe-se o não-conhecimento da Ação.


2.4 Da Ausência de Procuração com Poderes Específicos

Outra razão está a obstar venha a presente Ação a alcançar julgamento de mérito. De fato, o exame do substabelecimento conferido ao patrono da parte autora revela tratar-se tão-somente de instrumento de mandato de caráter genérico – note-se, ainda, que são substabelecidos poderes conferidos em procuração lavrada em 1996. Em referido substabelecimento consta, de modo genérico, poderes “para interpor, perante o Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade”.

É consabido que o Supremo Tribunal Federal determinou, em Sessão Plenária realizada 24 de maio de 2000, a necessidade de procuração específica para a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade (o julgamento da ADIMC 2.187, Rel. Min. Octavio Gallotti, iniciado em 10 do mesmo mês, como noticiara o Informativo STF nº 188, viu-se concluído com apenas dois votos vencidos). Tal acertada medida presta homenagem, ademais, ao caráter taxativo do rol daqueles legitimados à proposição do controle abstrato de normas. Dito isso, é a inexistência de procuração específica nova razão autônoma e suficiente para a extinção do processo sem julgamento do mérito.

3. DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O ACESSO A INFORMAÇÕES RELATIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS

Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que, de uma leitura da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, ainda não é possível se extrair uma posição definitiva quanto ao acesso aos dados constantes de operações financeiras. Em verdade, esta Corte ainda não decidiu a questão relativa à imprescindibilidade de exigir-se intervenção judicial para o acesso a toda e qualquer informação bancária.

Com efeito, o Ministro Maurício Corrêa, em seu voto no RE 219.790, foi enfático: “A tese em si, relativamente ao sigilo bancário, na nova ordem constitucional, não foi enfrentada e decidida, todavia, até hoje.”

Mesmo no que concerne à existência de um princípio constitucional à reserva de jurisdição, igualmente, o Tribunal não firmou um entendimento definitivo. A própria ementa do acórdão deixa isso evidente no seguinte trecho:

“POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

* O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’.

* A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) * traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina.

* O princípio constitucional da reserva de jurisdição, embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal – Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) – não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente, para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado.” [grifos no original] (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12.05.2000, p. 20)

Observe-se que, muito embora na ementa da decisão haja referência a que cinco Ministros teriam reconhecido a reserva de jurisdição como princípio constitucional, dentre os quais o Ministro Néri da Silveira, assim asseverou o eminente Ministro na parte final de seu voto:

“Acolho, em princípio, a tese que, em determinadas situações, há de se dar ao art. 58, § 3º, da CF, compreensão compatível com o sistema da Constituição, que quis, em certas situações, reservar, efetivamente, a prática de atos restritivos de direitos a autoridade integrante do Poder Judiciário.

Cumpre, pois, à Corte apreciar, caso a caso, a aplicação, ou não, do referido princípio de reserva legal.” [sem grifos no original]

Dessarte, o Ministro Néri da Silveira não fechou posição pela consagração de um princípio constitucional geral à reserva de jurisdição. Pelo contrário, atribuiu à Corte o dever de proceder ao exame casuístico da aplicação do referido princípio.


Ademais, ressalte-se que a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal sequer entrou nessa discussão. A esse respeito, vale destacar o voto do Ministro Moreira Alves: “[…] tenho sérias dúvidas a respeito dessa reserva de jurisdição, tendo em vista a circunstância de que a Constituição não faz distinção entre as reservas legais e as constitucionais.”

Outrossim, é de se observar que, naquela decisão, vinculou-se a eventual existência de um princípio constitucional à reserva de jurisdição a determinadas matérias, quais sejam: busca domiciliar, interceptação telefônica e decretação de prisão de qualquer pessoa, salvo a hipótese de flagrância. Não há, portanto, qualquer alusão à questão dos dados e muito menos do sigilo bancário. E não poderia haver, até porque este Tribunal firmou não estar o sigilo bancário sujeito à reserva absoluta de jurisdição:

“Quebra ou transferência de sigilos bancário, fiscal e de registros telefônicos que, ainda quando se admita, em tese, susceptível de ser objeto de decreto de CPI – porque não coberta pela reserva absoluta de jurisdição que resguarda outras garantias constitucionais -, há de ser adequadamente fundamentada: aplicação no exercício pela CPI dos poderes instrutórios das autoridades judiciárias da exigência de motivação do art. 93, IX, da Constituição da República.” (MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15.09.2000, p. 119)

Logo, em relação ao denominado sigilo bancário, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é bem mais analítica na indagação do respeito às prerrogativas constitucionais dos cidadãos, o que tem efetuado no exame caso a caso, como sugerido pelo Ministro Néri da Silveira no pronunciamento já mencionado.

