Conversa fiada

'Flexibilização da CLT não vai gerar mais empregos no Brasil'

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18 de dezembro de 2001, 12h53

Sem a retomada do crescimento econômico em 7% não é possível oferecer garantia de emprego no Brasil. Mas sabemos que nosso País, como os demais emergentes, com a política econômica atrelada à economia mundial globalizada, não tem como implantar uma política econômica nacional desatrelada dos interesses externos, devendo seguir os ditames impostos pelo FMI, Banco Mundial, Bird, etc…

O próprio FMI, no relatório que será divulgado ao público, reduz suas previsões de crescimento para o Brasil, EUA e Alemanha, concluindo que o Brasil crescerá apenas 1,8% em 2001, contra 2% na previsão anterior (Folha de S. Paulo 15/12/2001).

Os defensores do Projeto de Lei da prevalência do negociado sobre o legislado afirmam que o projeto do governo é um avanço, sendo que o trabalhador é quem vai decidir os acordos e não o Estado. Defendem ainda que a mudança da CLT democratiza as relações de trabalho e promove a liberdade sindical, sendo que a preocupação do governo seria com a garantia da criação do emprego.

Contrariando o referido argumento, Márcio Pochmann, secretário do Trabalho de São Paulo em seu ponto de vista é fulminante. “O argumento dos que são favoráveis à mudança é que ajudaria a criar empregos. Mas o que os estudos mostram é que as reformas trabalhistas na América Latina e nos países ricos não geraram postos. Uma mudança como essa criaria uma situação como a do México, em que foram aprofundadas as diferenças regionais” (Folha de S. Paulo 29/11/2001).

Estudos do mesmo especialista citado, quanto aos “impactos da flexibilização da legislação trabalhista no mercado de trabalho, mostra que a taxa de desemprego em 15 países desenvolvidos que flexibilizaram a legislação subiu de 6,1% para 6,8%. Na mesma comparação, a taxa de emprego ficou estável, passando de 6,2% para 6,8%. Detalhe: o único indicador que mostrou variação positiva foi o emprego parcial, que passou de 1,1% para 15,2% nos países desenvolvidos.

Isso quer dizer que só a retomada do crescimento econômico em 7% ao ano pode oferecer a garantia de emprego no Brasil. O resto é conversa fiada, conclusão reiterada pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social, que por sua vez, também, conclui: “Assim como a flexibilização das leis trabalhistas não abre postos de trabalho nem diminui a taxa de desemprego, também a expansão nos investimentos industriais não garante novos empregos” (Jornal O Estado do Paraná, 16.12.2001).

O ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, examinando este cenário, com sua experiência e larga visão de homem público e magistrado, referindo-se às iniciativas do governo federal de flexibilizar a CLT, lembrou que “o mercado de trabalho brasileiro é desequilibrado e que, por ano, há a necessidade de 1,6 milhão de empregos para receber a força jovem. É inimaginável que se cogite (num mercado como o brasileiro) da flexibilização do direito do trabalho” (O Estado do Paraná, 27.11.2001).

Leia o artigo do advogado trabalhista Edésio Franco Passos

Passos é ex-deputado federal pelo PT-PR, membro fundador da Abrat e assessor jurídico de diversas entidades sindicais no Paraná e em Santa Catarina

DE UM ATO DESUMANO E DA DESCONSTRUÇÃO DA CLT

Com a mesma caneta que assinou a liberação de verbas orçamentárias para que deputados federais votassem pela aprovação do projeto de lei que desmonta o sistema jurídico protetivo do trabalhador e autorizou verbas assistenciais a uma das Centrais Sindicais que apóiam o projeto, o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o projeto de lei que concede estabilidade no emprego aos doentes portadores de HIV, aprovado a unanimidade pelo Congresso Nacional. O veto presidencial, além de um ato desumano, consagra outra impropriedade jurídica de seus assessores, a de que se sustenta pela inconstitucionalidade da proposição. Esses fatos comprovam, ainda mais, a política oficial de desconstrução do Direito do Trabalho no país.

Em sessões tumultuadas, a Câmara dos Deputados aprovou pelo voto de 264 deputados, contra 213 e duas abstenções, o substitutivo ao projeto de lei nº 5483/2001, derivado da Mensagem 1.061 encaminhada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional que determinará profunda alteração no sistema legal trabalhista no país. A matéria já está tramitando no Senado Federal, mas somente será apreciada em 2002, conforme informou o presidente daquela Casa, senador Ramez Tabet. Caso haja modificações na redação da proposta, esta retornará a nova votação na Câmara dos Deputados. Se for rejeitada no Senado, será arquivada.

Segundo o advogado Luiz Salvador, diretor de assuntos legislativos da Abrat que esteve em Brasília acompanhando a votação, para obtenção do resultado favorável, o governo mobilizou ministros, governadores, empresários, submetendo sua base parlamentar a um confronto direto com as representações contrárias à aprovação do projeto, em especial a OAB, Abrat, Anamatra, ANPT, sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais.

A pretensão do governo, ao impor ao projeto-de-lei o regime de urgência, era a de rápida tramitação e aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, ainda no ano em curso. Já na Comissão do Trabalho as resistências dos parlamentares e opositores à proposição forçou o alongamento do debate, além do esperado pelo oficialismo. Em plenário, sucederam-se votações frustradas, até mesmo pela pane no painel eletrônico.

