Nomeação polêmica

Apesp critica pedido de volta de procuradora-geral de SP ao cargo

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12 de dezembro de 2001, 8h26

O presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp), Nelson Lopes de Oliveira Ferreira Júnior, enviou carta aos associados da instituição para criticar a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo governador Geraldo Alckmin, no Supremo Tribunal Federal.

O governador contesta a validade do artigo 100, parágrafo único, da Constituição Estadual. Alckmin quer a recondução da procuradora-geral do Estado, Rosali de Paula Lima, ao cargo.

O dispositivo em questão estabelece que o procurador-geral do Estado será nomeado pelo governador, em comissão, entre os procuradores que integram a carreira.

Para o presidente da entidade, a ação foi ajuizada para proteger os interesses pessoais da procuradora. De acordo com Ferreira Júnior, ela quer aplicar um contragolpe às medidas intentadas pelo Sindicato da categoria questionando a validade de sua nomeação.

Ele afirma que esse movimento abalou uma conquista histórica dos procuradores do Estado, com sérios prejuízos institucionais. “Os riscos de ordem jurídica alegados na Adin não passam de alarmismo. Não têm base sólida”, conclui.

Veja a íntegra da carta enviada aos associados da Apesp

Carta aos Associados da Apesp

11.12.2001

Colega

Talvez de nada sirva, em termos jurídicos, que eu analise a conduta da doutora Procuradora-Geral nos últimos dias. Mas, em termos políticos, a análise poderá ter alguma relevância.

Como já deve saber, a Chefe da Instituição orientou o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contestando a validade do artigo 100, parágrafo único, da Constituição Estadual.

O dispositivo em questão estabelece que o Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira.

A ação, que se encontra no STF e que pode ser lida no site deste Tribunal, recebeu o nº ADI 2.581, e é assinada pelo senhor Governador e pelo doutor José Roberto de Moraes, ilustre Subprocurador-Geral da Área do Contencioso.

Nela está dito que o parágrafo único do artigo 100 da CE instituiu significativa limitação à competência discricionária do Governador para escolha do ocupante do cargo de confiança de Procurador-Geral do Estado: a nomeação deverá recair, necessariamente, em Procurador que integre a carreira.

Essa restrição da competência governamental, segundo a petição inicial, jamais poderia ter sido imposta pela Carta Estadual, pois o tema, de natureza estritamente legislativa (CF, art. 37, II e V), insere-se no âmbito de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, c).

De acordo com a entrevista que concedeu ao jornal O Estado de São Paulo, publicada na edição de 10/12/2001, p. A-6, disse que a Adin foi ajuizada “para resguardar a estabilidade jurídica do Estado”.

A impressão que tenho é outra. Acho que a doutora Procuradora-Geral entrou com a ação para proteger os seus interesses pessoais; para, intencionalmente, aplicar um contragolpe às medidas intentadas pelo Sindicato questionando a validade de sua nomeação.

E ao fazer esse movimento abalou uma conquista histórica dos Procuradores do Estado, com sérios prejuízos institucionais. Os riscos de ordem jurídica alegados na Adin e repetidos na reportagem citada atrás, não passam de alarmismo. Não têm base sólida.

Qualquer ato legítimo da doutora Procuradora-Geral está salvaguardado, mesmo que se lhe arrogue o vício de competência ou de ordem formal, pois o Direito admite a convalidação do ato administrativo desde que não acarrete lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros.

Tal prerrogativa visa a preservação do interesse público e acha-se amplamente aceita tanto na esfera federal (Lei Federal 9.784/99, art. 55), quanto na estadual (Lei Estadual 10.177/98, art. 11).

Um caso clássico é o do professor que ingressa no ensino público, ministra aulas por muitos anos, e depois descobre-se que o seu diploma era falso. Todas as aprovações e todos os demais atos que praticou não lesivos ao interesse público ou de terceiros são preservados.

Portanto, inexiste o alardeado risco à segurança jurídica do Estado. O senhor Governador, com a licença da expressão e com todo o respeito que é devido a ele, comprou o peixe errado.

De outra parte, a necessidade de o Procurador-Geral ser de carreira tem a ver com o interesse público primário.