Assim é que a Segunda Turma desta Corte, por unanimidade, firmou no julgamento do RE 219.780:

“CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO: QUEBRA. ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO. CF, art. 5º, X. I. – Se é certo que o sigilo bancário, que é espécie de direito à privacidade, que a Constituição protege art. 5º, X não é um direito absoluto, que deve ceder diante do interesse público, do interesse social e do interesse da Justiça, certo é, também, que ele há de ceder na forma e com observância de procedimento estabelecido em lei e com respeito ao princípio da razoabilidade. No caso, a questão foi posta, pela recorrente, sob o ponto de vista puramente constitucional, certo, entretanto, que a disposição constitucional é garantidora do direito, estando as exceções na norma infraconstitucional.

II. – R.E. não conhecido.” [sem grifos no original] (Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.09.99, p. 23)

Sustentou o Ministro Carlos Velloso em seu voto:

“A questão, portanto, da quebra do sigilo, resolve-se com a observância de normas infraconstitucionais, com respeito ao princípio da razoabilidade e que estabeleceriam o procedimento ou o devido processo legal para a quebra do sigilo bancário.

A questão, portanto, não seria puramente constitucional. A quebra do sigilo bancário faz-se com observância, repito, de normas infraconstitucionais, que subordinam-se ao preceito constitucional.” [sem grifos no original]

Em face da ausência dessas normas infraconstitucionais, a Corte acabou por estabelecer, na análise de casos concretos, normas de organização e procedimento, no que concerne ao acesso a dados de operações financeiras, mesmo para aqueles a quem o texto constitucional confere expressa autorização, como são as comissões parlamentares de inquérito. Nesse sentido, assim determinou o Tribunal no referido julgamento do MS 23.452, em outro trecho da decisão:

“As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV).

[…]

A QUESTÃO DA DIVULGAÇÃO DOS DADOS RESERVADOS E O DEVER DE PRESERVAÇÃO DOS REGISTROS SIGILOSOS.

*A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex propria auctoritate, de competência para ter acesso a dados reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo telefônico.

*Com a transmissão das informações pertinentes aos dados reservados, transmite-se à Comissão Parlamentar de Inquérito – enquanto depositária desses elementos informativos -, a nota de confidencialidade relativa aos registros sigilosos.


* Constitui conduta altamente censurável – com todas as conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar – a transgressão, por qualquer membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos.”

Quer dizer: as comissões parlamentares de inquérito, embora sejam autorizadas para ter acesso a informações bancárias, têm que se submeter a um procedimento e devem resguardar o sigilo das informações (na verdade, cuida-se de transferência de informações), cujas normas foram extraídas de uma leitura do texto constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e que poderiam muito bem estar previstas em norma infraconstitucional.

Esta Corte também flexibilizou o acesso a informações bancárias no que diz respeito à sua finalidade. Com efeito, no conhecido Mandado de Segurança impetrado pelo Banco do Brasil, entendeu esta Excelsa Corte ser inoponível ao Ministério Público a exceção de sigilo bancário pela instituição financeira, tendo em vista a origem pública de parte do dinheiro envolvido nas questionadas operações e o princípio da publicidade, inscrito no art. 37, caput, da Constituição Federal (MS 21.729, Rel. p/ ac. Min. Francisco Rezek, julg. 10.05.95, acórdão ainda não publicado, noticiado no Informativo n.º 8).

E note-se que, consoante entendimento do Tribunal, não há autorização constitucional expressa a que o Parquet tenha acesso àquelas informações (RE 215.301, Rel. Min. Velloso, DJ 28.05.99).

No julgamento daquele Mandado de Segurança, sustentou o Ministro Sepúlveda Pertence: “Ora, em matéria de gestão de dinheiro público, não há sigilo privado, seja ele de status constitucional ou meramente legal, a opor-se ao princípio basilar da publicidade da administração republicana”.

Interessante destacar o voto proferido pelo Ministro Ilmar Galvão que não deferiu a liminar requerida para dar ao Ministério Público acesso àquelas operações, por entender não existir autorização para tanto, mas que consignou:

“Na verdade, se exceção houvesse à regra, revestir-se-ia ela, inegavelmente, de muito mais plausibilidade, v. g. relativamente à Fiscalização do Imposto de Renda, que há de estar em permanente vigilância, na busca de sinais de riqueza dos contribuintes, do que em relação ao Ministério Público, cuja iniciativa tem em mira casos específicos, em face dos quais o requerimento ao Juiz não acarreta maiores transtornos.”

