Obras protegidas

Obras publicadas na Internet não são de domínio público

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23 de dezembro de 2001, 12h24

Deve-se à internet a difusão e o alastramento das discussões sobre a violação dos direitos autorais por, praticamente, toda a sociedade. Este assunto deixou de ser tratado por uma pequeníssima e restrita parcela de nossa sociedade, em especial por causa das obras musicais na internet, dos sistemas criados como MP3 e Napster.

A internet não só acalorou o debate sobre a violação dos direitos autorais (como há anos fizeram, em menor dimensão, o videocassete, o toca-fitas e o CD), mas também de outros campos do Direito, como o comercial (contratos eletrônicos, marcas, patentes e nomes de domínio); o tributário (tributação do comércio via internet, possibilidade de evasão fiscal); o penal (pedofilia, fraudes eletrônicas); o civil (responsabilidade civil na internet: provedor de acesso também pode ser responsabilizado?); o processo civil (e-mail como meio de prova, o seu valor probatório); o Direito Internacional Público e Privado (territorialidade); e o próprio Direito Autoral (criação de websites, como se regula sua proteção). É importante frisar que a internet não é, nem poderia ser, uma terra sem lei, como alguns defendiam e desejavam que fosse.

Até há pouco tempo, prevalecia a equivocada crença de que a internet era um espaço de livre utilização de tudo (dados, informações etc), de todo o conteúdo ali disponibilizado. É bom ressaltar que o artigo 7º da Lei n.º 9.610/98, Lei de Direitos Autorais – LDA, ao definir as obras protegidas, faz alusão a qualquer obra do espírito divulgada “por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” – o que revela a preocupação do legislador com a intensa e constante evolução tecnológica que presenciamos.

A internet é um dos maiores problemas jurídicos, se não for o maior, no que tange à defesa dos direitos autorais. E isto se deve tanto à velocidade quanto à intensidade da propagação de arquivos e informações na, e pela, internet (maleabilidade e volatilidade existentes no mundo virtual), como também à sua crescente popularização, o que dificulta a criação de uma instituição de controle daquilo que é disponibilizado na rede (origem de um arquivo, rastreamento de todo o caminho deste, se alguém o copiou e repassou em disquete ou em CD para outrem etc.).

À primeira vista, parece óbvio e simples que “obras liberadas ao público” na internet não são “obras em domínio público”, assim como não são aquelas liberadas e disponibilizadas sem ser na internet. E, de fato, o é. O que ocorre é que, por se tratar de obras postas na internet, tem-se a errônea idéia de que todos os textos ali disponibilizados são de “domínio público” ou que seus autores, implicitamente, ao publicarem suas obras na grande rede, estão permitindo que estas sejam usadas livremente.

Infelizmente, uma considerável parcela da sociedade ainda considera que, se um artigo foi disponibilizado na internet, há de se presumir que o autor autorizou a utilização do mesmo por qualquer um, em qualquer meio, pois é sabedor das dificuldades de se controlar o uso de uma obra posta na internet (a velocidade como a mesma é copiada, reproduzida e difundida livre e rapidamente). Estes argumentos ainda são acompanhados do bastante “falado e justificado”: “ah, não há problema em se utilizar este artigo no meu site também, pois, no final das contas, eu também estou divulgando o autor…”.

O que as pessoas devem ter em mente é que não é possível o uso de obras liberadas ao público por qualquer pessoa, para qualquer fim que seja (excetuando-se os casos do art. 46 da LDA, que será abordado mais adiante). Esta deve ser a regra geral, que encontra-se disposta no art. 29, inciso IX, da LDA: “depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra por quaisquer modalidades”. Embora seja inegável, há um grande empecilho à eficácia desta regra: como controlar as autorizações e as suas respectivas remunerações no ambiente virtual?

