Voto eletrônico

Jobim é acusado de interferência em projeto sobre voto eletrônico

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17 de dezembro de 2001, 15h30

No dia 12 de dezembro de 2001 foi aprovado na Câmara o Projeto de Lei 5470/01, que trata da questão da impressão do voto pela Urna Eletrônica. O texto aprovado é o mesmo que veio do Senado, tendo sido derrubado o projeto substitutivo que havia sido aprovado pela CCJ da Câmara.

A rejeição do substitutivo da CCJ e aprovação do texto do Senado foi possível graças a ação direta do presidente do TSE, ministro Nelson Jobim. Ele costurou um acordo entre vários lideres de partidos, inclusive o deputado Miro Teixeira, líder do PDT, para aprovar o texto do Senado sob argumento de “viabilizar a aprovação do projeto de lei mais rápido evitando modificações que levariam o texto de volta ao Senado”.

Esta explicação, no entanto, soa contraditória uma vez no dia 4 de outubro, o próprio ministro Jobim havia pedido aos mesmos líderes para que retirassem o pedido de urgência urgentíssima para a votação para o texto que veio do Senado. O ministro teve seu pedido atendido, inclusive pelo deputado Miro Teixeira, o que provocou a perda do prazo para aprovação do projeto de lei vindo do Senado antes de um ano das próximas eleições e, por conseqüência, tornando a nova lei inaplicável para as eleições de 2002.

Ora, se a nova lei já não se aplicaria para as próximas eleições devido a ação dos líderes de partidos coordenados pelo ministro Jobim, por que esta estranha pressa em aprovar o mesmo texto?

Para se entender este comportamento e argumento contraditórios carece se conhecer alguns detalhes da história deste projeto de lei agora encaminhado para a sanção presidencial. Apresentaremos a seguir a seqüência cronológica das emendas e substitutivos que culminaram no texto aprovado, mostrando as alterações que foram sendo introduzidas, suas origens e motivações.

Para efeito de condensar o tamanho final desta análise, ela será restrita a análise de apenas dois dos pontos mais polêmicos do texto final aprovado, a saber:

A permissão para o TSE manter secreta parte dos programas das urnas;

O sorteio na véspera das urnas a serem auditadas.

Seqüência cronológica dos Textos

O projeto de lei que deu partida na tramitação que resultou no PL 5470/01 recém aprovado, iniciou-se com um projeto de lei do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que recebeu o número PLS 173/98 em novembro após as eleições de 1998. Este projeto de lei previa a impressão do voto mas nada falava sobre auditoria das urnas ou sobre a apresentação dos programas para os fiscais dos partidos.

Com o final da legislatura o PLS 173/98 foi arquivado e o senador Requião apresentou um novo projeto de lei em março de 1999, o PLS 194/99, que previa a impressão do voto pelas urnas e o sorteio de 3% delas, depois das eleições, para fins de auditoria.

O PLS 194/99 foi aprovado pela CCJ do Senado em outubro de 99 e foi à votação no plenário em maio de 2000. A votação foi adiada por três vezes seguidas devido a pedidos da presidência do TSE que queria melhor debater o tema. Neste sentido, houve um debate entre o ministro Nelson Jobim e o senador Roberto Requião no início de junho de 2000, que resultou no retorno do PLS 194/99 à CCJ para serem feitas alterações.

O senador Romeu Tuma (PFL-SP), como relator da CCJ, apresentou um projeto de lei substitutivo em fevereiro de 2001 bastante completo que incluía:

* impressão do voto pelas urnas e deposito automático sem manipulação do eleitor

* sorteio de 3% das urnas, depois das eleições, para auditoria

* obrigatoriedade do TSE apresentar TODOS os programas aos partidos

* desvinculação física das máquinas de identificar e de votar

* urnas de treinamento nos locais de votação

(Obs.: Estes mesmos pontos estão incluídos no projeto de lei do Dep. Vivaldo Barbosa, o PL 4575/01. A obrigatoriedade de apresentação de todos os programas foi incluída pelo Sen. Tuma depois do caso do mandato de segurança do PDT contra a não apresentação dos programas pelo TSE.)

Em maio de 2001, este substitutivo teve sua votação no Senado mais uma vez suspensa a pedido do ministro Jobim, ainda sob o argumento de que queria melhor debater a questão e que, segundo uma interpretação do STF, o PLS 194/99 não precisaria ser aprovado um ano antes das eleições por não alterar direitos.

