Segredo ameaçado

Jornalista é condenado por anotações em bloco de notas na Rússia

Autor

26 de dezembro de 2001, 9h25

A corte militar de Vladivostok decidiu que o jornalista Grigory Pasko é culpado por crime de alta traição. A decisão – inesperada e inaceitável – está baseada em um decreto militar recentemente declarado ilegal e inválido pela Suprema Corte da Rússia. A notícia está publicada no Relatório Alfa.

Grigory Pasko foi sentenciado a quatro anos de prisão em um

campo de trabalhos russos (eufemismo para “trabalhos forçados”)

pela sentença de alta traição (dia de natal, 25 de dezembro).

A Corte Militar da Frota do Pacífico em Vladivostok informou em

seu veredicto de Pasko tinha a intenção de fornecer documentos

confidenciais para um jornalista japonês. Os 20 meses que ele já

passou na prisão, aguardando o julgamento, serão diminuídos

da pena total.

Entenda o caso

Grigory Pasko, um jornalista investigativo, estava trabalhando em

uma matéria sobre a segurança nuclear na Frota Russa do Pacífico

e descobriu que os militares russos estavam despejando resíduos

nucleares tóxicos ilegalmente no oceano.

Trabalhando como free lancer para a TV japonesa NHK, Pasko

filmou quando um navio militar russo despejava líquido

radioativo no mar do Japão. Ele foi preso em Vladivostok

no dia 20 de novembro de 1997. A polícia secreta russa, FSB,

“cuidou do caso” e afirmou que Pasko cometera alta traição por

estar trabalhando com um grupo de jornalistas japoneses da

emissora NHK, uma das mais importantes do mundo.

Em nenhum momento os militares russos comentaram o fato

de estarem fazendo algo ilegal com os resíduos tóxicos, que

provocaria diversas formas de câncer em milhares de japoneses.

O Caso Pasko recebeu atenção internacional. A Anistia Internacional declarou o jornalista como um Prisioneiro de Consciência.

Os documentos confidenciais:

Notas de um repórter

Curiosamente não foi o vídeo que Pasko produziu que o tribunal

militar usou contra ele, mas supostos documentos confidenciais

que ele teria. Essa é a parte que seria cômica, se não fosse

dramática.

Os documentos confidenciais em questão são somente as

notas manuscritas que Pasko escreveu em seu bloco de

anotações durante uma reunião do Conselho Militar da Frota

do Pacífico. Pasko estava presente na condição de repórter

do jornal Boyevaya Vakhta (Observatório Militar) e pretendia

escrever um artigo sobre o encontro.

Originalmente, as acusações contra Pasko incluíam dez itens

os quais, segundo a promotoria, eram informações confidenciais

que o jornalista “pretendia passar para seu colega japonês”,

da NHK. A promotoria acabou por deixar de lado cinco dos dez

documentos supostamente confidenciais. O juiz acabou tirando

outros quatro documentos, por não considerá-los confidenciais.

O único documento usado pela promotoria para processar Pasko

e mantê-lo na prisão por vinte meses e agora condená-lo por alta

traição foi seu bloco de anotações manuscritas.

Os advogados de Paski já apelaram do veredicto para o Colégio

Militar da Suprema Corte Russa.

Pasko foi levado para a prisão ao sair da Corte. Ele ficará preso

até que o apelo seja considerado pela Suprema Corte — o que

pode levar mais de um ano.

Há poucos meses um grupo de especialistas do Oitavo Departamento

do Ministério da Defesa afirmaram que os documentos do

Caso Pasko, incluindo suas anotações feitas à mão livre,

continham segredos de Estado. Os especialistas militares

basearam suas conclusões em um decreto militar SECRETO

de número 055:96 relacionado a segredos de estado (portanto,

sendo um decreto secreto, não havia como um jornalista

saber que o estava infringindo).

Entretanto o uso deste decreto como base para o processo

viola o artigo 15, parágrafo 3 da Constituição Russa. Segundo

a constituição uma norma não publicada (como foi o caso de

um decreto militar secreto) não pode ser usada para que uma

pessoa seja processada.

Para completar a Suprema Corte Russa declarou, no dia 6 de

novembro passado, que o tal decreto militar secreto era “ilegal

e inválido” porque não havia sido registrado de acordo com a

lei russa. Embora a decisão da Suprema Corte tenha validade

legal, isso não impediu que os militares sentenciassem Pasko

baseado no decreto secreto.

Além disso, quase 95% das supostas “evidências” contra o

jornalista foram obtidas ilegalmente, incluindo a afirmação

de que ele pretendia passar para outro colega seu bloco

de notas.

Sem Apelo por Perdão

Antes da condenação de Grigory Pasko o porta-voz do Conselho

da Federação (o equivalente ao Senado no Parlamento Russo),

Sergey Mironov, disse que Pasko era inocente mas, devido

ao sistema judicial russo estar em “frangalhos”, seria difícil

provar o contrário.

O senador Mironov “aconselhou” Pasko a apelar ao presidente Putin por perdão, caso fosse condenado. Mironov foi indicado recentemente para o posto de Líder do Senado pelo próprio Putin.

Os advogados de defesa de Pasko disseram que o jornalista

não tinha planos de apelar ao presidente russo por perdão

por não se considerar culpado de qualquer crime. Observadores

acreditam que a “oferta” de Mironov foi uma proposta de “saída”

para Pasko de forma a não ofender a polícia secreta russa,

a FSB, envolvida no caso.

O chefe da FSB na Frota Russa no Pacífico congratulou seus

oficiais e espiões, sete dias antes, pelo trabalho de condenação

“feito no caso Pasko”. Em outras palavras, ele sabia que

Pasko seria condenado antecipadamente.

A sessão da Corte foi aberta ao público. Mas o público consistia, na maioria, de militares vestidos de civis — um velho truque usado pela KGB nos tempos da extinta União Soviética — impedindo que civis “verdadeiros” pudessem acompanhar o processo.

Veja informações sobre o caso Pasko (em russo)

Opinião Editorial

Feliz Natal nas prisões russas

A condenação de Grigory Pasko é um afronta a todas as leis

internacionais e um insulto contra a própria Constituição da

Russa. O envolvimento da FSB, órgão secreto derivado da

repressora agência de espionagem KGB, só mostra que o

atual governo russo é incompetente para a gestão da democracia.

Isso sem esquecer que, novamente, as garantias de que o

lixo nuclear é seguro servem somente para propaganda pró-nuclear

mas que, no frigir dos ovos, não passam de palavras vazias,

e falsas.

Os russos resolvem o problema jogando o líquido nuclear no

mar do Japão. E os jornalistas que descobrem isso são

jogados na cadeia.

Aproveito para dizer que o Relatório Alfa acaba de fechar

parceria internacional com a Bellona Foundation, de Oslo, na

Noruega, e a partir de agora teremos o conteúdo da Bellona,

originalmente em russo, traduzido para o Português pelo Relatório.

Com isso passaremos a monitorar com maior precisão os

movimentos militares e os riscos nucleares na Rússia e

em parte da Ásia. Esta foi a última edição do Relatório Alfa no ano 2001 e foi a primeira resultante dessa parceria. Voltaremos somente em janeiro. Feliz Ano Novo.

Aldo Novak – [email protected]

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!