Com relação à obtenção de dados financeiros de maneira globalizada e bem na linha do entendimento do Ministro Ilmar Galvão acima transcrito, só que acerca de banco de dados para informações de crédito, esta Alta Corte decidiu no seguinte sentido, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.790:

“3. A convivência entre a proteção da privacidade e os chamados arquivos de consumo, mantidos pelo próprio fornecedor de crédito ou integrados em bancos de dados, tornou-se um imperativo da economia da sociedade de massas: de viabilizá-la cuidou o CDC, segundo o molde das legislações mais avançadas: ao sistema instituído pelo Código de Defesa do Consumidor para prevenir ou reprimir abusos dos arquivos de consumo, hão de submeter-se as informações sobre os protestos lavrados, uma vez obtidas na forma prevista no edito impugnado e integradas aos bancos de dados das entidades credenciadas à certidão diária de que se cuida: é o bastante a tornar duvidosa a densidade jurídica do apelo da argüição à garantia da privacidade, que há de harmonizar-se à existência de bancos de dados pessoais, cuja realidade a própria Constituição reconhece (art. 5º, LXXII, in fine) e entre os quais os arquivos de consumo são um dado inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito.” (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 08.09.2000)

O exame da jurisprudência acima desenvolvida demonstra que se existir o direito ao denominado sigilo bancário, esse direito não é absoluto e admite várias flexibilizações, desde que respeitadas algumas normas de organização e de procedimento fixadas em normas infraconstitucionais e voltadas à consecução de alguma finalidade amparada pelo texto constitucional. Portanto, o essencial para o Supremo Tribunal Federal não é quem vai ter acesso aos dados, mas sob qual forma (isto é, um devido processo fixado em normas infraconstitucionais) e para qual finalidade (atendimento ao interesse público ou qualquer outro escopo constitucional).

Assim, a) em havendo expressa autorização constitucional (caso da CPI’s: art. 58, § 3º da Constituição Federal); b) em se tratando de defesa dos recursos públicos, do interesse público ou de qualquer outro valor constitucional; c) havendo expressa previsão normativa de um devido processo legal apto a preservar as posições jurídicas individuais, ou d) havendo valores constitucionais contrapostos ou um contexto de aplicação da norma (inclusive situações de fato, como já as admitiu o Tribunal na ADIn 1.790, no tocante às relações massificadas de crédito), será legítimo o acesso a informações relativas a informações financeiras.


Ademais, as decisões analisadas bem demonstram que para o Tribunal cada caso de acesso àquelas informações é singular, constituindo uma questão nova, a exigir um exame minudente e circunstanciado da Corte. Na hipótese dos autos, o acesso às informações relativas a operações financeiras atende a todos esses requisitos, como se demonstrará.

4. DAS ALEGAÇÕES DA REQUERENTE

Sustenta a Requerente que os artigos impugnados, ao autorizarem o Poder Executivo o acesso a informações bancárias, extinguem a privacidade na vida financeira das pessoas, violando o art. 5º, inciso X, da Constituição Federal. Sustenta que, sendo o sigilo bancário um direito à privacidade, ele só deve ceder diante do incontestável interesse público e com respeito ao princípio da razoabilidade.

Outrossim, aduz que igualmente está infringido o inciso XXXV do art. 5º da Lei Maior, visto que o controle judicial de eventual ilegalidade só poderá ser feito a posteriori, excluindo, portanto, a possibilidade de o Poder Judiciário evitar lesão ou ameaça a direito constitucionalmente violado.

Afirma haverem os dispositivos vergastados violado o princípio da razoabilidade que deve nortear a atuação do legislador ordinário quando este versar sobre restrições a direitos fundamentais. Pressupõe, equivocadamente, que o acesso pela administração tributária às operações financeiras resguardaria em menor escala os direitos fundamentais do que se fosse efetuado pelo Poder Judiciário, a quem a Constituição reservou de forma exclusiva a competência para exercer o juízo de valor necessário à supressão de garantias constitucionais, em razão do postulado constitucional da reserva de jurisdição.

Primeiramente, importa fixar uma interpretação inicial dos incisos X e XII (muito embora este, comumente invocado nas discussões doutrinárias sobe a matéria, sequer tenha sido invocado na inicial) do art. 5º, da Constituição Federal, para o fim de, a partir da identificação do seus sentido e alcance, examinar a legitimidade das normas impugnadas. A impugnação do art. 5°, XXXV será apreciada quando do exame das máxima parciais do princípio da proporcionalidade em item posterior dessa manifestação.

5. DO SENTIDO E DO ALCANCE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS SUPOSTAMENTE VIOLADAS

Como visto, sustenta a Requerente que as disposições impugnadas violam os incisos X, XXXV e LIV da Constituição Federal – reiterando que esses dois últimos serão apreciados quando do exame do princípio da proporcionalidade, ao final da presente manifestação. Para oferecer-se a competente contraposição a tais alegações, importa estabelecer, inicialmente, a adequada posição da questão constitucional de modo a evitar-se um conflito aparente de normas. Invocado o inciso X do art. 5º da Carta Magna pela Requerente, importa perquirir acerca de seu sentido e alcance (o que, como já explicitado, far-se-á igualmente em relação ao inciso XII do mesmo artigo) de modo a estabelecer se, de fato, opera um conflito de normas entre aquele e as disposições impugnadas. Passemos a fazê-lo.