No dia 15 de agosto em uma reunião no STF entre o ministro Jobim com senadores e deputados acertou-se introduzir algumas alterações no PLS 194/99. Estas alterações, sugeridas pelo ministro Jobim, criavam a figura do voto manual em separado e permitia ao TSE fazer uma implantação gradual do voto impresso em mais de uma eleição. Com estas alterações o PLS 194/99 foi a votação no dia 29 de setembro de 2001 com um acordo de lideranças para votação em regime de urgência tanto no Senado quanto na Câmara.


Para surpresa geral no dia da votação foram apresentadas 19 emendas ao PLS 194/99, 16 das quais tinham por origem o ministro Jobim, que as ofereceu a vários senadores. Destas 16 emendas, 14 tinham texto idêntico duas a duas, deixando inequívoco que a origem das emendas era a mesma, o TSE, mesmo quando apresentadas por senadores de diferentes partidos.

O senador Sebastião Rocha (PDT) apresentou 8 emendas, mas 7 delas tinham uma emenda igual apresentada por senadores do PFL. Estas emendas apresentadas pelo senador Rocha desfiguravam bastante o projeto substitutivo do senador Tuma, inclusive indo contra a luta pela transparência do processo eleitoral defendida pelo PDT.

No dia da votação das emendas (2 de outubro) o senador Rocha declarou em plenário que apresentou tais emendas do ministro Jobim para atender um pedido do específico do deputado Miro Teixeira. Tendo compreendido os erros contidos nas emendas que apresentara, o senador Rocha tentou retirá-las, no que foi impedido por questão de ordem levantada pelo líder senador Hugo Napoleão (PFL-PI).

O senador Napoleão passou então a comandar a tarefa de destacar e aprovar todas as emendas originadas pelo ministro Jobim. O senador Sebastião Rocha acabou na inesperada situação de votar contra as próprias emendas! Ao final da votação TODOS os artigos originais do projeto de lei Requião/Tuma haviam sido substituídos por textos de origem no ministro Jobim do TSE.

(Obs.: É oportuno lembrar que um mês após esta votação em que o senador. Requião e o senador Hugo Napoleão se confrontaram no debate sobre as “emendas Jobim”. O ministro deu andamento a dois processos eleitorais de 1998 que estavam parados para sua análise: 1) como relator no TSE aprovou o recurso que cassou o governador do Piauí, levando o senador. Napoleão a ganhar este cargo; e 2) como ministro do STF encaminhou ao Ministério Público pedido de abertura de inquérito contra o senador Requião por crime eleitoral nas eleições de 98.)

Depois que o pedido de urgência na Câmara foi retirado, o PL 5470/01, sucessor do PLS 194/99, foi novamente alterado por um substitutivo do deputado Almir Cabral (PSDB), que se baseou em texto do PT.

A transparência dos programas

Analisando os textos sobre a apresentação dos programas de computador do sistema eleitoral aos partidos se vê como a atuação do ministro Jobim, com o participação dos líderes que lhe deram apoio, levou a uma situação pior do que a que existia anteriormente. O Art. 66 da lei 9.504/97 falava o seguinte sobre este tema:

Art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de urna e o processamento eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados.

§ 1o No prazo de cinco dias, a contar do conhecimento dos programas de computador a que se refere este artigo, o partido ou coligação poderá apresentar impugnação fundamentada à Justiça Eleitoral.

Ao se ler este artigo parece claro que o TSE deveria apresentar para análise dos partidos TODOS os programas utilizados no processo eleitoral, na sua forma de código-fonte (que permite a análise). Mas não foi esta a interpretação dos juizes do TSE que decidiram apresentar apenas uma parte dos programas, o Software Aplicativo. As demais partes, Software Básico e Bibliotecas Padrões e de Segurança, não foram apresentadas em código-fonte, apenas “em funcionamento”.

Baseado no parágrafo 1o, o PDT apresentou impugnação contra este desrespeito à lei pelo TSE, que respondeu com a emissão da Resolução 20.714/00 onde apresenta como um dos motivos da sua recusa em apresentar o Sistema Operacional (incluído no Software Básico) o fato dele ser um programa de propriedade privada da empresa Microbase, cedido ao TSE.

Foi para contornar este problema de interpretação inadequada do art. 66 da Lei 9.504 pelo TSE, que o senador Tuma e o deputado Vivaldo Barbosa incluíram em seus projetos de lei um novo parágrafo que deixava bem mais claro que TODOS os programas deveriam ser apresentados. O texto do substitutivo do senador Tuma diz:

§ 3º Todos os programas de computador usados nas Urnas Eletrônicas durante o processo de votação e apuração devem ser obrigatoriamente programas abertos, livres de restrição proprietária quanto a sua cessão, alteração e distribuição e deverão ser apresentados para análise dos partidos e coligações, na forma de programas-fonte, inclusive os programas do SISTEMA BÁSICO, SISTEMA OPERACIONAL, Sistema Aplicativo, Bibliotecas PADRÃO e Especiais e Sistema de Segurança, sendo que as chaves eletrônicas privadas e senhas eletrônicas de acesso se manterão no sigilo da Justiça Eleitoral.


