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Deputado federal defende criação de CPI da Serasa

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28 de dezembro de 2001, 8h01

A Serasa comercializa dados sigilosos da Receita Federal e fornece serviços de informação para o mercado estrangeiro sobre todas as companhias existentes no Brasil.

A afirmação foi feita este mês pelo deputado, Walter Pinheiro, em pronunciamento na Câmara para defender a abertura de uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) que investigaria a Serasa.

O pedido de CPI foi feito pelo deputado Rubens Bueno (PPS-PR). A CPI serviria para investigar suposta divulgação indevida de dados do presidente Fernando Henrique Cardoso, do governador de Minas Gerais, Itamar Franco, da apresentadora Hebe Camargo, do político Leonel Brizola, entre outros. Veja notícia sobre o pedido de CPI

Leia parte do pronunciamento do deputado

O SR. WALTER PINHEIRO – Sra. Presidenta, peço a palavra pela ordem.

A SRA. PRESIDENTA (Laura Carneiro) – Tem V.Exa. a palavra.

O SR. WALTER PINHEIRO (PT-BA. Pela ordem. Pronuncia o seguinte discurso).

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, trago a esta Casa um tema da maior gravidade. Trata-se de Crime Institucional, permanente e continuado, praticado pelo Poder Executivo com a conivência, por omissão, desta Casa e do Senado Federal.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, em março, deste ano, subscrevi o Projeto de Resolução de iniciativa do Deputado Rubens Bueno propondo CPI para investigar a SERASA Centralização dos Serviços de Bancos S/A, empresa privada, formada por 83 bancos. O Projeto de CPI está tramitando sob número 0135/2001.

Como subscritor do Projeto de CPI e antevendo a bateria de interesses e de corrupção que acoberta o caso SERASA apresentei em 27 de junho de 2001 o Requerimento nº 3452 pedindo, através da Mesa, informações ao Senhor Ministro da Fazenda.

As respostas, embora parciais e incompletas, foram enviadas e, nesta oportunidade requeiro, à V. Exa., Sr. Presidente, que sejam juntadas, por cópia, a este pronunciamento e encaminhadas, na forma regimental, aos órgãos do Ministério Público Federal, ao Tribunal de Contas da União e à CPI, tão logo ela seja instaurada. Antes de iniciar a análise destas informações, Sr. Presidente, vou citar, para dar referência técnica sobre a gravidade e o estrago institucional, um trecho de uma Ação Civil Pública movida pelo Dr. André de Carvalho Ramos, da Procuradoria.

Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, tendo como Réus FEBRABAN, SERASA e UNIÃO e como objeto, impugnar o “convênio” firmado entre os réus, em 19 de junho de 1998:

Afirma o Sr. Procurador: A continuação da divulgação de dados sigilosos por parte da SERASA, representa gravíssima e permanente subversão de todos os valores e princípios incutidos na Carta Magna e na legislação inferior, causadora de danos morais seríssimos.

De fato, a não suspensão imediata do convênio impugnado e da remessa de dados fiscais sigilosos nos remeteria a uma situação, no mínimo, insólita, uma vez que somente os órgãos públicos, como a Receita Federal, Ministério Público e Poder Judiciário, podem ter acesso a tais dados, na busca de interesse relevante.

Ou seja, o sigilo fiscal é bem jurídico que merece proteção atenta, permanente face às invasões de PARTICULARES, não comportando reticências ou delongas, sob pena de se ver gerar graves danos.

Mantida a livre distribuição pela SERASA dos dados da Secretaria da Receita Federal, o que se estará permitindo, na verdade, é que dados cujo acesso SÓ é licito à administração pública ou ao Ministério Público e o Poder Judiciário, seja comercializados pela SERASA, entidade privada… Tal situação, quase inimaginável, e que vem ocorrendo já a longos anos, deve ser imediatamente remediada, sob pena de total descrédito das instituições que sustentam o ordenamento jurídico. Isso sem mencionar os imediatos danos impingidos diretamente aos consumidores nacionais.