5.1 Do Sentido e do Alcance do Inciso X do art. 5º da Constituição Federal

A associação comumente feita entre sigilo bancário e privacidade demonstra uma percepção equivocada acerca das relações entre ambos, no sentido de considerar o primeiro como manifestação do segundo.

Como se sabe, o art. 5º, X, da Carta Magna preceitua o seguinte:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”

Da leitura do inciso, infere-se que a Constituição expressamente resguarda a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Assim, tanto constitucionalmente como conceitualmente, há uma distinção entre direito à intimidade e direito à privacidade, sempre tendo em vista que o primeiro é manifestação do segundo.

Assim, “vida privada refere-se ao que é particular, em sentido lato, admitindo gradação, estando a intimidade contida no círculo menor, porque o privado é o abrangente e íntimo é o mais reservado” (ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 51)

Esta distinção, entretanto, não implica que o sigilo bancário seja emanação necessária e absoluta destas duas esferas. Nem a intimidade nem a privacidade dão margem ao sigilo absoluto das informações relativas a operações financeiras, como passamos a demonstrar.

De início, importa saber se o sigilo bancário se vincularia à intimidade, sendo manifestação do direito fundamental consagrado no art. 5º, X.


O jurista português, J. L. Saldanha Sanches, coteja primorosamente o sigilo bancário com a proteção da intimidade, para concluir que não há que se falar em “direito ao sigilo bancário” como concretização do direito à intimidade. Nas suas palavras:

“Ora em que esfera podemos nós incluir o segredo bancário, enquanto instituto que concretiza certos valores do ordenamento jurídico. Como expressão de interesses juridicamente tutelados?

Será o segredo bancário um prolongamento do direito à intimidade da esfera pessoal e familiar de uma qualquer pessoa singular (uma vez que em relação às pessoas coletivas a questão não pode mesmo ser colocada)? Ou dirá antes respeito aquela faixa mais larga que resguarda a privacidade de qualquer cidadão e que só pode por isso sofrer qualquer intromissão, se surgirem razões válidas para que tal direito seja restringido?

Ao afirmar-se que, na perspectiva dos clientes dos bancos, o segredo bancário é um “direito com a reserva da sua vida privada”, temos uma primeira resposta para esta questão.

Mas falta distinguir entre intimidade e reserva da vida privada e entre clientes individuais e profissionais de um banco. Não estamos perante o mesmo tipo de tutela quando contamos um particular espera que o banco não divulgue a qualquer interessado o volume da sua conta bancária (porque pura e simplesmente quer manter sob reserva a sua vida particular) ou quando um comerciante confia no banco para que este não revele quem são os seus clientes, fornecedores ou qual é o seu grau de endividamento.

No caso da pessoa singular está apenas em causa um conjunto de valores de natureza moral; esta não está, em princípio, preocupada com possíveis prejuízos económicos ligados a qualquer divulgação. Apenas se opõe, por razões do seu foro pessoal e que não carevem de fundamentação, que esta tenha lugar.

Enquanto que o comerciante pode ser seriamente prejudicado, em termos concorrenciais, com a revelação da lista dos seus clientes ou com a sua situação financeira.

O dever de reserva que cabe ao banqueiro está desta forma ao serviço do interesse comercial das empresas suas clientes – que pelo simples facto de o serem ou por necessitarem de obter crédito lhe dão informações com um forte valor comercial ou da pessoa singular que deseja manter a privacidade da sua situação patrimonial.

Ou, em alternativa, ao serviço da manutenção da privacidade que qualquer um pode desejar, ainda que a possível violação desta apenas lhe possa acarretar danos não-patrimoniais.

E por isso o segredo bancário não pode constituir a expressão do imperativo constitucional da proteção da intimidade. Até porque o acesso a essa esfera está vedado aos próprios bancos.

Não nos parece aceitável que um banco, como condição para a concessão de crédito a uma pessoa singular ou para estabelecer com ela qualquer relação contratual, possa exigir desta informação de tipo estritamente pessoal ou a sujeição a exames médicos que, atingindo a sua esfera íntima, afectam a sua dignidade. Aqui está em causa a ilicitude da pergunta, por pressupor o acesso à esfera inviolável (e indisponível) da intimidade.

A informação que o banco pode obter para a defesa dos seus interesses legítimos não pode ir além da esfera patrimonial do seu cliente: rendimentos, bens possuídos, perspectivas profissionais.

(…)

Podemos pois concluir que o segredo bancário não é, não pode ser, uma concretização do princípio constitucional do direito à intimidade.

Este princípio tem como função consagrar uma zona de reserva pessoal para factos, opções e circunstâncias, que só de forma indirecta e de todo secundária, podem ter aspectos ou reflexos de natureza patrimonial” (SALDANHA SANCHES, J. L. Segredo Bancário e Tributação do Lucro Real. In SALDANHA SANCHES, J. L. Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, pp. 105-108.).

