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Nova denúncia envolve policiais do Denarc em morte e extorsão

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17 de dezembro de 2001, 0h04

Nesta segunda-feira (17/12), o promotor paulista José Carlos Blat coordenador do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), toma depoimento do comerciante de produtos de informática, Luciano Andrade, 26.

Do depoimento deve emergir um novo golpe contra policiais do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) da Polícia Civil de São Paulo, envolvendo morte e tentativa de extorsão.

Na semana passada, o Jornal Nacional mostrou agentes do Denarc investigados e presos por suspeita de envolvimento com torturas e tráfico de drogas na cracolândia (centro de SP). O delegado-geral da Polícia Civil paulista, Marco Antonio Desgualdo, determinou o afastamento dos três chefes imediatos dos cinco policiais do Denarc.

Desta vez, uma equipe do Denarc é acusada de ter tentado extorquir um comerciante em US$ 10 mil para livrá-lo da acusação de fornecer 12 pílulas de ectasy ao seu funcionário, Emerson Constantino, 27 – preso em flagrante.

Emerson morreu no ano passado, numa cadeia do Interior de São Paulo, alegadamente devido a um ataque de brônquios agudo.

O comerciante deve repetir no Ministério Público todas as acusações já feitas em entrevista ao repórter Cláudio Júlio Tognolli. As acusações foram transmitidas, nesta segunda-feira, no Jornal da Manhã da rádio Jovem Pan de São Paulo, às 7h30.

No domingo (16/12), o promotor Blat recebeu em sua casa uma representação assinada pelo advogado do comerciante, Cézar Rodrigues. O relato, escabroso, expõe com gravidade a conduta policial. “Tive de fechar a empresa e me mudar pro Interior. E o meu funcionário morreu porque não quis pagar ao Denarc”, acusa Andrade.

A representação é dirigida ao Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção ao Crime Organizado.

Somadas às recentes denúncias contra policiais paulistas, essas acusações deixam o governo paulista ainda mais vulnerável em relação à saúde de seu aparato de segurança.

Leia a representação do advogado do comerciante

AO: Gaerco

ATT: Dr. José Carlos Blat

REF: Relatório-denúncia sobre os fatos gravíssimos que vêm ocorrendo a longa data no Departamento de Narcóticos em suas diversas delegacias denominadas “especializadas”

No dia 12 de maio de 2.000, por volta de 01h30, na rua Oscar Freire, 1.799, apto. 206, Pinheiros, Capital do Estado, os policiais FRANCISCO MARCONDES ROMEIRO NETO, vulgo “CHICO, ALOÍSIO CONSOLINO E FLÁVIO SIMÕES JUNIOR prenderam CAROLINE GONÇALVES SANTOS, viciada em drogas, com 12 (doze) comprimidos de “ectasy” e, EMERSON GOMES CONSTANTINO, que estava adentrando no referido prédio, à procura do irmão de CAROLINE. NÃO PORTAVA DROGAS E NÃO POSSUÍA DINHEIRO.

Além dos dois, foi presa uma garota que se dizia filha de um delegado de polícia e que foi liberada de imediato. Também foi detido ANGELO CARDOSO DE ALMEIDA e um cabeleireiro de nome ERIC, que seria o real traficante.

Os referidos policiais consultaram seus superiores, CARLÃO E DR. FÁBIO DAL MAS, prosseguindo às diligências. Descobriram que EMERSON trabalhava em uma empresa de informática, cujo proprietário é o sr. LUCIANO DE ANDRADE.

Levaram Emerson até a porta da residência de seu patrão, onde passaram a agir como verdadeiros vândalos, depredando o imóvel e passando a espancar o rapaz detido (Emerson) desferindo-lhe pontapés e socos.

O policial FRANCISCO pegou um pedaço de pau, na construção ao lado da casa do Sr. LUCIANO e passou a espancar EMERSON com o mesmo; EMERSON veio a falecer na cadeia.

O passo seguinte: descobriram que a família do sr. LUCIANO morava perto do referido imóvel, dirigiram-se até lá e cientificaram-se ser uma família de posses, o pai fazendeiro, a residência com piscina, enfim, os requisitos para partir do espancamento à extorsão.

Tais fatos ocorreram na presença de inúmeras testemunhas, tais quais:

1- D. SOLANGE; 2 -D. RENILDA; 3- ALEX; 4- D. JANICE; 5- SR. JOSÉ OTÁVIO;

Além das pessoas mencionadas, estava presente o dr. WLADIMIR SANTOS CARBONARI, que, posteriormente, descreveu os fatos em uma Carta-Denúncia endereçada à MM. Juíza que presidiu o processo nº 829/00-A, na Vigésima Nona Vara Criminal da Capital.

