Assistência jurídica

Diretor da OAB nacional critica advocacia 'pro bono'

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10 de dezembro de 2001, 14h19

O povo brasileiro não é conhecido como um dos mais caridosos do mundo. Estatísticas mostram que os habitantes dos países denominados de primeiro mundo são mais abnegados do que os demais. Os americanos do norte são apontados como os campeões mundiais da filantropia.

Aqui no Brasil, especificamente no Pará, lembro que a OAB instituiu um programa beneficente que denominou de “Advocacia Solidária”. Até hoje ele existe. Seu objetivo é prestar assistência jurídica aos carentes que necessitam de recorrer à Justiça. Para tanto, se propõe a ajudar o Poder Judiciário no exame e despacho de processos em tramitação nas abarrotadas varas cíveis e penais da Justiça Comum.

Conta-se com a colaboração daqueles a quem denominamos de advogados solidários. Profissionais do direito que, sem cobrar honorários, passam os fins de semana entrevistando presos e estudando processos para sugerir despachos ou outras medidas aos magistrados assoberbados. Os próprios juizes, serventuários da Justiça e acadêmicos de Direito se empenham por puro amor ao próximo.

Atuando em “mutirões”, consegue-se concluir centenas de processos criminais que, por estarem parados por longo tempo, tornam ilegais as prisões dos envolvidos. Com isso, obtém-se algum desafogo na superpopulação carcerária das delegacias de polícia e dos presídios.

Na área cível logra-se dar andamento a dezenas de processos, especialmente aqueles ligados ao direito de família, como separações e pedidos de alimentos. Nas associações de bairros, em locais distantes e carentes de tudo, ouve-se e se tenta resolver desde questões de posse dos barracos miseráveis até terríveis casos de estupros. A maioria deles praticados pelos padrastos, acobertados pelo silêncio amedrontado das mães. Se denunciam, perdem o sustento que se lhes é dado pelos companheiros, assim se justificam as infelizes.

Não raro os coordenadores do programa são chamados para acalmar as acadêmicas estagiárias, chocadas diante do relato dessas histórias cruéis. Hoje, essas atitudes altruístas dos operadores do direito ganham outra denominação: advocacia “pro bono”, do latim, para o bem. E trazem problemas nunca antes suspeitados. Há algum tempo, em abertura do TED – Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP foi formulada uma consulta, no mínimo, inusitada: ofende a ética esse tipo de atitude profissional altruísta? O primeiro impulso que se tem é responder que não. Imagine, ser contra a ética ajudar o próximo?

Acontece que a questão não é tão simples assim como parece. Muitos são os aspectos relevantes e controvertidos do tema, a suscitar perplexidades nunca antes suspeitadas. Por exemplo: até que ponto o altruísmo pode caminhar junto com a ética e em que momento eles se conflitam e se apartam? E se esse momento existe – e nós sabemos que existe – , o que se pode fazer para se tentar evitar que a boa advocacia “pro bono”, genuinamente benemerente em sua origem, derive para a inculcação de prestação de serviços, condenável pela ética?

E se isso acontecer, e, portanto, houver necessidade de intervenção punitiva dos Tribunais de Ética das OAB, como expor essa necessidade para o grande público sem que isso pareça ser uma posição mercantilista da nossa instituição, de só permitir que seus afiliados trabalhem caso remunerados por honorários profissionais que os mais humildes não podem arcar?

Finalmente, será eticamente aceitável usar a advocacia “pro bono” como instrumento de promoção publicitária pessoal e profissional do advogado? E se for, pode o advogado “pro bono” cobrar honorários advocatícios em uma causa economicamente rentável que tenha vindo ao seu conhecimento por via do exercício da sua advocacia desinteressada? Eis aí colocada a questão só aparentemente simples.

Responder a essas perguntas é o grande desafio que remeto ao Prof. José Potiguar, Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB Pará.

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