Em diversos países, há a clara percepção que não há que se confundir direito à intimidade com sigilo bancário, indicando que a quebra do sigilo pela administração tributária não constitui violação ao direito. Ao contrário, a existência de um “Estado Fiscal” implica na necessidade de consagrar à administração tributária tal faculdade, o que se harmoniza com diversos princípios e outros direitos fundamentais constantes da Carta de 1988.

O caso espanhol é exemplar neste sentido, ao não visualizar a violação do direito à intimidade em relação à quebra do sigilo bancário. Portanto,

“el Tribunal Constitucional español se ha pronunciado por la negativa de que ‘el conocimiento de las cuentas bancarias por la Administración pueda invadir el ámbito constitucionalmente garantizado de la intimidad de los individuos, porque tales extractos no constituyen per se uma biografía personal en números y en sí no tiene relevancia para la intimidad personal y familiar del contribuyente, ya que se trata de dados no secretos y confiados a una entidad” (CAMPOS, Laura Rodríguez. Derechos del Contribuyente em la República Argentina, al amparo de la Convención Interamericana de Derechos Humanos. http://www.iefpa.org.ar/criterios_digital/articulos/derechos.htm. Visitado em 05/01/2001).


Ao analisar a jurisprudência da Corte Constitucional Espanhola quanto ao tema, também ressalta Saldanha Sanches:

“Na apreciação da constitucionalidade da lei que permitia o controlo administrativo das contas bancárias o Tribunal Constitucional espanhol realizou uma distinção entre intimidade pessoal e familiar e a ‘intimidade económica’ onde a proteção constitucional é menos intensa.

E procura fazer uma distinção entre a violação da intimidade como consequência de uma análise das contas bancárias – colocando a hipótese de uma recusa de cooperação por parte do contribuinte se tal eventualidade se verificar – e a violação directa da intimidade: uma vez que esta não pode resultar de uma mera análise de movimentos bancários” (SALDANHA SANCHES, J. L. A Situação Actual do Sigilo Bancário: A Singularidade do Regime Português. In SALDANHA SANCHES, J. L. Estudos de Direito Contabilístico e Fiscal. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 91).

Outro comentarista, ao analisar a situação do sistema espanhol quanto ao sigilo bancário e o direito à intimidade, fez questão de ressaltar:

“Según el T. C., frente a la Hacienda pública no existe el derecho a la intimidad del art. 18 C.E. Ya la L.O. de 5 de mayo del 82 vacía prácticamente de contenido constitucional el derecho a la intimidad, en cuanto el ámbito de ésta queda deferido a la ley ordinaria (a.2º) y en cuanto que la esfera protegida frente a las Administraciones se reduce a poco o nada al no reputarse intromisiones ilegítimas las actuaciones autorizadas o acordadas por la Autoridad competente de acuerdo con la Ley (art. 8º, 1).

La LGT y el RI. limitan la esfera de la intimidad, en las relaciones con la Hacienda, hasta el extremo de que solamente existe un refugio, limitado, en el ámbito del secreto profesional, en los casos de información sobre terceros, y siempre que no se trate de datos con ‘transcendencia económica o tributaria’. El T.C. no ha encontrado, hasta el momento, ni un solo supuesto de dato o información económica con transcendencia tributaria que limite la acción inquisitiva de la Administración tributaria por razón de intimidad. Bien puede decirse, por tanto, que frente a la Administración tributaria, en cuanto se trata del ejercicio de su función de búsqueda de datos ‘con transcendencia tributaria’, ‘el derecho a la intimidad personal y familiar’ (art. 18, 1 CE) no existe.

La biblia del tribunal, a estos efectos, está constituida por la S. 110/84, reiterada en numerosas ocasiones, ampliada en el Auto 642/86, y reafirmada, por ejemplo, en la S. 26 abril 90, tantas veces citada (F.J. 10º). Según esa doctrina, la distribución justa de la carga fiscal prevalece sobre el derecho a la intimidad; parte del art. 8, 1 de la LO, según el cual frente a la Ley (ordinaria) no hay intimidad protegida, siempre que haya en dicha ley ‘imperativos de interés público’ (…); ni siquiera se habla del predominio, frente a la intimidad, de intereses u objetivos constitucionalmente protegidos. Sólo admite que la actuación administrativa es arbitraria cuando ‘no parezca justificada por la finalidad de la inspección’, es decir, cuando se trate de datos o informaciones que carezcan de ‘transcendencia tributaria’; pero éste, obviamente, no es sin límite derivado del derecho a la intimidad, sino de la interdicción de arbitrariedad o desviación de poder de la Administración, de la necesidad de ajuste de toda Administración al ámbito de su competencia, que tanto vale para datos íntimos como para otros que no lo sean. Según la S. 110/84, no hay esfera de intimidad protegida frente a una Administración tributaria amparada en una norma que elimina la intimidad como límite” (GARCÍA AÑOVEROS, Jaime. Una Nueva Ley General Tributaria. Problemas Constitucionales. In KIRCHHOF, P. et al. Garantías Constitucionales del Contribuyente. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, pp. 109-110).

