Spam liberado

CSMP/SP entendeu que spam não é publicidade enganosa ou abusiva

Autor

  • Omar Kaminski

    é advogado e consultor gestor do Observatório do Marco Civil da Internet membro especialista da Câmara de Segurança e Direitos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e diretor de Internet da Comissão de Assuntos Culturais e Propriedade Intelectual da OAB-PR.

11 de dezembro de 2001, 9h45

O advogado Amaro Moraes e Silva Neto protocolou representação no Ministério Público de São Paulo, objetivando a apuração da responsabilidade de spammers no Brasil, conforme noticiado pela ConJur de 30/04/2001.

O Ministério Público, conforme atesta o art. 127 do Capítulo IV da Carta Magna, "Das Funções Essenciais à Justiça",

"(…) é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". (Vide também art. 129, das funções institucionais do MP).

Essa instituição que merece reverência, por sua vez, negou o pedido de instauração de inquérito civil para apuração do envio de mensagens indesejadas (spams). Inconformado, o advogado recorreu ao Conselho Superior do Ministério Público em 25/07/2001.

O Colendo Conselho, por unanimidade, decidiu pelo improvimento do recurso, seguindo o voto do Conselheiro Relator, no sentido de que seja mantido o indeferimento da representação vestibular do advogado.

Igual esforço foi acolhido pelo Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de representação de Amaro Moraes conjuntamente com este advogado, protocolada em 03/05/2001. A peça vestibular irmanada encontra-se com o Doutor Promotor de Justiça, Ciro Expedito Scheraiber, integrante do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor.

O real objetivo é o de se buscar um "efeito dominó", ou seja, que a condenação de alguns spammers, desta vez no PR (e diante do improvimento da representação em SP), venha a coibir a ininterrupta e reiterada rotina do envio de mensagens não solicitadas, haja vista a ausência de regulamentação legislativa que, via de regra, vem propiciando a total impunidade dos militantes dessa "inconveniente e perniciosa" prática.

Tracemos uma rápida analogia: o spam assemelha-se aos panfletos que recebemos todos os dias na rua. Panfletos estes que temos que carregar, inutilmente, até encontrarmos uma lixeira.

Ou nos resta a auto-regulamentação – uso de complicados sistemas de filtragem.

Veja a decisão do Conselho Superior do MP

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA

CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO – 1ª TURMA

PROTOCOLADO nº 64.809/01-MP – RECURSO

PROMOTORIA: PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO CONSUMIDOR

COMARCA: CAPITAL

INTERESSADO: Amaro Moraes e Silva Neto

ASSUNTO: Recurso contra indeferimento de representação solicitando apuração das responsabilidades dos detentores de e-mails (empresa StarMedia Newsletters e outras).

1. Cuidam os autos de recurso contra indeferimento de representação para instauração de inquérito civil formulado por Amaro Moraes e Silva Neto, visando a apuração das responsabilidades de empresas detentoras de e-mails, como a StarMedia Newsletters e outras.

Reclama o signatário do pedido inicial que, através de spamming (correspondências eletrônicas comerciais não solicitadas), tais pessoas estariam atentando contra a segurança e o regular funcionamento do serviço de utilidade da INTERNET, remetendo milhões de mensagens aos usuários sem que eles tenham manifestado interesse em recebê-los.

Sustenta o reclamante que tal prática gera prejuízos aos usuários internautas, uma vez que, em estatísticas já publicadas, o cidadão normal recebe cerca de 6.000 e-mails não solicitados por ano. Assim, considerando serem gastos perto de 30 segundos para que um spam seja recebido, selecionado e apagado, ao cabo de um ano, aquele cidadão gastaria "dois dias e duas horas para se livrar do entulho das promoções que em nenhum momento solicitou", equivalendo a um prejuízo mensal da ordem de R$90.000.000,00 (noventa milhões de reais).

Além disso, afirma que o spamming é crime, constituindo violação ao artigo 256 do Código Penal, uma vez que o spammer coloca em risco a segurança das redes – ou o seu funcionamento, – atentando contra a segurança ou o funcionamento da Internet.