Na lição de Renato Alessi, baseada em Carnelutti, citada pela sempre brilhante professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em parecer ofertado à Apesp, “os interesses públicos, coletivos, cuja satisfação está a cargo da Administração não são simplesmente o interesse da Administração entendida como ‘aparato organizativo’, mas o que se chamou de interesse coletivo primário, formado pelo conjunto de interesses individuais preponderantes em uma determinada organização da coletividade, enquanto o interesse do aparelhamento (se é considerado) seria simplesmente um dos interesses secundários que se fazem sentir na coletividade, e que podem ser realizados somente em caso de coincidência com o interesse coletivo primário e dentro dos limites de dita coincidência.


A peculiaridade da posição da Administração Pública reside precisamente nisto, em que sua função consiste na realização do interesse coletivo público, primário”.

Diante desta noção e utilizando o raciocínio da professora Maria Sylvia no momento em que a invocou, fácil é compreender o quanto a inserção da Procuradoria na organização hierárquica da Administração e a livre escolha da Procuradora-Geral podem afetar a independência da Instituição e com isso o interesse público primário.

Não é por outra razão, conforme acentua a ilustre professora titular de direito administrativo da Universidade de São Paulo, que o artigo 132 da Constituição Federal, ao atribuir aos Procuradores do Estado a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas, exigiu organização em carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos. Não há dúvida de que o próprio legislador constituinte considerou essencial a independência do Procurador do Estado no exercício de suas funções, razão pela qual impôs normas precisas de ingresso e garantia de organização em carreira, com a conseqüente garantia da estabilidade.

Conforme o saudoso professor Hely Lopes Meirelles, na obra clássica intitulada Direito Administrativo Brasileiro, 26a ed., pág. 389, cargo de carreira é o que se escalona em classes, para acesso privativo de seus titulares, até o da mais alta hierarquia profissional.

A orientação do Supremo Tribunal Federal, manifestada em caráter liminar no voto do em. Ministro Moreira Alves (Adin 291-0-MT), aludida na Adin de interesse da doutora Procuradora-Geral, diz que as regras da Constituição Federal, no tocante ao Ministério Público e à Advocacia Estatal, estabelecem expressamente determinações aos Estados-membros para observância de princípios federais, iguais ou adaptados, referentes a essas instituições (assim, os parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 128, bem como o artigo 132), o que não afasta, evidentemente, outros que são ínsitos à natureza das funções que a Constituição estabelece como essenciais à Justiça, e que independem de serem exercidas no âmbito federal ou na esfera estadual.

Embora o em. Ministro Moreira Alves tenha suspendido ex nunc, até final julgamento, a eficácia de diversas expressões da Constituição do Mato Grosso, dentre elas a expressão escolhido dentre os integrantes da carreira de procurador, certo é que não fechou a questão e até mesmo, como se viu no parágrafo anterior, ressalvou outros princípios.

A petição inicial procura, com base nalgumas manifestações do em.

Ministro Sepúlveda Pertence, fixar uma correspondência da PGE com o modelo constitucional federal da AGU, estabelecido no artigo 131, § 1º, da CF, em que o Advogado-Geral é escolhido livremente pelo Presidente da República.

Com o devido respeito, não se deve estabelecer tal simetria, pois, já no artigo seguinte, o 132, na redação que lhe conferiu a EC 19/1998, encontra-se assentado que “Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídicas das respectivas unidades federadas”.

Carreira, na lição de J. Guimarães Menegale “diz respeito a um “modus” de organização dos serviços administrativos do Estado, relativo à disposição dos cargos e sua ocupação pelos funcionários. É do aspecto interior que aí se cuida.” (O Estatuto dos Funcionários- vol. I, pág. 50 – Forense – 1ª ed., 1962) – o destaque é nosso.

Assim, até o mais alto ocupante da hierarquia deve pertencer à carreira.

Ao dispor que o Procurador-Geral deve ser escolhido entre os Procuradores que integram a carreira, não está a Constituição Estadual usurpando do poder de iniciativa das normas que disponham sobre servidores, regime jurídico e provimento de cargos, outorgado ao Chefe do Poder Executivo. Ao contrário, está firmando, no Estado, o que se vê determinado no artigo 132 da Constituição Federal.

O que a Constituição Federal confere ao chefe do Poder Executivo é a iniciativa exclusiva das normas reguladoras das relações jurídicas entre a Administração e o servidor dentro dos parâmetros gerais, de observância obrigatória pela Administração, fundados na Constituição Federal.