Ademais, ainda que se considerasse o sigilo bancário dentro da esfera da intimidade, há uma forte tendência de se visualizar o próprio direito à intimidade como passível de relativização, ao menos no campo onde se inserem tanto a intimidade daqueles indivíduos notórios e a atividade da imprensa.

Portanto, se se analisa a intimidade sob os mais diferentes ângulos, tem-se a clara resposta de que não há que se falar em qualquer violação deste direito no caso de quebra de sigilo bancário por parte da administração tributária.

Situado que o sigilo bancário não pertence à esfera protegida pelo direito à intimidade, resta saber se o círculo mais amplo a que pertence a intimidade – o da vida privada – implica inexoravelmente o sigilo bancário em face da administração tributária.

No campo do direito à privacidade, podem ser consideradas as observações de Tércio Ferraz Júnior que, lastreado no magistério sempre lúcido de Pontes de Miranda, estabelece a correta distinção entre objeto e conteúdo do direito fundamental, a fim de investigar o alcance do direito à privacidade, verbis:


“O direito à privacidade não é propriamente um gênero do, mas tem a ver com o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência, etc. Pontes de Miranda (…) vê na inviolabilidade da correspondência e do segredo profissional um direito fundamental de ‘negação’, uma liberdade de ‘negação’: liberdade de não emitir pensamento exceto para um número reduzido (segredo da correspondência circular, dos avisos reservados aos empregados, etc.) ou exceto para um (cartas particulares). Como direito subjetivo fundamental aqui também há de se distinguir entre o objeto e o conteúdo. O objeto, o bem protegido, é, no dizer de Pontes, a liberdade de ‘negação’ de comunicação do pensamento.

O conteúdo, a faculdade específica atribuída ao sujeito, é a faculdade de resistir ao devassamento, isto é, de manter o sigilo (da informação materializada na correspondência, na telegrafia, na comunicação de dados, na telefonia). A distinção é importante. Sigilo não é o bem protegido, não é o objeto do direito fundamental. Diz respeito à faculdade de agir (manter sigilo, resistir ao devassamento), conteúdo estrutural do direito.

Como faculdade, a manutenção do sigilo não está a serviço apenas da liberdade individual de ‘negação’ de comunicação. Serve também à sociedade e ao Estado. Veja-se, a propósito, o inciso XXXIII do art. 5º da CF, que assegura a todos receber, dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, ‘ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado’. Aqui o sigilo é faculdade (conteúdo) atribuída à sociedade e ao Estado (sujeitos), em proteção de sua segurança (objeto).

Seria, portanto, um equívoco falar em direito ao sigilo, tomando a faculdade (conteúdo) pelo bem protegido (objeto), como se se tratasse em si de um único direito fundamental. Ao contrário, é preciso ver e reconhecer que o sigilo, a faculdade de manter sigilo, diz respeito a informações privadas (inciso XII do art. 5º) ou de interesse da sociedade ou do Estado (inciso XXXIII do mesmo artigo). No primeiro caso, o bem protegido é uma liberdade de ‘negação’. No segundo, a segurança coletiva.

A liberdade de ‘negação’ de informar o próprio pensamento tem a ver com a privacidade. Ninguém pode ser constrangido a informar sobre a sua privacidade. A liberdade de omitir informação privativa é, porém, também um fato que tem por limite a liberdade de comunicar uma informação privativa: esta possibilidade é um fato que está na base da denúncia e do comportamento do denunciante. Diante deste fato a

Constituição garante o sigilo profissional, isto é, a faculdade de resistir ao devassamento de informações mesmo ilegais que o sujeito, em razão de sua profissão, pode lhe ver confiadas (art. 5º, XIV). Nem todo ofício, porém, está protegido pelo sigilo profissional: só aquele que, por sua natureza, exige a confidência ampla no interesse de quem confidencia. É o caso do médico, do advogado, do padre, do psicólogo, etc. Nos demais casos, a denúncia é uma possibilidade e até uma exigência. Note-se, pois, que a faculdade de resistir ao devassamento (de manter sigilo), conteúdo estrutural de diferentes direitos fundamentais, não é um fim em si mesmo, parte indiscernível de um direito fundamental (uma espécie de direito fundamental da pessoa ao sigilo), mas um instrumento fundamental, cuja essência é a assessoriedade.

A inviolabilidade do sigilo, como tal, pode garantir o indivíduo e sua privacidade, ou a privacidade de terceiros, ou ainda a segurança da sociedade e do Estado. No campo da privacidade, pode garantir a confidência, mesmo ilegal, que o profissional ouve em razão de oficio. Mas não acoberta a ilegalidade perpetrada no âmbito da privacidade e da qual alguém, sem violência física ou mental, tem notícia.