Estas são as palavras ponderadas de um Procurador da República no exercício do seu poder-dever institucional.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, agora vejamos o que a Secretaria da Receita Federal, através do Senhor Everardo Maciel, informa em sua resposta a uma das indagações formuladas ao Ministro da Fazenda, especificamente sobre o “convênio”:

“As informações fornecidas pela SRF são meramente cadastrais, podendo, inclusive ser encontradas em banco de dados, registros ou cadastros de domínio público, razão pela qual não estão protegidas por sigilo fiscal, conforme dispõe o art. 198 da Lei no 5172 de 25 de outubro de 1996 (Código Tributário Nacional), sendo observado o disposto nos §§ 1′ e 2′ do art. 20 da Instrução Normativa SRF no 19, de 1998. A Cláusula Quarta do convênio determina que a FEBRABAN disponibilizará os dados recebidos da SRF à rede bancária por intermédio da SERASA, que solidariamente com a segunda conveniente se compromete a não divulgar os dados recebidos a terceiros, tanto a titulo oneroso quanto gratuito, conforme transcrição a seguir:

(Transcreve-se, na resposta, a Cláusula 4-a do Convênio). Este Memorando assinado pelo Sr. Everardo Maciel é datado de 18 de setembro de 2001 e o convênio é datado de 19 de junho de 1998.

É estarrecer, Sr. Presidente, a leviandade com que o Sr. Everardo Maciel trata o tema, citando o artigo 198 do CTN para confirmar o crime de violação de sigilo funcional tipificado no artigo 325 do Código Penal. Ora, Srs. Parlamentares, não precisamos nem ir à legislação ordinária, basta-nos a Constituição.

Ainda que fosse legal revelar dados cadastrais de posse e guarda da Secretaria da Receita Federal é imoral e pessoal fazer esta revelação para beneficiar uma empresa privada: a SERASA, e, portanto, com clara violação aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade fixados no artigo 37 da Constituição Federal.

Outra violação é quanto ao princípio da publicidade, fixada neste mesmo artigo. Pasmem, senhores parlamentares, o “convênio” firmado com a UNIÃO, foi publicado em resumo mínimo, lacônico, sob o titulo Coordenação-Geral de Tecnologia e de Sistema de Informação (DO, No 118, QUARTA-FEIRA, 24 jun.1998).

Que órgão é este, Coordenação-Geral de Tecnologia e de Sistema de Informação, que, para a Receita Federal é sucedâneo, é sucessor, é sinônimo de UNIÃO? É, portanto, neste contexto desalentador que a União transferiu para a SERASA, em 21/12/1998, “todo o universo constante dos cadastros de Pessoas Jurídicas e Físicas” compreendendo, no caso das pessoas físicas: Número de inscrição CPF; Nome completo; Nome da mãe; Data de nascimento.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ouçam o que a SERASA divulgou, como matéria institucional e está registrado em escrituras públicas: Em toda a consulta, é efetuada a confirmação da Razão Social ou do nome correspondente ao documento consultado, por meio do CADASTRO SERASA DE CONFIRMAÇÃO DE DOCUMENTOS, composto pelo CADASTRO FORNECIDO À SERASA PELA RECEITA FEDERAL.

Reunindo informações sobre mais de 116 milhões de consumidores, o CREDIT BUREAU dispõe, ainda…;

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, a SERASA vende 2.500.000 consultas por DIA, e, em toda venda a Secretaria da Receita Federal está presente como parceira e fornecedora de dados, (ditos sigilosos pelo artigo 5% inciso X11, da CF), de mais de 116 milhões de cidadãos brasileiros.

Repito mais de 116 milhões de cidadãos, inclusive os dados do Presidente da República. As informações que eu vou revelar estão registrados nas folhas 03, 04 e 08 da Escritura Pública 043218, Livro 0002 – A.

No “Produto” “IDENTIFICA – IDENTIFICAÇÃO DE CPF/CNPJ”, escreveu-se, para compra via internet, a letra F; o nome “FERNANDO HENRIQUE CARDOSO” e a sigla “SP”. A compra foi efetivada com a imediata informação de: Número de inscrição CPF; Nome completo; Data de nascimento, de três cidadãos homônimos, ou seja, os mesmos dados originários do Cadastro da SRF, transferidos à SERASA.

Para confirmar os dados acessou-se o “produto” “Confirmei -Confirmação de CPF/CNPJ” digitou-se o “Número de inscrição CPF1′ comprado no “Identifica” e eis que surgem confirmados o “Nome completo”; “Data de nascimento”; e “Situação na SRF”.