O Procurador-Geral do Estado é um agente político, tendo em vista ser o chefe de uma instituição que, segundo a Constituição do Estado, é essencial à Administração Pública Estadual e tem como função precípua a guarda dos princípios estampados no art. 37, caput, da CF, no âmbito da administração.

Como tal, a forma de provimento do seu cargo tem estatura constitucional, é matéria típica de ser inserida na Carta Estadual pelo Constituinte local, pois tal disposição diz respeito à estrutura orgânica de um dos Poderes do Estado – o Executivo -, cujo controle de legalidade e defesa judicial estão a cargo da PGE, que é instituição essencial à Administração da Justiça (Capítulo IV, Seção II da CF).


Tanto a questão tem estatura constitucional que o art. 131, § 1º da CF, prevê a forma de provimento do cargo de Advogado-Geral da União.

Ainda que a CF tenha disposto que a nomeação pelo Presidente da República é livre, sem se adstringir aos integrantes da AGU, foi essa uma opção política do Constituinte Federal, que não impede que o Constituinte Estadual opte por uma outra concepção e delimite o universo da escolha aos integrantes da carreira de Procurador do Estado. Essa adaptação – e não cópia fiel – do preceito constitucional federal é admitida, como já se disse, pelo principal precedente em que funda a Adin, de relatoria do Min. Moreira Alves (Adin nº 291/MT). Não há, pois, nessa hipótese, que se seguir o figurino constitucional quanto ao conteúdo do preceito, mas apenas quanto à forma – inserção do tema na Carta Política Estadual.

O STF tem reconhecido o vício de iniciativa com o escopo precípuo de evitar que o legislativo inviabilize a condução dos serviços públicos pelo Executivo. Não é o caso. O Governador tem a seu dispor um universo de advogados públicos dentro do qual pode escolher um de sua confiança para chefiar a PGE.

Foi uma opção do legislador constituinte estadual delimitar o campo de escolha a advogados públicos comprometidos com a defesa do interesse público e com formação profissional específica nesse sentido. Essa delimitação não inviabiliza a Administração. Pelo contrário, está consentânea com o princípio de moralidade.

Sendo matéria de estatura constitucional – diante da figura política do Procurador-Geral do Estado, integrante da estrutura orgânica do Poder Executivo local – não há que se falar em vício de iniciativa.

Na entrevista dada ao Estadão a ilustre Procuradora-Geral do Estado de São Paulo afirma que “jamais iria atuar contra as garantias constitucionais da categoria”.

Mas foi justamente o que fez.

A doutora Rosali de Paula Lima tem apregoado que os seus críticos movem-se por razões pessoais e levada por este sentimento granjeia a solidariedade dos amigos e colaboradores mais próximos. Este estado emocional não correlaciona-se com os fatos. No início os Procuradores deram à atual Procuradora-Geral intenso apoio e incentivo, apesar de todos saberem que a Constituição vedava a sua nomeação.

À medida em que a atuação da douta Procuradora-Geral foi distanciando-se dos anseios da classe, as boas relações e as expectativas iniciais passaram a se deformar, dando lugar a um sentimento generalizado de insatisfação, o que é natural; afinal, quê atitude esperava a doutora Rosali dos integrantes da carreira, se, num dia, declara publicamente que deixaria o cargo caso não obtivesse o restabelecimento do critério remuneratório que vinha sendo observado até agosto de 2000 e, noutro dia, contradizendo-se, orienta o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade objetivando suprimir uma garantia constitucional dos Procuradores, somente para não correr o risco de ser afastada judicialmente do cargo?

Com esta relação tempestuosa, nem a Chefe da Instituição consegue dar o melhor de si, nem extrai dos integrantes da carreira a confiança, o crédito e o compromisso incondicional, necessários à efetiva liderança.

Como se vê, a questão é institucional e não pessoal. E por ser institucional a questão, considero imperdoável o ajuizamento da Adin nº 2.581, não importando o pretexto.

Cumprimento os Conselheiros eleitos pela manifestação correta e corajosa que apresentaram publicamente e os ocupantes de cargos de direção que, não compactuando com os caminhos escolhidos pela doutora Procuradora-Geral, pediram demissão.

Eis tudo o que posso lhe dizer hoje em meio a essa áspera realidade com que nos defrontamos e com a qual não podemos nos conformar.

Todos os meus bons votos para si neste Natal que se aproxima e que o Ano Novo represente uma nova e feliz página na nossa história.

Nelson Lopes de Oliveira Ferreira Júnior

Presidente da Apesp

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