Vale frisar mais uma vez: “obras liberadas ao público”, também na internet, não são “obras em domínio público”. O domínio público é uma das maiores (se não for a maior) limitação ao direito do autor e institui-se por força do transcorrer do tempo. Uma obra cai em domínio público, geralmente, quando decorrido o prazo de proteção aos direitos patrimoniais (art. 45, LDA). Alguns aspectos dos direitos morais persistem, mesmo depois, quando a obra já caiu em “domínio público”, pois estes direitos são perpétuos, perenes, não se extinguindo jamais. O domínio público é estabelecido em lei (arts. 41 a 45, LDA).

Já “obras liberadas ao público” são, em síntese, aquelas ao qual o público tem acesso, seja por que meio ou que forma for – e aqui se inclui a internet. Portanto, como em outros meios, formas e lugares, no conteúdo da internet há matérias de domínio público (sentido tanto lato sensu, como strictu sensu) e há aquelas protegidas pelo Direito Autoral.

Os tristes e chocantes acontecimentos do histórico dia 11 de setembro passado (que congestionaram o acesso a vários sites de notícias diante da intensa busca por informações a respeito), por exemplo, são fatos que se tornam notícias jornalísticas, de evidente domínio público, ou seja, de uso liberado a qualquer pessoa que queira divulgar e/ou noticiar estes fatos. No entanto, caso um sociólogo, um economista ou um historiador queira expor em um website uma análise crítica das conseqüências de tais fatos (como vários por todo o mundo fizeram e ainda fazem), teremos, então, uma obra protegida pelo Direito Autoral, pois tal análise é uma criação intelectual.

Assim, tendo sido feita a distinção entre “obra liberada ao público” e “obra em domínio público”, é importante ter ciência e, acima de tudo, consciência de que a todos cabe respeitar os direitos do autor, mesmo que esta obra esteja disponibilizada na internet; permitido-se, apenas e tão-só, que da obra sejam explorados os elementos de utilização livre, estabelecidos em lei (art. 46, LDA), nela contidos.

É importante destacar ainda que os casos de utilização livre – previstos pelo art. 46 da LDA, que também se caracterizam como limitações aos direitos autorais, assim como o domínio público – são fundamentados em uma idéia de difusão da cultura e do conhecimento, em razão de que o autor sempre se vale, no ato de criação da obra, de elementos do acervo cultural preexistente.

Sendo assim, não se tratando, por exemplo, das limitações aos direitos autorais já mencionadas – obras em domínio público e as exceções de uso livre, previstas no art. 46 da LDA (uma vez que há aquelas advindas da vida pública pertinentes à censura e ao controle das comunicações) – terá que se obter a autorização do autor para utilizar sua respectiva obra.

Por fim, há que se destacar que os negócios jurídicos sobre os direitos autorais se interpretam restritivamente, conforme dispõe o art. 4º da LDA. Este dispositivo legal veda, a priori, a possibilidade de se subentender que a autorização dada pelo autor para o uso de sua obra seja efetuada por outra forma de utilização da mesma.

As várias formas de utilização da obra intelectual são independentes entre si. Tampouco necessita o autor “reservar” os direitos concernentes à utilização e proteção de sua obra quando este a disponibilizar na grande rede.

A fim de exemplificar, pode-se afirmar que, tendo o autor autorizado o uso de sua obra na internet, em um determinado website, estando, por conseguinte, liberada ao público (é óbvio que daquela certa forma e meio), porém não em domínio público, não pode um terceiro se apropriar desta obra, inserindo-a em um banco de dados, para que também seja, sob esta forma, acessada por outros.

Contudo, deve-se sempre se observar que, no caso concreto, podem estar caracterizadas as limitações aos direitos autorais, como as que aqui foram mencionadas. Na questão pertinente à proteção de direito autoral, seja na internet ou por que meio for, faz-se necessário respeitar e retribuir a intelectualidade dos criadores, bem como os esforços e gastos daqueles que investem na produção cultural.

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