Dando-se seqüência a esta compra, para registro em escritura pública, efetuada a pedido do Dr. Edilson Galdino Vilela de Souza, pelo Dr. Angelo Volpi Neto, oficial do 7º tabelionato de Curitiba, Estado do Paraná, chegaram-se aos seguintes dados vendidos pela SERASA sobre “Fernando Henrique Cardoso”:

“FERNANDO HENRIQUE CARDOSO”, “CPF: 062446028-20, grafia FERNANDO HENRIQUE CARDOSO”, “Data Nasc. 18 06 1931”, “Mãe NAYDE SILVA CARDOSO”, “Sexo (M/F) M , “Estado Civil CASADO” “Escolaridade 3º SUPERIOR COM, “Carteira de Trabalho 9999 Número 0000099”, “Fone Residencial 0011 8266340″, End. Rua MARINHO 1019 14 AND”, Bairro HIGIENOPOLIS”, Cidade SÃO PAULO”, “UF SP, “CEP 01240 000”, “Ocupação 4 FUC PUB” “Empresa PRESIDENCIA DA REPUBLICA , “Desde 01 1995”.

Ou seja, o sistema operacional da SERASA é bastante simples. Recebe dados sigilosos da SRF, e os vende, e ao vender, cobra preço e reciprocidade. Para demonstrar como se dá a reciprocidade, transcrevo um trecho do contrato REFIN assinado entre a SERASA e a CEF, em 28 de outubro de 1999, na cidade de São Paulo.

1. “A CONTRATANTE, desde que possua contrato do produto CONCENTRE da SERASA, passa a ter direito de utilizar-se, para seu uso exclusivo, do REFIN, da CONTRATADA.

2. Para essa utilização, compromete-se a fornecer dados de seus arquivos relativamente a contratantes com operações vencidas e não pagas. Tal fornecimento terá inicio a partir da data da assinatura deste contrato e, a contar dai, no prazo máximo de 2 (dois) meses, deverão ter sido remetidos os dados dos clientes com pendências de qualquer espécie, inclusive daqueles responsáveis por operações ainda não transferida para “Créditos em Liquidação”.

Srs. Parlamentares, a SERASA recebe a base de dados originária da UNIÃO e mescla estes dados, recebidos com exclusividade e gratuitamente, com outros dados repassados por suas empresas clientes.

Uma dessas empresas-clientes é a CEF que, por seu presidente, Senhor Emílio Carazzai, informa, em resposta à uma das perguntas dirigidas ao Ministro da Fazenda, o seguinte:

O grau de segurança das informações é plenamente satisfatório, uma vez que as informações são obtidas de fontes legalmente institucionalizadas e reconhecidas, atendendo aos princípios de segurança da informação definidos pela CAIXA.

A satisfação do Sr. Emílio Carazzai, Presidente da CAIXA e do Presidente da SERASA deve ser equivalentes, pois, a medir pelos valores informados, um contrato iniciado em 11 de novembro de 1996, no “valor global estimado de R$1.248.000, (um milhão duzentos e quarenta e oito mil)” passou a ser de “R$ 6.676.800,00, (seis milhões, seiscentos e setenta e seis mil e oitocentos reais)” a partir de 15 de agosto de 2001.

E para que não se diga que o PT está forçando a barra, vejam, senhores parlamentares o que informa o Banco Central do Brasil, através da Sras. Tereza Cristina Grossi Togni, diante da seguinte pergunta formulada no pedido de informação ao Ministro da Fazenda: “Que acordos ou convênios, sabidos pela União, a SERASA mantém com empresas internacionais? Resposta: “Este Banco Central não dispõe desta informação.”

O Banco Central do Brasil não tem resposta, mas eu a tenho e está registrada em Escritura Pública 043891, livro 0002 – A, folha 91, do 7′ ofício, em Curitiba:

A SERASA fornece um conjunto de serviços de informação dirigida ao mercado estrangeiro – sobre diferentes segmentos da economia, bem como relatórios com passado detalhado e análise econômico -financeira sobre todas as companhias existentes no Brasil. Entre as empresas estrangeiras, há companhias com cobertura mundial e lideres em seus segmentos.

Em resumo, Sr. Presidente, todos os dias estamos engolindo elefantes e nos engasgando com mosquitos. O sistema operacional da SERASA é um verdadeiro estado de exceção, paralelo, que agride, viola e suplanta, em muito, o Estado Democrático de Direito, que a Constituição cidadã, tentou instituir.