A inviolabilidade do sigilo, não sendo faculdade exclusiva da privacidade (é também da segurança da sociedade e do Estado), é conditio sine qua non (condição), mas não é conditio per quam (causa) do direito fundamental à privacidade. Ou seja, se não houver inviolabilidade do sigilo não há privacidade, mas se houver inviolabilidade do sigilo isto não significa que haja privacidade (pode haver outra coisa, como a segurança do Estado ou da sociedade).

O direito à privacidade, em conseqüência, sendo um fundamento em si mesmo, permite dizer que a privacidade de um indivíduo só se limita pela privacidade de outro indivíduo (como a liberdade de um só encontra limite na liberdade do outro). O mesmo, porém, não vale para a inviolabilidade do sigilo, cuja instrumentalidade remete à avaliação ponderada dos fins, à chamada Abwägung (sopesamento) da dogmática constitucional alemã.

(…)

Feita, pois, a distinção entre a faculdade de manter sigilo e a liberdade de omitir informação, este, objeto correlato ao da privacidade, e entendido que aquela não é uma faculdade absoluta pois compõe, com diferentes objetos, diferentes direitos subjetivos, exigindo do intérprete o devido temperamento (…).”(Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo. a. 1, n. 1, 1992, pp. 79-81)


Nesse caso, a afetação da privacidade é mínima, uma vez que as informações possuem transcendência econômica ou tributária. Ademais, a violação à privacidade estaria submetida a uma análise pontual.

O que de fato é relevante é saber se a organização e o procedimento estão sendo observados pela administração tributária a fim de preservar a vida privada. A quebra, como se verá com maior minúcia, não acontece quando a administração tributária tem acesso aos dados, mas somente quando eles circulam.

A jurisprudência desta Corte continuamente já procedeu a este sopesamento a que se refere Tércio Ferraz Jr. Assim, o sopesamento acontece em caso de presença de um interesse público relevante, de existência de recursos ou dinheiros públicos ou ainda de uma disciplina normativa do acesso ao sigilo (pois o Tribunal já consagrou o caráter infraconstitucional da conformação e concretização do direito à privacidade) ou uma autorização constitucional expressa, bem como em relação a outros bens, direitos, valores ou princípios constitucionais contrapostos – sem prejuízo do exame contextual, inclusive social, de aplicação normativa (como no caso da ADIN 1790).

No caso específico da Itália – que se assemelha à grande maioria dos Estados europeus – não se pode apor o direito à intimidade e à privacidade às atividades da administração tributária, relativizando o alcance de um eventual direito ao sigilo bancário. Assim, assevera a doutrina italiana:

“La preocupación por garantizar con una eficaz actividad investigadora los mejores resultados para la recaudación de los tributos no encuentra obstáculos ni siquiera en la esfera de la privacidad o en alguno de sus aspectos. Frente al interés por la recaudación, de hecho, no se reconocen posiciones subjetivas del contribuyente constitucionalmente protegidas que no correspondan a aquéllas relativas a la esfera de la personalidad. Resisten, por tanto, la inviolabilidad del domicilio y de la correspondencia, mientras el secreto bancario, que es considerado extraño a esta esfera, ha sido considerado por el legislador como derogable a favor de la administración financiera, inicialmente sólo en presencia de específicos y definitivos elementos de hecho considerados normativamente de manera taxativa indicios fundados de evasión, posteriormente, en cualquier otro caso.

Una solución esta última que ciertamente aproxima el italiano a otros ordenamientos europeos pero que se podría alcanzar sin traumas de carácter constitucional simplemente si se hubiese reconocido que el único límite que pudiera imponerse al poder de investigación de la adminstración financiera se refiere únicamente a la esfera de los derechos de la personalidad. Límite que, reconoce la Corte Constitucional, no puede estar constituido por la tutela de los negocios o de los intereses económicos del contribuyente o el secreto profesional de la banca, según la calificación jurídica que se quisiese dar al secreto bancario.

También en la actividad instructora por tanto la constitución material asegura la primacía del interés recaudatorio. La administración financiera puede obtener sobre el plano normativo la más amplia libertad de investigación simplemente porque se considera que es intérprete del principio general de solidariedad. Esto asume el valor y la eficacia de una exigencia constitucional primaria. Por tanto, si el secreto bancario eventualmente opuesto a la administración puede constituir un obstáculo a la actividad de determinación de la deuda y por ello al correcto cumplimiento de un deber constitucionalmente impuesto puede ser limitado o incluso excluido en vía normativa. La discrecionalidad normativa en este caso no encuentra obstáculos fundados en tutela del contribuyente ante el derecho tributario formal (31/1992).

