Desmonte trabalhista

Projeto que flexibiliza CLT ignora evolução do Direito trabalhista

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28 de dezembro de 2001, 7h58

O direito do trabalho nasce com a sociedade industrial e o trabalho assalariado. As razões que determinam o seu aparecimento são econômicas, políticas e jurídicas. É o que afirma o douto Amauri Mascaro Nascimento (1) .

A história registra grandes lutas dos operários na tentativa de garantia de direitos, surgindo, então, das fontes materiais as fontes formais – Constituição Federal, leis complementares, leis ordinárias, sentenças normativas etc – ocasionando, por conseguinte, a clássica divisão das fontes do Direito do Trabalho em autônomas e heterônomas. As heterônomas são as de normas provenientes de terceiros – órgãos estatais. As autônomas têm as normas disciplinadas pelos próprios destinatários.

Sabe-se que o direito do trabalho nasceu para regulamentar as relações de trabalho subordinado, de hierarquia permanente. Não há como negar. A participação do Estado, através de leis que garantam o mínimo de proteção ao trabalhador, é essencial, notadamente porque a cultura do povo brasileiro não evoluiu ao ponto do Estado deixar de interferir na elaboração das normas trabalhistas.

Na relação de emprego a subordinação do empregado é de natureza jurídica: o trabalhador é economicamente mais fraco. O Estado cria (ou criava) leis com o intuito de evitar a exploração do economicamente mais forte, compensando as deficiências, naturais, dos trabalhadores.

Como o direito não é estático, nos últimos anos deparamos com alterações na Consolidação das Leis do Trabalho. Algumas, bem vindas; outras, divorciadas da nossa realidade, com objetivo de impedir o acesso do jurisdicionado ao Judiciário, ou com a “intenção” de reduzir o número de processos que tramitam nas varas e tribunais, como se o fator social e a crise econômica não fossem fatores causadores dos conflitos de interesse.

Enquanto se discute sobre meios de reduzir gastos do empresariado brasileiro, pesquisas mostram que com a atual política, o rendimento das grandes empresas aumentaram expressivamente.

A propósito, considerável artigo da lavra do doutor Jorge Pinheiro Castelo, com o título “O Direito do Trabalho do Século Novo” (2) , registra:

“Pesquisa divulgada pelo IBGE revela que, na década neoliberal brasileira, de 90, enquanto houve uma exploração do faturamento das empresas de capital aberto, o neoliberalismo ‘tupiniquim’ gerou uma grave queda no rendimento médio real dos trabalhadores e um grande aumento de desemprego e dos moradores da rua.”

(…)

Na mesma década, a receita das empresas de capital aberto dobrou: Saltou de R$ 4,3 bilhões em 1991, para 8,81 bilhões em 2000″

Em benefício da evolução do capital está sendo sacrificado o social, porque o Estado não está preocupado com a falta de emprego, mas com a permanência e acréscimo da renda do capital. É o que parece.

Embora negociação coletiva de trabalho seja muito bem definida como processo democrático de autocomposição de interesses pelos próprios atores sociais, objetivando a fixação de condições de trabalho aplicáveis a uma coletividade de empregados de determinada empresa ou de toda uma categoria econômica e a regulamentação das relações entre as entidades estipulantes, nas lições de João de Lima Teixeira Filho (3) , a maioria dos trabalhadores brasileiros, até mesmos organismos sindicais, não estão preparados para a radical mudança legislativa que prevê a prevalência do negociado contra o legislado.

É a alteração pretendida com a redação do Projeto de Lei n.º 5.483, de 2001, ansiosa para modificar o artigo 618 do Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 2001, a velha e conhecida da Consolidação das Leis do Trabalho, que assim tramita: “”Art. 618. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e saúde do trabalho.”(NR)

Análise minuciosa do eventual novo texto causa preocupação porque toda construção legislativa, abaixo da Carta Política, para nada servirá, prevalecendo, quase que na totalidade, o que as “partes” – representadas, pelas entidades sindicais – pactuarem.

Nota-se que ignoram toda história da evolução do Direito do Trabalho e, com a pretendida alteração, buscam solução para a crise econômica que, na realidade, não tem como causa a legislação trabalhista, mas a falta de atenção do Estado no investimento social.

Paciência… Estão retalhando direitos dos trabalhadores brasileiros. A atitude é de desregulamentação total das normas trabalhistas. Não é possível admitir que normas cogentes, inseridas no texto da CLT, sejam ignoradas pelo moderno modo de “legislar”.

É prudente ressaltar que não se despreza a importância das negociações coletivas, apenas não é o momento para alterar, radicalmente, a forma de construção das normas que regulam a relação de emprego.

Percebe-se que o Estado está preocupado com a redução do número de conflitos de interesse e processos judiciais, mas não quer investir no Judiciário e no social. É crítica a situação; a sociedade cresce e a estrutura do Judiciário permanece inerte, como se estivéssemos num “mundo” onde nada evolui.

Não é o momento de “negociação liberal”. Esse tipo de negociação tem de surgir quando os autores das relações de trabalho subordinados estão estáveis, com razoável quadro de cidadãos legalmente empregados – sem crises – para que possam exigir e impor pactuações no mesmo pé de igualdade (ou quase mesmo) dos empregadores. Com o grande número de desempregados é fácil o contratante empregador impor as regras e, nas negociações, ditar, quase que na unanimidade, as cláusulas do contrato coletivo, que passa a reger o contrato individual. Em síntese: é impossível termos organismos sindicais estruturados com a atual crise econômica, social etc.

Portando, é importante refletir sobre as negociações coletivas quando uma das partes necessita, para subsistência, da outra. Admitir negociação coletiva, no Brasil, é temerário; ampliá-la, com a carência de emprego, é tentar acreditar que o sonho antecede o sono. Tese aprovada e publicada no Jornal do 16.º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho (LTR).

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