A SERASA julga, condena e executa os seus próprios atos contra uma legião de 40 milhões de “negativados” . Ouçam, Srs. Parlamentares, a singeleza, a eficácia, o tom ameaçador do julgamento previamente anunciado por uma empresa-cliente da SERASA, e percebam que a restrição que se anuncia não é ao patrimônio do pseudo devedor, mas à própria pessoa, que, da indicação da cidadão brasileiro, sob o benefício da presunção da inocência, com direito a ampla defesa, passará, em 5 dias, a condição de culpado, “negativado”, “sujo” e excluído da vida civil, a submeta à vontade subjetiva e unilateral do seu algoz:

Diz a empresa-cliente da SERASA: “Prezado senhor, Recebemos documentação que acusa a existência de parcela em atraso no seu nome, e que até o presente momento continua pendente.

Caso V. S.a já tenha efetuado o pagamento, pedimos a gentileza de apresentar-nos o comprovante para que possamos regularizar a pendência junto ao CREDOR. Confirmada a falta de pagamento da parcela, convidamos V. S.a a procurar nosso escritório, no prazo de CINCO DIAS ÚTEIS para encontrarmos uma solução amigável que possibilite saldar o débito. Não havendo resposta dentro do prazo estipulado seremos obrigados a fazer a inclusão do seu nome no cadastro de devedores

do Serviço de Proteção ao Crédito (S.P.C./SERASA), medidas que causaram entre outros transtornos a impossibilidade de:

Abrir contas e/ou renovar limite em bancos;

Participar de Financiamento para aquisição da casa própria; v’ Fazer qualquer tipo de Crediário;

Participar de Concursos Públicos e Licitações;

Adquirir novos empregos, pois a grande maioria das empresas consultam o S.P.C. antes de contratar seus funcionários.

Sr. Presidente, o que se constata é que a União, através deste convênio” com a FEBRABAN e SERASA, já FLEXIBILIZOU o direito de cidadania e para esta flexibilização, simplesmente, rompeu todas os direitos e garantias fundamentais do artigo 5º da CF, para cumprir a sua vocação irresistível de privilegiar o sistema financeiro.

E, para que o estado de exceção instituído por este “convênio” ganhe ares de seriedade a SERASA não poupa sequer a imagem e palavras atribuídas a instituições da República Federativa do Brasil, vejam, a titulo exemplificativo, o que registra o Boletim Informativo SERASA de março/abril de 2001:

“Marco Maciel entrega à Serasa o Prêmio Nacional da Qualidade” (sob este titulo vê-se a imagem do Vice-Presidente da Republica). Há ainda a transcrição, entre aspas, da seguinte frase atribuída ao Vice-Presidente da República: E este Prêmio de alguma forma é o reconhecimento disso, de que será pela qualidade que poderemos participar mais adequados desses

tempos de globalização, cada vez mais qualidade, melhor prestação de serviços e, consequentemente, melhor desempenho.”

Sr. Presidente, para ser absolutamente ético e para evitar constrangimentos institucionais e certas aleivosias, quero, de pronto, dizer do meu convencimento, da minha convicção pessoal com relação ao nome do Doutor Marco Maciel, que, por seus próprios méritos e pela sua história de luta e de honestidade, deve ficar a salvo do mau uso que a SERASA deu à sua imagem e ao seu nome.

Mas, Sr. Presidente, diante deste completo descalabro é justo que esta Casa aguarde passiva e inoperante o surgimento de novas denúncias na imprensa?

Senhores parlamentares, que imprensa permissinária, pode contrariar, sem grave redução do seu faturamento, o poderio econômico da FEBRABAN e da SERASA, ligada a 83 bancos e, de quebra, trazendo na bagagem a UNIÃO?

Se esta Casa necessita de alguma manchete, já a temos, pois a primeira e única matéria de vulto publicada sobre o tema SERASA foi levada ao ar, em dezembro de 2000, na forma de reportagem especial, em rede nacional, durante quatro dias, e, agora está concorrendo ao Prêmio Esso.

É como se a comissão julgadora deste prêmio quisesse nos alertar sobre a omissão do Congresso Nacional. Por outro lado, é justo deixarmos esta incumbência, unicamente, ao Ministério Público, permanentemente ameaçado de mordaça?

Sr. Presidente, Sras. Srs. Parlamentares, tenho receio que sequer esta Casa tenha forças para opor-se a isto e aí restará uma triste e cabível suspeição: esta Casa, o Senado e o Executivo podem estar sendo vitimas da imprevidência deliberada, da omissão conivente, à custa de muita corrupção e dinheiro para

custear campanhas eleitorais, senão, como compreender que tanta sujeira esteja sendo ocultada por tantos e por tanto tempo.

Era o que tinha a dizer.

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