Tais fatos podem ser facilmente verificados no referido processo, Dr. WLADIMIR realmente acompanhou os acontecimentos, porém, talvez pelo fato de estar nervoso e preocupado com as represálias posteriores, acabou errando no preenchimento da data de sua declaração, isto, uma mera falha de impressão, foi considerada, à época dos fatos, como fato relevante, suprimindo a grave acusação feita aos policiais e posterior omissão do Promotor que acompanhou o caso, onde não tomou as medidas cabíveis.

O intuito de comunicar Vossa Senhoria é esclarecer que outras equipes do Denarc agem de maneira ainda pior que os policiais que estão sendo denunciados atualmente.

Deste modo, colocando-me e à minha equipe à disposição para quaisquer esclarecimentos ou informações julgados necessários, no aguardo de providências necessárias e cabíveis por parte de Vossa Senhoria, subscrevo-me,

Cezar Rodrigues OAB/SP nº 143.091

Leia a entrevista de Cláudio Tognolli com o comerciante Luciano Andrade

“Na realidade esse problema começou há dois anos, quando a minha casa foi invadida, quebrada e depredada por policiais do segundo Dise do Denarc. Os policiais invadiram a minha casa a uma hora da manhã. O policial Francisco Marcondes Romeiro Neto, do segundo dise, cujo nome não consta do flagrante, ele quebrou a minha casa na presença de uma vizinha minha, usando um pedaço de pau.

Ele ameaçou a minha vizinha Solange com um pedaço de pau, juntamente com o policial Flávio Simon Jr. também da segunda delegacia Dise do Denarc, junto do policial Aloísio Cassolino, também da segunda Dise.

Eles tinham prendido um amigo meu, Emerson, e já haviam espancado ele na frente da minha casa, na presença de minha vizinha, que ficou desesperada e pediu pros policiais, por várias vezes, que eles parassem de espancar ele, aí os policiais ameaçaram espancar ela, e colocaram ela para dentro de minha casa, várias vezes.

Esses policiais arrombaram a minha casa na presença do meu pai, de minha mãe, de um advogado, que foi levado até o local por meu pai, na presença da minha empregada também… eles estavam procurando droga, para falar a verdade ectasy, mas não encontraram nada dentro de minha casa, vasculharam a casa inteira e nada foi encontrado. Eles levaram o menino pro Denarc porque ele tinha sido preso com a namorada na rua. Ele trabalhava na empresa, na minha empresa, comigo, há dois anos, e era meu amigo há cinco anos. Era meu melhor amigo. Ele e a namorada tinham doze comprimidos de ectasy para tomar à noite numa danceteria.

Depois que ele disse que trabalhava comigo, como funcionário registrado, eles foram até a minha casa. Ele foi espancado na presença da vizinha e os policiais. Os policiais foram com ele e com advogado curador, o Dr. Wladimir, para o Denarc. Os policiais souberam que meu pai tinha casa com piscina, que meu pai tinha fazenda, eles pediram uma quantia de dez mil dólares, ou vinte mil reais na época, pra que não prejudicassem a mim e a meu amigo, sabendo que meu amigo era inocente, eles disseram isso pro advogado dr. Wladimir e o advogado trouxe a notícia pra gente, de que eles queriam extorquir, de que eles queriam aquela quantia.

Não pagamos porque não sou traficante e a minha família não achou certo que esse dinheiro fosse pago. O advogado voltou ao Denarc e o chefe da segunda delegacia, o Carlão, disse que então iria acabar com a nossa vida, com a minha e com a do meu amigo. Ele foi mandado pra cadeia, morreu ano passado na cadeia, a minha vida está destruída porque eu até hoje sofro repressão do policial Francisco Marcondes Romeiro Neto e do Flavio Simões Jr., que já encontraram comigo na rua e me ameaçaram intrujar droga e pediam dinheiro…

Por isso eu mudei de casa, não moro mais ali, a minha vida está acabada, está destruída…Isso tudo foi levado ao conhecimento do MP há dois anos, o MP ignorou esses fatos, meu amigo foi condenado e morreu na cadeia, e o assunto se estende até hoje. Ele foi primeiro pro Dacar, na Marginal Pinheiros, depois foi transferido para Presidente Venceslau e ele morreu de insuficiência respiratória e parada cardíaca, na cadeia, em abril do ano passado. Morreu por falta de assistência na cadeia, reclamava, não foi atendido e já chegou na enfermaria morto.

Se eu tivesse dado o dinheiro tava todo mundo na rua. Eles diziam que sabiam que éramos inocentes, mas como tinham perdido cinco horas na invasão de minha casa, eles não poderiam ter ficado ali à toa, e precisavam sair dali com alguma coisa. Agora todo mundo sabe como o Denarc trabalha”

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