2. A representação em apreço, inicialmente endereçada à E. Procuradoria-Geral de Justiça, foi remetida à Procuradoria de Justiça do Consumidor da Capital e indeferida de plano, entendendo o ilustrado Doutor Promotor de Justiça oficiante que "os procedimentos instaurados em face dos provedores já se mostram suficientes para atacar-se eventuais abusos na utilização da internet, não se vislumbrando, jurídica e faticamente, fundamentos para quebrar-se o sigilo de identificação de endereços virtuais para adoção de medidas restritivas sem a ocorrência de fato determinado, que possa indicar lesão ao consumidor ou violação da lei" (fls. 20/23).

3. Inconformado com o r. despacho, nos termos do art. 107, § 1º da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, tempestivamente o interessado recorreu, apresentando as razões de fls. 26/35.

4. O culto representante do Ministério Público de primeiro grau manifestou-se às fls. 37/43, mantendo a r. decisão recorrida.

5. Com o devido acatamento, nenhum reparo há de ser feito ao entendimento do dedicado órgão de execução de primeiro grau, pois efetivamente não se vislumbra no caso vertente a hipótese de publicidade enganosa ou abusiva, ou violação ao disposto no art. 36 do CDC, com lesão a direitos difusos e coletivos do consumidor, a serem amparados pelo Ministério Público, inexistindo razão para a instauração de inquérito civil a respeito.

Conquanto inconveniente ou perniciosa, a prática de remessa de correspondências eletrônicas comerciais não solicitadas não é legalmente proibida (pelo menos ainda), não constituindo publicidade enganosa ou abusiva. Aliás, como afirma o Dr. Promotor de Justiça e reconhece o próprio recorrente, "pretender-se impedir a remessa de spams ou e-mails não encontra amparo legal e quiçá tecnológico, sob pena de inviabilizar o próprio sistema de navegação on line".

Por outro lado, considerando-se que o recorrente traz notícia da prática de crime de ação penal pública incondicionada (artigo 256 do Código Penal), postulando o expresso desdobramento da representação, proponho a extração da cópia integral do feito e remessa à Promotoria de Justiça Criminal da Capital, para a devida análise e adoção das providências necessárias.

6. Diante do exposto, voto no sentido do IMPROVIMENTO do presente recurso, mantendo-se o indeferimento de representação vestibular, nos exatos termos da promoção do Digno Promotor de Justiça oficiante, Doutor EDGARD MOREIRA DA SILVA, com a extração de cópia integral do feito e remessa à Promotoria de Justiça Criminal da Capital, para a devida análise e adoção das providências necessárias.

São Paulo, 21 de agosto de 2001.

NELSON GONZAGA DE OLIVEIRA

Procurador de Justiça

Conselheiro

Resultado do Julgamento: RECURSO IMPROVIDO

DELIBERAÇÃO

1. Em reunião realizada no dia 04/09/2001, o protocolado em epígrafe foi submetido a julgamento pela sessão plenária do Conselho Superior do Ministério Público, obtendo-se o resultado que acima vai especificado, por unanimidade, acolhido o voto do Conselheiro Relator (Doutor Nelson Gonzaga de Oliveira), que fica fazendo parte integrante desta deliberação.

Participaram do julgamento os Conselheiros Doutores, Antonio de Pádua Bertone Pereira, Evelise Pedroso Teixeira Prado Vieira, Lúcia Maria Casali de Oliveira, Maria Cristina Barreira de Oliveira, Marilisa Germano Bortolin, Nelson Gonzaga de Oliveira, Paulo Mário Spina, Agenor Nakazone e José Geraldo Brito Filomeno. Ausente, justificadamente os Conselheiros Doutores João Antonio Bastos Garreta Prats e José Roberto Garcia Durand.

Providencie-se como de praxe.

São Paulo, 04/09/2001.

Antonio de Pádua Bertone Pereira

Conselheiro/Secretário

(Publicado no Diário Oficial do dia 06/09/2001)

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor de Internet do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI) e membro suplente do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

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