Permanecen discrecionales las decisiones del legislador para la tutela del secreto bancario. Esta tutela no puede llevarse al extremo de que constituya un obstáculo al cumplimiento de deberes inderogables de solidaridad, y sobre todos el de contribuir a los gastos públicos en función de la propia capacidad contributiva (31/1992)”(DI PIETRO, Adriano. Tutela del contribuyente y constitución material en la aplicación de la norma tributaria. In: KIRCHHOF, P. et. al. Garantías constitucionales del contribuyente. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999. p. 87-88)

Nos Estados Unidos, a questão está de há muito superada. A possível alegação de que a quebra do sigilo bancário violaria a Quarta Emenda da Constituição Americana já foi rechaçada pela Suprema Corte.

A Quarta Emenda estabelece:

“Amendment IV : The right of the people to be secure in their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized”.


Assim, o caso United States v. Miller é paradigmático no sentido de desvincular o sigilo bancário ao chamado “right to privacy”. Aqui, a Suprema Corte “found that individuals have no Fourth Amendment interest in their checks, deposit slips, or other bank account records” (Note: Blown Away? The Bill of Rights after Oklahoma City. Harvard Law Review. Cambridge. Vol. 109. No. 8, 1996, p. 2089).

Nas palavras da própria Corte:

“Even if we direct our attention to the original checks and deposit slips, rather than to the microfilm copies actually viewed and obtained by means of the subpoena, we perceive no legitimate “expectation of privacy” in their contents. The checks are not confidential communications but negotiable instruments to be used in commercial transactions. All of the documents obtained, including financial statements and deposit slips, contain only information voluntarily conveyed to the banks and exposed to their employees in the ordinary course of business. (…).

(…). This Court has held repeatedly that the Fourth Amendment does not prohibit the obtaining of information revealed to a third party and conveyed by him to government authorities, even if the information is revealed on the assumption that it will be used only for a limited purpose and the confidence placed in the third party will not be betrayed” (United States v. Miller, 425 U.S. 435, 442-443 (1976)).

Este mesmo Supremo Tribunal Federal já considerou, inúmeras vezes, que não há que se questionar da possibilidade de o sigilo bancário vir a atacar a esfera da intimidade ou da privacidade, o que se aplica evidentemente aos casos em que a autoridade tributária analisa contas bancárias, no seu constitucional exercício de fiscalização.

No RMS 15.925-GB (Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, DJ de 24/06/66), o Ministro Gonçalves de Oliveira, no seu Relatório, transcreve a ementa do acórdão recorrido do Tribunal Federal de Recursos:

“Sigilo bancário. Informações destinadas à Divisão do Imposto sôbre a Renda. O sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o perigo da divulgação ao público, nunca quando a divulgação é para o fiscal do impôsto de renda que, sob pena de responsabilidade, jamais poderá transmitir o que lhe foi dado a conhecer.”

Em seguida, transcreve parecer da Procuradoria-Geral da República, que afirma explicitamente:

“O sigilo bancário tem por finalidade a proteção contra a divulgação ao público dos negócios do banco, ou dos negócios dos seus clientes.

Na espécie incorre isso, visto que os Agentes Fiscais do Impôsto de Renda são, ex vi legis (art. 201, Dec. 47.373/59), obrigados ao sigilo, sendo-lhes defeso, pena de responsabilidade divulgar conhecimento obtido via de investigação como, aliás, salienta o Egrégio Tribunal a quo”.

Por fim, ao proferir seu voto, acolhido por unanimidade, deixou claro o eminente Ministro:

“Nego provimento ao recurso. Não há perigo de devassa ou quebra de sigilo bancário, porquanto, como assinala o parecer, os Agentes Fiscais do Impôsto de Renda são obrigados ao sigilo (art. 201 – D. nº 47.373/59), sob pena de responsabilidade”.

No AGRINQ 897/DF (Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 24/03/95), a ementa do julgamento ficou assim redigida:

“EMENTA: – INQUÉRITO. AGRAVO REGIMENTAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. AFRONTA AO ARTIGO 5.-X E XII DA CF: INEXISTÊNCIA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CONTRADITÓRIO. NÃO PREVALECE. I – A quebra do sigilo bancário não afronta o artigo 5.-X e XII da Constituição Federal (Precedente: PET.577). II – O princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitória (HHCC 55.447 e 69.372; RE 136.239, inter alia). Agravo regimental não provido”.

No MS 21.729 (Rel. Min. Marco Aurélio, Julgado em 05/10/95), novamente o Ministro Francisco Rezek, com sobriedade, fez questão de desvincular a questão do sigilo do âmbito constitucional, de onde se infere a possibilidade de associar intimidade e privacidade e uma possível relativização do sigilo bancário:

“Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à corte neste mandado de segurança não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário – do qual já se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio – de resto nada transcendental, mas bastante prosaico – da vida das pessoas e das empresas, contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência.

Continuação.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!