Porém o ministro Jobim, através de emenda do senador Francelino Pereira (PFL), aprovou o seguinte texto:

“Art. 66. Todos os programas de computador DE PROPRIEDADE DO TSE, desenvolvidos por si ou sob encomenda, utilizados nas Urnas eletrônicas para o processo de votação e apuração, serão apresentados para análise dos partidos e coligações, na forma de programas-fonte, inclusive os Sistemas Aplicativos e de segurança e Bibliotecas Especiais, sendo que as chaves eletrônicas privadas e senhas eletrônicas de acesso se manterão no sigilo da Justiça Eleitoral.”

A retirada das expressões: “Sistema Básico, Sistema Operacional e Bibliotecas Padrão” e a inclusão da expressão: “De Propriedade do TSE”, tornam possível que o TSE compre programas de terceiros para incluí-los nas urnas eletrônicas sem precisar apresentá-los para o conhecimento dos partidos.

As urnas eletrônicas atuais utilizam o Sistema Operacional VirtuOS, da empresa Microbase, e este foi um dos programas que o TSE se recusou a apresentar para conhecimento do PDT. Com esta redação aprovada no Senado e na Câmara, o TSE tem agora o argumento que lhe faltou em 2000 para poder recusar o pedido do PDT, e que o levou a “engavetar” o mandato de segurança sem julgá-lo. Enfim, a situação agora dá ao TSE mais armas para manter secretas partes importantes dos programas eleitorais.

Qualquer político ou eleitor leigo sabe entender o significado de votar em máquinas de apurar com programas secretos. Os senadores e deputados subservientes ao TSE acabam de colocar em lei este absurdo.

No substitutivo do deputado Cabral tentou-se corrigir este erro e foi reintroduzido um texto muito semelhante ao do senador Tuma, mas este substitutivo foi derrotado na votação comandada pelos líderes que fizeram o acordo com o ministro Jobim.

O sorteio na véspera

O projeto de lei dos senadores Requião e Tuma previa o sorteio de 3% das urnas DEPOIS das eleições para que tivessem os seus votos impressos contados. A função da contagem dos votos impressos de 3% das urnas era a de fazer uma amostragem que detectasse eventual fraude contida nos programas das urnas. O ideal seria se fosse feito a contagem dos votos impressos de TODAS as urnas, mas isto tornaria esta conferência um processo muito grande, caro e demorado.

Caracterizava-se assim um procedimento de auditoria estatística correto onde, depois do evento a ser auditado, se seleciona os itens a serem inspecionados.

É este o princípio geral de auditoria estatística como, por exemplo, o exame antidoping em competições esportivas onde os atletas a serem examinados são escolhidos depois de terminada a competição.

Porém o ministro Jobim, por meio das emendas apresentadas pelos senadores, modificou o texto original para que o sorteio fosse feito na véspera do dia da eleição, sob uma alegação seca e incompreensível de que o “sorteio posterior à eleição inviabiliza o processo de apuração dos votos”.

É significativo destacar que em vários processos onde se obteve acesso aos arquivos de log das urnas, como Diadema (SP), Santo Estevão (BA), Estado de Roraima e Osasco (SP) ficou claro que as urnas eletrônicas são REGULARMENTE ACESSADAS (ligadas) DEPOIS DA SUA LACRAÇÃO, inclusive na véspera do dia de votação, “para testes” segundo se alega.

Sortear as urnas na véspera é o mesmo que avisar pela imprensa os locais onde haverá batida policial no dia seguinte ou ainda a sortear na véspera do jogo de futebol quais atletas terão que fazer exame anti-doping. Os sorteados podem alegar contusão e não jogar e outros ficam livres para se dopar a vontade!

No substitutivo do deputado Cabral a expressão “na véspera” foi substituída por “no dia da eleição”, mas também isto foi derrotado na votação. Esta se tornou uma falha grave na segurança da urna eletrônica pois se refere a uma possível falha sistêmica, que permitiria um ataque centralizado a todos as máquinas.

Quando se conta para qualquer leigo que o Senado e Câmara aprovaram o “sorteio na véspera”, a reação que se observa é de escárnio, diante de erro tão grosseiro de lógica, e de apreensão, quando se tenta entender qual a motivação que levou o ministro Jobim e seus apoiadores a insistirem neste erro.

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