De uma matéria considerada simples pelo governo, o projeto se transformou em um ponto de confronto com a sociedade organizada, representada por diversas entidades da mais alta respeitabilidade. A elas somaram-se opiniões contundentes de diversos juristas, dentre eles de Arnaldo Sussekind e do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio, este também um profundo conhecedor da legislação do trabalho.

Quando a matéria foi, finalmente, votada, o governo, embora vitorioso nos votos por pequena margem, foi derrotado em sua tática de impor um projeto sem debates e confrontos, além de não conseguir a urgência esperada.

Além disso, a votação do projeto foi maculada com a denúncia de favorecimento de deputados e da Força Sindical com liberação de recursos federais. Segundo informou o jornal o Correio Braziliense, houve a liberação de recursos do FAT de quase R$ 800 mil destinados a Força Sindical e mais cerca de cinco milhões de reais concedidos aos deputados federais em emendas aprovadas ao orçamento da União, destinadas a aplicação em setores de interesse eleitoral.

Por último, a truculência e a violência contra magistrados, advogados, procuradores e dirigentes sindicais, impedidos de ingressar na Câmara dos Deputados, somente possibilitado através de habeas-corpus impetrado ao STF, marcou negativamente um momento que deveria ter sido de amplo debate democrático.

Oportuno relembrar sobre o projeto de lei o que escreveu o jurista Jorge Luiz Souto Maior, juiz do Trabalho Titular da 3ª Vara de Jundiaí/SP e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela USP. Diz o magistrado que “sabendo-se que os sindicatos sempre foram livres para negociar condições de trabalho mais favoráveis do que aquelas previstas na lei, não é difícil constatar, portanto, que a verdadeira novidade, que está embutida no presente projeto de lei, é a idéia de que se devem diminuir as garantias legais do trabalhador.

O argumento favorável a esta idéia se apóia no pressuposto de que a legislação trabalhista é atrasada e que não permite que os “parceiros sociais” regulem seus próprios interesses como ocorre nos “países de primeiro mundo”. O argumento, no entanto, não pode prevalecer.

Em primeiro lugar, a legislação trabalhista brasileira, se comparada com a de outros países, só poderia ser considerada atrasada por ser ela flexível demais. Raros são os países, por exemplo, em que se permite ao empregador dispensar seus empregados sem qualquer motivação, como ocorre ainda, infelizmente, no Brasil. Em segundo lugar, a regulação dos próprios interesses pelos “parceiros sociais” nos ditos países “do primeiro mundo” se faz somente como complemento dos direitos inscritos na legislação e não como forma de derrogar o texto legal.

Mesmo que considerássemos válida a idéia de que é preciso aumentar o espaço para a negociação entre trabalhadores e empregadores, seria necessário, antes, que se criassem as condições necessárias para que a livre negociação se desenvolvesse em ambiente de boa-fé, o que requer dois requisitos essenciais: garantia de emprego contra dispensas arbitrárias e liberdade sindical ampla. Do contrário, o trabalhador continuará sendo representado por alguns sindicatos fantasmas, e negociando sob a pressão da “chantagem” do desemprego”, conclui o professor.

Às várias objeções levantadas contra o projeto de lei originário do Executivo por vários juristas e pelas organizações de trabalhadores, advogados, juízes e procuradores do trabalho, serão somadas novas análises contrárias aos termos do substitutivo aprovado. A redação final da proposta comprova a aplicação da fórmula de que, muitas vezes, a emenda fica pior que o soneto. Eis que no artigo 1º, há a absoluta prevalência do negociado sobre o legislado, a ponto de que acordos e convenções coletivas de trabalho afastam totalmente a legislação existente, somente aplicável na ausência de instrumentos normativos, negando-se o primado da lei. O artigo 2º prevê a presença de entidades de nível superior nas negociações coletivas, mas apenas para apoio e acompanhamento. E, finalmente, o prazo de dois anos significa a vigência de normas coletivas provisórias que, ao invés de estabelecerem um novo patamar normativo, produzirão extrema confusão e desorganização nas relações de trabalho de modo geral.

A leitura do substitutivo aprovado por si só é suficiente para verificar-se os danos irreparáveis que serão ocasionados caso a proposta venha a ser aprovada no Congresso Nacional. Mantemos, entretanto, nossa esperança que o movimento de resistência persista e seja vitorioso. (Jornal O Estado do Paraná, suplemento Direito e Justiça -16/12) – Edésio Passos é advogado ([email protected])

Veja o substitutivo do Projeto de Lei 5.483/01 aprovado pela Câmara

“Artigo. 1º – Na ausência de convenção ou acordo coletivo, firmados por manifestação expressa da vontade das partes e observadas as demais disposições do Título VI desta Consolidação, a lei regulará as condições de trabalho.

Parágrafo 1º – A convenção ou acordo coletivo, respeitados os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal, não podem contrariar lei complementar, as leis nºs. 6321, de 14 de abril de 1976, e 7418, de 16 de dezembro de 1985, a legislação tributária, a previdenciária e a relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, bem como as normas de segurança e de saúde do trabalho.

Parágrafo 2º – Os sindicatos poderão solicitar o apoio e o acompanhamento da central sindical, da confederação ou federação a que estiverem filiados, quando da negociação de convenção ou acordo coletivo previstos no presente artigo.

Artigo 2º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação e tem vigência de dois anos”.

Lei nº6.321/76 – Dedução do IR em programa de alimentação do trabalhador.

Lei nº 7.418/85 – Institui o vale-transporte

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